As cotas e o direito de ser diferente

Dos blogs do Portal LN

As cotas raciais e o DIREITO DE ´SER DIFERENTE´

José Roberto Ferreira Militao

 O “SER RACIAL’ e o ser humano:

Um observador social diz que a guerra civil dos Estados Unidos – 1861/1865 – que colocou em confronto os brancos do norte contrários ao escravismo dos brancos do sul ainda não terminou emergindo a questão racial para eles ainda é uma questão fundamental da guerra civil, deles. A última eleição do Presidente OBAMA nos revela que aquela guerra e a questão racial continua dividindo o país. Tal embate histórico em que o norte, base de um capitalismo mais avançado, vencedor se impõe e derrota o atrasado escravismo do sul. Para compensar os derrotados permitiu-se uma reação sulista com a doutrina “equal, but separate” aprovada por lei em 1868. Ou seja, a teoria do desenvolvimento exclusivista para brancos e para os afro-americanos, desde que separados, apartados. Foi a primeira e tosca versão do direito de ´ser diferente´ pela raça.

Com a lei federal, vários estados passaram a segregar direitos raciais, especialmente os do sul. Eram as pejorativas leis ´Jim Crown´ (algo como Zé Ninguém) com a finalidade de ridicularizar os pretos. Em 1896, um caso questionando uma dessas leis segregacionistas chegou até a Suprema Corte: o Caso “Plessy vs. Ferguson”. A Suprema Corte, com apenas um voto contrário, decidiu que a reserva de acomodações “separadas, mas iguais” pela ´raça´ seria compatível com a cláusula da igualdade. A partir daí, foi desenvolvida a doutrina “iguais, mas separados” .

A fim de garantir a separação os racistas brancos mais pobres formaram um exército racista – a Kukluskan – destinado a confinar os pretos no seu devido lugar e cujo principal financiador no início dos anos 1900 foi o industrial Henri FORD o mesmo que instituiu com seu patrimônio a FORD FOUDACION que continua financiando elites intelectuais para a defesa de políticas de segregação racial nos EUA e também, agora, no Brasil.

Eis a similaridade histórica, com mais de um século de intervalo: o nosso Supremo Tribunal em 2012, por unanimidade, considerou que a segregação de direitos raciais é compatível com a cláusula da igualdade do artigo 5º da Constituição e mais ainda, desconsiderou a regra expressa no artigo 19: “É vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios: criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

Com tal deliberação o estado passou a incentivar o pertencimento racial, aquele sentimento que é uma prisão imutável, no dizer de SERGIO BUARQUE em ´Raízes do Brasil´ que continua sendo mobilizadora – para o mal – daquela grande democracia do norte.

A principal perversidade é que a violência do racismo afeta mais os pobres, principalmente os brancos despossuídos de bens passam a dispor de um valioso patrimônio ´racial´ de uma presumida superioridade racial para opressão das pessoas de cor, igualmente pobres a quem foi outorgada a ´raça negra´, na condição presumida da raça inferior conforme a doutrina do racismo. A atuação do racismo agride mais aos pretos e pardos mais pobres, hipossuficientes, sem fôrças e recursos para reagir.

 

       DIREITOS SEGREGADOS PELA ´RAÇA´:

       A FORD FOUDACION e outras fundações norte-americanas desde os anos 1990 se propuseram a edificar no Brasil um país com identidades raciais conforme fizeram nos Estados Unidos. Neste sentido tem sido investido milhões e milhões de dólares neste empreendimento através da doutrinação e formação de lideranças intelectuais e acadêmicas para a defesa da segregação de direitos em bases raciais: querem nos ensinar que a cor da pele signifique diferença humana passível de direitos.

       As cotas raciais nas universidades e em concursos públicos, ora sendo implantadas no Brasil, fazem parte das chamadas políticas de “reconhecimento da diferença”  cujas demandas estão ligadas a representação, a cultura e a identidade dos grupos étnicos, raciais, sexuais, dentre outros.

       O reconhecimento das diferenças pelo estado, quando segrega direitos ´raciais´ de forma compulsória, adota o princípio da doutrina norte-americana do século 19 que autorizou as leis de segregação racial somente derrotadas nos anos 1960 pelo movimento dos Direitos e Liberdades Civis liderados pelo Dr. MARTIN LUTHER KING na onda do anti-racismo impulsionado pela consciência mundial dos males do racismo estatal na tragédia da 2ª guerra mundial. É uma nova roupagem para a doutrina de “iguais, mas, separados” da Suprema Corte dos Estados Unidos e consubstanciada nos direitos exclusivistas, na segregação de direitos, agora no que seria o direito ao reconhecimento de ´ser diferente´ pela raça.

 

       O ´direito´ de ser diferente?

     A propósito de comentários no post “O racismo contido no ´politicamente correto´ – http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-racismo-contido-no-politicamente-cor... – em que se defendeu o direito de tratamento diferenciado em razão de características pessoais dentre a espécie humana, ouso trazer minha reflexão que faço a partir de NANCY FRASER, a filósofa feminista, que desde os anos 1990 tem apontado os vícios e virtudes dessa tendência de políticas públicas em que, sob a questão racial, trago a evidencia delas serem reacionárias. Não tenho dúvidas: a segregação de direito raciais é uma opção de direita visando minar os ideais iluministas da igualdade e unicidade da espécie humana e os sonhos socialistas da mais proveitosa e substancial igualdade material para todos.

      Para contextualizar a marcha das cotas raciais no Brasil que tem sido patrocinada a partir de 2003 pelos governos mais comprometidos com as mudanças sociais, consagrando os esforços e os investimentos das ´foudacion´s´ norte-americanas, lembro que as primeiras iniciativas de segregação de cotas raciais, possuem DNAs que apontam para a pior direita: aquela que se esconde no populismo e não faz o discurso da direita.

      Pois bem, a primeira lei de cotas raciais nas universidades, surge no Rio de Janeiro em 2001, por decreto do governador Garotinho, então no PDT. O primeiro projeto de lei de cotas raciais na universidade e concursos públicos foi proposto no Senado em 1997, pelo Senador SARNEY, conhecido líder populista do Maranhão. Por essa razão, na presidência do Congresso SARNEY foi o grande fiador e impulsionador do PLC 180/2008 de autoria de outra maranhense a Deputada NICE LOBÃO do PFL-MA, que aprovou em 2012 a Lei de Cotas nas universidades. Os afro-brasileiros que viveram e vivem sob influência dos governos Garotinho e Sarney, disputam a liderança de ausência do estado, violência policial, degradação dos direitos sociais, milícias institucionalizadas, territórios sob controle do crime organizado. Os afro-maranhenses são vítimas do mais baixo IDH dentre todos os afro-brasileiros, de 0,488, no mesmo nível dos africanos mais pobres. Com o maior número de terras de REmanescentes de Quilombos já identificadas pela Fundação Palmares, cerca de 45% das mais de 1.000 comunidades, decorridos vinte e quatro anos, não tem sido reconhecida nem recebido os títulos das terras conforme determinou o artigo 68 das Disposições Transitórias Constitucionais de 1988.

      O festejado jurista LUIS ROBERTO BARROSO em alentado parecer a favor da segregação de direitos pelas cotas raciais, não encontrou outra convincente base constitucional nem razões na filosofia jurídica para justifica-las, que não fosse discutível, senão esse duvidoso direito ao reconhecimento de ser diferente que será ainda mais pernicioso se aplicado pelo estado pela consideração de diferença ´racial´ conforme tem sido empregado nas leis e políticas públicas no Brasil. Desde o fim da 2a guerra mundial, a luta contra o racismo estatal, impõe aos estados nacionais a abstenção em políticas públicas raciais.

       A despeito da decisão unânime do Supremo Tribunal, de abril passado, que veio impulsionar os defensores de políticas raciais segregadas continua valendo a expressão do sentimento nacional outorgda pelo povo consittuinte que está inscrito como uma cláusula de direitos humanos, portanto, não passível de emenda supressiva, no art. 19 da CF/88: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: …. III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre sí.      

       Ao contrário do que muitos pensam, esse é um debate que não terminou. Ele apenas começa. A unanimidade do plenário do STF, onde deveria imperar a sabedoria e o dever de honrar, cumprir e fazer cumprir a Carta Cidadã, apenas confirma a máxima de Nelson Rodrigues. Algum dia no futuro teremos uma composição da Corte Alta comprometida com os ditames expresssos na Carta que tem sido, reiterada e sistematicamente violada por seus membros que não receberam essa incumbência do constituinte originário: o povo.

        A DIFERENÇA PELA ´RAÇA´?

      As demandas por reconhecimento com direitos segregados e exclusivos vêm adquirindo maior relevância na arena política desde o fim do século 20. FRASER (2001) afirma que a luta por direitos a diferença se tornaram a forma paradigmática de conflito político. Para ela, demandas por ‘reconhecimento das diferenças’ alimentam a luta de grupos mobilizados sob as bandeiras da nacionalidade, etnicidade, raça, gênero e sexualidade.

        Nesses conflitos pós-socialista as identidades grupais substituem interesses de classe como principal incentivador para mobilização política. Dominação cultural suplanta a exploração como a injustiça fundamental. E o reconhecimento cultural desloca a redistribuição socioeconômica como remédio para injustiças e objetivo da luta política.

        De fato existem diferenças biológicas que merecem atenção e atribuição de direitos: pela idade de uma criança ou de um ancião; pelo gênero e condições da maternidade feminina; pela mobilidade e acessibilidade dos portadores de necessidades especiais. Porém, a grande questão é se, por um fato irrelevante como a cor da pele, poderia ser considerada uma ´diferença´ sob o rótulo de ser uma diferença´racial´?

        E afirma com acerto: “De algum tempo tempos para cá, as forças da política progressista dividiram-se em dois campos. De um lado encontram-se os proponentes de ´redistribuição´. Apoiando-se em antigas tradições de organizações igualitárias, trabalhistas e socialistas, atores políticos alinhados a essa orientação buscam uma alocação mais justa de recursos e bens. No outro lado, estão os proponentes do ´reconhecimento´. Apoiando-se em novas visões de uma sociedade ´amigável às diferenças´, eles procuram um mundo em que a assimilação às normas da maioria ou da cultura dominante não é mais o preço do respeito igualitário.”

        O diagnóstico da autora é preciso: “ Membros do primeiro grupo esperam redistribuir a riqueza dos ricos para os pobres, do Norte para o Sul, e dos proprietários para os trabalhadores. Membros do segundo grupo, ao contrário, buscam o reconhecimento das distintas perspectivas das minorias étnicas, ´raciais´ e sexuais, bem como a diferença de gênero. A orientação distributiva tem uma linhagem filosófica distinta, já que as reivindicações re-distributivas igualitárias forneceram o caso paradigmático para a maior parte da teorização sobre justiça social dos últimos 150 anos.

A orientação do reconhecimento recentemente atraiu a atenção dos filósofos políticos e, alguns entre eles, têm buscado desenvolver um novo paradigma normativo que coloca o reconhecimento em seu centro. … Em muitos casos, as lutas por reconhecimento estão dissociadas da luta por redistribuição… Essa situação exemplifica um fenômeno mais amplo: a difundida separação entre a política cultura e a política social, a política da diferença e a política da igualdade.

Em alguns casos a dissociação tornou uma polarização… Nesses casos, realmente estamos diante de uma escolha: redistribuição ou reconhecimento? Política de classe ou política de identidade? Multiculturalismo ou igualdade social?”

A conceituada autora, em sua reflexão nos coloca um desafio:

“Realmente estamos diante de uma escolha: redistribuição ou reconhecimento? Política de classe ou política de identidade? Multiculturalismo ou igualdade social?

Essas são falsas antíteses, como já argumentei em outro texto (Fraser, 1995). Justiça, hoje, requertanto redistribuição quanto reconhecimento; nenhum deles, sozinho, é suficiente. A partir do momento em que se adota essa tese, entretanto, a questão de como combiná-los torna-se urgente. Sustento que os aspectos emancipatórios das duas problemáticas precisam ser integrados em um modelo abrangente e singular. A tarefa, em parte, é elaborar um conceito amplo de justiça que consiga acomodar tanto as reivindicações defensáveis de igualdade social quanto as reivindicações defensáveis de reconhecimento da diferença. (Fraser, Nancy, 2007, “Reconhecimento Sem Ética”, Lua Nova, 070, pp. 101-138 ) http:// www.scielo.br/pdf/ln/n70/a06n70.pdf

Neste mesmo sentido, em saudação a reeleição do Presidente OBAMA,http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-renovacao-da-esper anca-…  – relembrei sua posição política de rejeição às políticas públicas em bases de direitos pela diferença. Está consagrada em seu livro (A Audácia da Esperança, 2005), verdadeira plataforma política. Ele consagra a síntese de uma plataforma de superação de crenças negativas baseadas na crença em raças, no machismo, sexismo e homofobia que sustentaram as culturas defeituosas dos séculos 19 e 20 na América e no mundo: “Eu rejeito a política baseada apenas na identidade racial, na identidade homem-mulher ou na orientação sexual. Eu rejeito a política baseada na vitimização.”.

No exercício da presidência, apesar das adversidades da crise econômica e firme oposição da direita conservadora que tem sido eleita com discursos racistas para emparedar a vontade política de OBAMA, ELE tem honrado A sua disposição que podemos mudar o mundo para melhor, para usufruto de todos e não de parcelas do todo o que tem sido a tônica do capitalismo liberal somente temperado pelos esforços das demandas socialistas no século 20. Agora novamente sob ameaça dos direitos segregados pelas ´diferenças´ humanas.

Luis Nassif

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