O Império contra-ataca. 2013 foi um campo de batalha da nossa luta de classes.

A gênese da nossa luta de classes – Ao novo não é dado espaço, ele é tomado do velho.

Da corte carola de Dona Maria I até a eleição de Lula, o Brasil sempre foi governado pelo conservadorismo retrógrado ou por regimes de força, quando não de exceção. O absolutismo, mantido mesmo na nossa monarquia constitucional – vide Nabuco, caiu junto com D. Pedro II. Um regime oligárquico até 1930 e três períodos ditatoriais forjaram na nossa psique nacional uma secção entre o Estado, representado pelo governo (Executivo, Legislativo e Judiciário) e a Nação, representada pelo povo. No Brasil, são entidades apartadas. Somos um país democrático, não somos um país republicano.

No imaginário nacional, o “governo” faz as vezes do Imperador e no seu entorno gravita a mesma corte, desde 1808. Imperador e corte governando quase que baseados na autoridade emanada do poder divino e mantidos pelo povo, em muito ainda, por dever de vassalagem.

Dois séculos desse modelo de organização social calcificaram relações de poder, simbólicas e efetivas, que a chegada do governo Lula vem fraturar, embora, sem afetar seriamente o sistema de prioridades e privilégios da nossa “nobiliarquia” – a burguesia, a classe média consolidada e a plutocracias nacionais. Não formamos ainda uma elite.

Sentido a fissura no seu poder, o conservadorismo inicia a luta de reação.

Nossa pequena Bastilha, sem revolução e sem guilhotina. Ou, Lula não é Robespierre.

A chegada de Lula ao poder é um divisor de águas no nosso modelo de governo.  Mas é uma obra inconclusa no sentido de unificar Estado e Nação. Dos três pilares da construção da cidadania – liberdade, igualdade e fraternidade, avançamos muito no segundo – igualdade.

Quem sabe como a polícia age nas periferia e favelas, quem já leu algum trabalho sobre “gente invisível” ou conhece o controle aplicado sobre os trabalhadores em nossos “call centers” – as novas senzalas – sabe que a liberdade ainda é uma característica associada a classe social.

Fraternos decididamente não somos. Somos uma sociedade estamental. O filho do rico será rico, o filho do classe-média será classe média e o filho do pobre será pobre. Isso é cultivado em nossa sociedade quase que ao nível da naturalidade dessa distorção. Cultivado pelo nosso conservadorismo retrógrado e reacionário. Basta ver as reações a recomposição do aumento do salário mínimo – causa inflação. A reação ao Bolsa família – esmola que desencoraja o trabalho. Qualquer programa social é apresentado como aumento dos custos e não como investimento social. Melhoria do serviço público- aumento do custeio. E todas medidas populistas e eleitoreiras. A ponto de nossa classe-média e grande imprensa propor que quem as receba não possa votar.

A nossa sociedade conservadora é formada por 60 milhões de cidadãos-consumidores e 140 milhões de não-cidadãos, mas contribuintes. É essa sociedade que as forças conservadoras querem restaurar.

“O Terror é a luta da liberdade contra seus inimigos”.

Lula não é Robespierre, é um conciliador, quis-se por republicano, jamais confrontou as forças conservadoras. Elas não o temem mais, mas sem dúvida o têm como inimigo.

Nesse ponto, retroagiu a um estágio anterior aos anos 80, quando o movimento sindical combativo botou a burguesia a observa-lo amedrontada por de trás das persianas de seus escritórios e conquistou o respeito pelas classes operárias. O próprio movimento sindical e as organizações sociais populares, que sempre militaram na oposição aos governos pré-Lula, não perceberam que era chegado o momento de apoiarem o “seu” governo. Sentiram-se encabulados, constrangidos mesmo, de necessitar ser, agora, a favor.

O lado progressista perdeu força de mobilização social.  Nossa luta de classes restou unilateral. O conservadorismo partiu para o ataque, as forças progressistas não o confrontaram. Embora tenham-no sempre derrotado nas urnas.  Em tudo que depender de “um homem, um voto” o lado progressista sairá vencedor, ainda por um tempo.

Restava ao conservadorismo, o poder não democrático. Foi aí que se aglutinaram.

O conservadorismo retrógrado.

Mas quem forma as tais forças conservadoras e reacionárias. – os 60 milhões de cidadãos-consumidores?

Em outras sociedades, seriam os detentores do capital e dos meios de produção e de comunicação. Aqui também o são. Porém, a burguesia – que em alguns países é fator de contrapeso, ora oscilando para o lado progressista ora para o conservador, aqui, se alia invariavelmente ao conservadorismo. Isso se dá porque nas nossas relações intra e inter classes sociais ainda vigora as relações de compadrio e de suserania e vassalagem. Embora nossas classes-médias se queiram meritocráticas.

Assim, os altos postos, e os melhores dos médios, na economia privada, no serviço público, aí incluindo a Polícia Federal, as Universidades, o Ministério Público e do Judiciário, são ocupados por elementos oriundos da burguesia. Acrescente-se que os sistemas de mobilidade social são dificultados, pois passam pela educação de qualidade, quando não interditados. Somos uma capitania hereditária. Somos uma sociedade estamental com um profundo sentimento de classe nos seus estamentos superiores.

A luta do conservadorismo retrógrado pela restauração do “ancien régime”.

A primeira tentativa de restauração se deu já em 2005 com as CPIs em torno do caso do Mensalão. Tentaram o impeachment de Lula a La Collor. Mas faltaram os “caras-pintadas”. Lula é o mais carismático político brasileiro do último meio século, sua vitória em 2006 e o sucesso do seu segundo mandato, incluindo o acerto de suas decisões na crise de 2008, blindaram-no contra tentativas de golpe. Fez seu sucessor, Dilma Rousseff.

Mas Dilma não é Lula e a “marolinha” enfim bateu em nossa costa.

Com Lula nos bastidores e enfrentando um câncer, e a economia em rítmo de espera, as forças do conservadorismo sentiram-se fortes o suficiente para o confronto direto.  Em 2012, o julgamento do “mensalão” serviu de pretexto.  Em determinado momento, não era da condenação dos réus que se tratava, mas da relação entre os Poderes Executivo e Legislativo e o Poder Judiciário.

O golpe institucional frequentou o imáginario de muita gente, o STF transformado no Poder Moderador do antigo Império. E, pelo que muitos consideram um erro estratégico comentido por falta de experiência de Lula e Dilma, mas principalmente de Lula, o STF estava alinhado, naquele momento, em uma pequena maioria, ao conservadorismo mais militante.

As palavras do Ministro Celso Mello, ao votar pela prerrogativa do STF de cassar mandatos, em contrário ao que define o artigo 55 da Constituição que estabelece ao Congresso essa prerrogativa, me causaram profunda preocupação, nesse sentido.

“… o Supremo Tribunal Federal …, que incumbido como guardião da Constituição pela própria Assembleia Constituinte, tem o monopólio da última palavra em matéria de interpretação da Constituição”.

Não havia interpretação, tratava-se de declarar sem efeito parte do texto constitucional – o artigo 55.

Mas o Ministro ia além: “a insubordinação legislativa ou executiva diante de decisão judicial revela-se comportamento intolerável, inaceitável e incompreensível”.

Pronto, o STF não tinha somente o “monopólio da última palavra”, subordinava também o Executivo e o Legislativo.

A vitória do PT nas eleições municipais de 2012, o recesso de fim de ano e uma nova composição do STF, que, aliás, devolveu ao Congresso a prerrogativa da cassação de mandatos, restabeleceu um equilíbrio precário, já que a judicialização da política parece que será, daqui para frente, uma componente do nosso modelo de governo.

O Império contra-ataca. 2013 foi um campo de batalha da nossa luta de classes.

E assim chegamos a 2013. Afastava a via judicial, as forças do conservadorismo passam a atacar as expectativas racionais relacionadas ao sucesso do governo Dilma na área econômica.

Decidem pelo terrorismo econômico. Apagão e inflação do tomate. Os fatos as desmentem. Começam a relativizar todas as notícias positivas. “Petrobras tem o menor lucro desde 2002”, tem lucro, mas é o menor. “O Brasil cresce menos que os outros BRCS”, cresce, mas cresce menos que os outros. Ou qualquer outra manchete onde a um fato positivo fosse possível se associar uma vírgula e a conjunção adversativa “mas …”. Se dados estatísticos necessitam ser torturados para tanto isso não os sensibilizaria.

A “The Economist” de Londres passa a criticar a condução da economia brasileira e a ridicularizar o Ministro Mantega.  A internet acusa a possível presença de digitais de um poderoso banco brasileiro e de um alto funcionário do governo FHC nesses ataques. Mas, com a Europa em recessão, a “The Economist” acaba por soar como ridícula, por aqui.

Até que o inesperado vem ao auxílio do conservadorismo.  Em junho, uma violenta repressão, por parte da polícia paulista, aliás, sob comando do partido aliado das forças conservadoras há 16 anos, a uma manifestação estudantil contra o aumento das passagens de ônibus causa indignação popular e é magistralmente instrumentalizada pela grande mídia. A classe-média, intoxicada por anos de noticiário ácido contra o governo, vai para a rua em gigantescos protestos que nada tem mais a ver com a reivindicação inicial dos estudantes.  Não é mais por vinte centavos, é contra “tudo isso que está aí” e por qualquer coisa “padrão FIFA”.

O governo parecia emparedado, a popularidade da presidente despencou. Mas havia efeitos colaterais também para o conservadorismo. As “grandes jornadas de junho” tinham múltiplas facetas, algumas delas se voltavam contra o Governo Alckmin em São Paulo, outras contra as emissoras de TV e seus repórteres. “Povo não é bobo, fora a Rede Globo”.

E, paradoxalmente, é justamente a partir daí que o jogo muda novamente contra o conservadorismo retrógrado. Dilma vai à televisão, fala ao povo, propõe medidas. Entre elas o “Mais Médicos”.

Começa a nova batalha. A classe médica brasileira se volta contra a medida e a grande mídia a acompanha. É um suicídio coletivo de imagem. As cenas de preconceito chegam a tal ponto que os efeitos se revertem. Dilma e os médicos cubanos estão cuidando do povo pobre, os médicos ricos – coxinhas – não querem os postos oferecidos e tentam impedir os que querem de trabalhar.

Setembro chega, esperam-se novos grandes protestos nas ruas para o dia da independência. A classe-média resolve aproveitar o feriado e não comparece. As “grandes jornadas de junho” estão encerradas. Pelas ruas, por mais dois meses, só um bando de malucos vestidos de preto misturado à criminalidade comum incendiando as ruas. Depois, nem mais isso.

A presidente recupera, pouco a pouco, os índicies de popularidade. Hoje, venceria qualquer adversário no 1º turno das eleições de 2014.

A oposição, que já não tinha propostas, perde seu discurso da ética. Trensalão, máfia do ISS grudam no governo do PSDB paulista e paulistano. Julgamento do Mensalão Tucano no governo do PSDB Mineiro.

No final de outubro, o leilão do pré-sal viabiliza a exploração do petróleo do campo de Libra. E como diz o ditado: “quem tem petróleo não morre pagão”. A The Economista começa a achar que o Ministro Mantega é “bonitinho”.

Dezembro chega com o menor índice de desemprego da história, mas com os juros em dois dígitos. Trabalhadores e banqueiros estão felizes.

Resta às forças conservadoras e retrógradas o prazer sádico dos sofrimentos e humilhações impostos aos prisioneiros da AP 470 e tentar incentivar novos grandes protestos na Copa.

Ah, os grandes protestos da Copa que derrubarão o governo Dilma e garantirão a volta das forças conservadoras ao poder. As forças retrógradas tentarão, sem dúvida. Mas não nos esqueçamos de que a Presidente Dilma estudou Marx:

“A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”

Redação

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