Sobre Freixo, José Trajano, sonhos e portadores de sonhos

Por Marceu Vieira

A vitória de Marcelo Freixo na disputa pela vaga de adversário do xará Crivella no segundo turno da eleição pra prefeito do Rio, que devolveu o PMDB de Eduardo Cunha, Eduardo Paes e Pedro Paulo à sua desimportância ideológica, acordou a lembrança de 2002, quando Lula carregou na candidatura dele o sonho de uma sociedade diferente. Do ponto de vista político, deu tudo errado, como se sabe. Mas o sonho era bom.

Muita gente queria aquele país simbolizado pela campanha do Lula. Muita gente queria. Muita gente queríamos.

Lula, ali em lua de mel com o Brasil, era só o portador do desejo. O sonho, no fundo, é o que de verdade importava.

Ex-torneiro mecânico entronizado líder de um partido gestado nas greves do ABC paulista na virada dos duros anos 1970 para os 1980, Lula foi só o cara reconhecido pela maioria como o portador ideal do sonho coletivo de um país mais justo. Um país com escola boa pra toda criança e hospital decente pro pobre.

Uma nação em que pretos e brancos, e homens e mulheres, e homossexuais e transexuais fossem tratados da mesma maneira – e os ricos cedessem mais em nome da construção dessa sociedade ainda hoje aguardada.

Tudo começou bem, mas depois veio o que se deu. O PT conspirou contra sua própria história e fragilizou sua identidade, e seus pecados foram potencializados de um jeito extraordinário pela exposição desproporcional da mídia dominante, que jamais age da mesma forma quando no papel de réu está um aliado dos seus interesses.

Mas não é do Lula nem do PT que se quer falar nessa comparação com Freixo. Aliás, nem é do Freixo. É apenas do sonho mesmo. O sonho de quem votou no PT em 2002 e agora escolheu o candidato do PSOL no Rio.

Não é preciso ser um sabido nos avessos e nos cartesianismos da política pra entender que o sonho de quem votou no Lula há 14 anos é o mesmo de quem escolheu Freixo em 2016 – e isso prova que o pensamento hegemônico pode muito com suas imposições e armadilhas e malícias, mas não pode tudo.

Não pôde, por exemplo, destruir aquele sonho de 2002. Lula e o PT estão aí hoje destroçados, e continuam sendo a cada manhã em que os jornais chegam às bancas – mas o sonho que ambos representavam naquela eleição, não. Permanece intacto, e, parece, sempre haverá um portador pra conduzi-lo.

Se o papel do Lula e do PT foi comprometido, o sonho sobreviveu – e foi ele, este mesmo sonho antigo, que pôs Freixo no segundo turno do Rio.

Este mesmo sonho talvez tenha arrancado injustamente de Fernando Haddad a chance de alcançar o segundo turno em São Paulo, onde João Dória, o tucano da ocasião, foi oferecido em embrulho de presente ao eleitor como um contraponto dos escândalos da Lava Jato, exibidos com fartura pelo noticiário monotemático de uma imprensa que vê os fatos com os dois olhos, mas os interpreta com um só – o de quem manda.

Agora, caberá aos difusores e reprodutores do pensamento hegemônico a missão difícil e ingrata de ter de decidir entre Freixo e um representante da intolerância religiosa e homofóbica.

A vida é um processo permanente de escolhas. O cronista digital, que, muito seguro do seu gesto, teclaria “zero, zero, confirma” se no segundo turno do Rio estivessem o PMDB e o Crivella, deseja luz a quem ainda não se decidiu.

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Por falar em sonhos, a demissão do jornalista José Trajano do canal ESPN, supostamente por suas posições políticas, doeu como mais um tiro dos muitos que um certo jornalismo brasileiro tem dado em si mesmo, numa renitente tentativa de suicídio.

O cronista digital, em sua iniciação no jornalismo, na finada “Tribuna da Imprensa”, foi chefiado por Trajano, e guarda isso como um troféu, com o maior orgulho.

Pobre redação a que abre mão do Trajano, homem tão digno e profissional tão competente, há tantos anos portador do mesmo sonho jamais corrompido.

Sobre Freixo, José Trajano, sonhos e portadores de sonhos

Redação

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