Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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O crescimento do BRICS e a geoeconomia da América Latina, por Bruno Lima Rocha

A ampliação do bloco também implica contrabalançar o peso enorme da segunda maior economia do planeta, a China

O crescimento do BRICS e a geoeconomia da América Latina

por Bruno Lima Rocha

Enquanto se realiza a 16a Conferência de Cúpula dos BRICS em Kazan, Rússia, nosso continente observa (atentamente) na expansão do bloco, uma forma de escapar das limitadas possibilidades de presença no Sistema Internacional através da simples validação do “ocidente”. Explico, e o próprio papel dúbio do país reflete isso. Se a política externa nacional estivesse concentrada no Itamaraty, toda a agenda além fronteiras dos ministérios seria coordenada pelo chanceler Mauro Vieira, pelo assessor especial Celso Amorim e um grupo de conselheiros de mais alto nível. Este órgão de assessoria especial poderia ter uma existência colegiada, mas necessariamente resolutiva. Hoje, se algo assim existe, é para consulta e não tomada de decisão.

Os ministros da Fazenda (Fernando Haddad) e Simone Tebet (Planejamento) não se deslocaram para a Rússia e sim para os Estados Unidos, atendendo a agenda do FMI, Banco Mundial e também do G20. A outra preocupação é com a retomada do grau de investimento, a nota máxima das agências de “análise de risco”, ou a chantagem organizada pela Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s. Quem se recorda na nota máxima dada pelas empresas de “análise” tanto para o Bear Sterns em março de 2008 (duas semanas antes da falência fraudulenta) e do Lehman Brothers (na mesma situação, falindo com fraude em setembro de 2008) sabe o quanto é negociada esta nota.

O bloco dos BRICS, em tese, seria (e é) a grande oportunidade deste momento da economia mundial para os países poderem se livrar dessa amarra. O Brasil tem sua capacidade produtiva, as finanças públicas e as políticas de distribuição de renda sequestradas pelos especuladores, pelos chantagistas do cassino financeiro. Nosso fluxo comercial é muito intenso no sentido da Ásia (em geral) e da China (em específico). Podemos seguir fazendo isso para “sempre”, exportando commodities através de uma cadeia de valor e suprimentos transnacionalizada (como nos insumos, venenos e sementes transgênicas) e pagando royalties sem fim. Ou podemos tentar alocar – sobrepor – pouco a pouco o fluxo comercial espelhado no financeiro e ampliar as trocas internacionais fora do padrão do dólar.

Em outro momento, não muito distante – nenhum pouco distante na verdade, a depender da capacidade de investimento do Novo Banco de Desenvolvimento (o NDB, apelidado de Banco dos BRICS) – o bloco e o Brasil podem instalar ou ampliar novas cadeias de valor. O caso da Bolívia é gritante. O país vive uma crise de ingresso de dólares justamente porque está com menor produtividade na produção de commodities de energia. A YPFB (equivalente a Petrobrás do país), sob controle do governo central desde a renacionalização em maio de 2006, financiou a economia nacional (a que mais cresceu e com maior estabilidade por 15 anos) e agora precisa de reinvestimento. Uma saída: a YLB, a estatal de lítio associada com empresa chinesa e desenvolvendo baterias de alta performance e centro de medicina complexa. Os capitais investidores são chineses (e também russos), mas poderíamos ter um consórcio de lítio sul-americano co-financiado pelo NDB.

Exemplos são vários, assim como os desafios do desenvolvimento e soberania latino-americanos, considerando o peso do império hegemônico dos EUA no meio de nós.

BRICS, A CHINA E A ARQUITETURA FINANCEIRA

O evento de três dias (de 22 a 24 de outubro) tem a participação de até 36 países, dos quais 24 representados pela liderança máxima. A ampliação do bloco também implica contrabalançar o peso enorme da segunda maior economia do planeta. Em 2022, a China representava quase 70% do PIB acumulado no bloco. Assim, a ampliação foi (e é) uma necessidade, para fazer valer a posição de quem está sob sanções diretas dos Estados Unidos (e OTAN), que exercem um controle absoluto sobre o Sistema Swift e por tabela, o sistema de seguros do comércio internacional através do emprego do dólar estadunidense.

Rússia, China, Índia, Brasil e África do Sul se fazem presentes na 16a Conferência. Também atendem o encontro Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Os outros novos membros aceitos em 2023 não chegaram a aderir de modo pleno. A Argentina recuou da decisão, em mais uma estupidez do governo Javier Milei. Já a Arábia Saudita, segue em posição recalcitrante, ainda “analisando” as possibilidades.

Turquia, Bielorrússia, Armênia, Cazaquistão, Mongólia, Congo, Vietnã e Laos estão em Kazan com delegações de alto nível. Da América Latina, além do Brasil, temos Bolívia, Venezuela e Cuba. Uma lista de países “parceiros”, uma espécie de segundo nível de aliança (sem poder de veto) sairá da conferência, ressalvando que o Brasil insiste em não fazer um espelho do G-77 (a continuidade moderna do Grupo dos Não Alinhados). Existe uma real possibilidade de que Estados com maioria islâmica e pleno dinamismo econômico (como Malásia e Indonésia), façam a adesão da “parceria”. Mesmo que saia uma lista “definitiva” os ajustes se dão nos projetos de investimento comum, conforme viemos ressaltando em seguidos textos e análises.

O “risco do bloco se tornar um bastião anti-ocidental” se trata da propaganda sistemática dos conglomerados de mídia pautados pelo Departamento de Estado. Mesmo assim, se encontram vestígios de razoabilidade em alguns difusores do norte hegemônico. Segundo a análise da Fundação Friedrich Naumann (em tese um think ank em defesa da democracia liberal ocidental), a proposta de países sancionados é ampliar uma arquitetura financeira fora do padrão do dólar. Vejamos:

“O trabalho centra-se agora principalmente na criação de sistemas de pagamento e liquidação (BRICS Pay) para a utilização de moedas nacionais. Para tanto, foi formado um Consórcio BRICS Pay para desenvolver soluções para clientes privados/varejo (BRICS Pay QR), clientes empresariais (BRICS Pay B2B) e BRICS Clear (sistema de liquidação digital intergovernamental para transações transfronteiriças de títulos com base na tecnologia blockchain ). A Rússia e o Irã, novo membro dos BRICS, ambos sujeitos a sanções rigorosas por parte do Ocidente, têm um forte interesse em sistemas alternativos de pagamento e liquidação que não sejam controlados pelo Ocidente.

Em contraste, os outros membros do BRICS, que têm relações comerciais activas com o Ocidente, só estão interessados num certo grau de desdolarização e na introdução da liquidação com moedas nacionais e digitais até certo ponto e apenas na medida em que isso ofereça proteção contra sanções e sanções secundárias e pode facilitar a atração de investimentos adicionais. Portanto, devido aos diferentes pontos de partida e interesses, bem como aos desafios técnicos, é de esperar também aqui um longo processo de coordenação e implementação.”

É PRECISO AMPLIAR UM SISTEMA FORA DO DÓLAR NA AMÉRICA LATINA

Ainda que longe da plena realização, a existência de fluxos comerciais e investimentos comuns fora do eixo do dólar não são algo inatingível. Países sancionados como Irã e Rússia se aproximam “naturalmente” de Cuba e também da Venezuela e Nicarágua. Por outro caminho, Brasil e Bolívia podem avançar em projetos produtivos dentro do modelo do NDB, e com condições de garantias e scuritização mais fortes.

Qualquer iniciativa neste âmbito fortalece a economia dos BRICS para além da venda de commodities para a China. E, mesmo com toda a gritaria e chiadeira da mídia pró “ocidente” no país, o avanço deste circuito é sim um reforço multipolar e diminui a presença da hegemonia imperialista nas economias latino-americanas.

Bruno Beaklini (Bruno Lima Rocha Beaklini), militante socialista libertário de origem árabe-brasileira, cientista político e professor de relações internacionais e jornalismo. Escreve semanalmente para o MEMO e tem seus textos publicados regularmente em portais como IHU, GGN, Repórter Popular, Semana On, El Coyote, Blog de Canhota, Brasil de Fato, Fórum, Outras Palavras, Brasil Debate e artigos especiais na Carta Maior. Tem presença frequente em rádios latino-americanas e de língua espanhola, além de participação em entrevistas para Hispan TV, Press TV, RT e Radio Sputnik. Editor dos canais do portal Estratégia & Análise.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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2 Comentários

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  1. Muito bla bla bla para dizer o óbvio ululante. É incrível a falta de objetividade, não sei se por incapacidade intelectual ou encheção de linguiça para “engordar” currículo.

  2. Brasil e Argentina devem sair da discussão baixa de Pelé X Maradona e colocarem em Fabricação e Produção “Bombas Nucleares”. Isso realizado, seremos PODER no mundo. Nova moeda é legal sim, mas para os ricos! É hora do POVÃO!!! Ogivas Já!!!
    Caso contrário continuaremos otários adestrados com direito a gritinhos de lulumilei…

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