
A Metamorfose
por Fernando Castilho
Em 7 de setembro de 2021, Bolsonaro fez um discurso tão inflamado que parecia ter engolido um raio. Não poupou xingamentos ao ministro do STF, Alexandre de Moraes, chamando-o de canalha e jurando que não respeitaria mais nenhuma decisão do tribunal. A turba, em êxtase, gritava “Mito!” como se estivessem em uma reunião de fãs de um astro do rock, e não em uma falcatrua política. Porém, no dia seguinte, seus fiéis seguidores, como sempre, engoliram a cartinha humilhante do capitão pedindo desculpas ao ministro, sem nem dar uma reclamação.
Há dois anos, os seguidores do capitão estavam com planos para destruir a democracia, como se fosse um projeto de vida. E agora, vejam só, ele está aí, defendendo a democracia como se fosse um paladino da liberdade.
Há um ano, os bolsonaristas queriam censura, aquele gostinho amargo da ditadura. Mas agora, quem diria, a liberdade de expressão virou “absoluta”. Eles até compraram a ideia, de um dia para o outro.
Meses atrás, os bolsonaristas estavam com a garganta entalada de tanto gritar que direitos humanos eram para “humanos direitos” – mas, claro, isso era só para quem fosse alinhado com o regime. Agora, olha que reviravolta: pedem direitos humanos para golpistas! Será que acharam que o conceito de “direitos” era tão elástico quanto suas crenças?
Sempre chamaram Lula de “ladrão” sem provas, como se o gritar fosse uma prova legítima de qualquer coisa. E agora, com a cara de pau que só os verdadeiros heróis da moralidade sabem ter, aceitam de boa que seu querido Jair tenha admitido que roubou e vendeu as joias sauditas. Ah, a coerência…
Eles sempre exaltaram o torturador Ustra, e Bolsonaro não economizou elogios, até se mostrando a favor da tortura. Agora, claro, a mudança de discurso: denunciam a “tortura” que Mauro Cid teria sofrido nas mãos de Alexandre de Moraes. O que dizer sobre isso? Ironia? Ou apenas uma comédia trágica?

Bolsonaristas sempre defenderam a ditadura, aquela “coisa” boa e velha. Mas, na semana passada, Carluxo – com cara de quem tinha saído de uma novela – denunciou que estamos vivendo numa ditadura. Agora, a oposição à ditadura virou um grito coletivo. Como se já não tivesse dado para perceber a incoerência.
E o melhor de todos: os bolsonaristas que antes acusaram os golpistas do 8 de janeiro de serem petistas infiltrados, agora pedem anistia para eles. Não falta mais nada, né? Bem-vindos ao circo, onde tudo é possível!
A luta contra a corrupção sempre foi um mantra. E Bolsonaro? Ah, ele nunca teve nada a ver com corrupção. Mas, agora, eles não se importam nem um pouco com a revogação da Lei da Ficha Limpa, proposta pelo “mito” para se salvar de suas próprias falcatruas. Que beleza de moral, não?
E o patriotismo? Antes, era só peito estufado e palavras de ordem. Agora, estão tão ansiosos para que Donald Trump imponha sanções ao Brasil, que nem disfarçam mais. Inclusive, o senador Marcos do Val, em uma live com a sinceridade de quem pediu a conta, exigiu até que os EUA invadissem o Brasil. Um patriota, sem dúvidas.
Por fim, ao contrário de Gregor Samsa, o personagem de A Metamorfose de Franz Kafka, que se transformou em barata, os bolsonaristas não tiveram esse trabalho todo. Afinal, as baratas sempre foram sua própria essência.
Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.
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Rapaz, vou ter que ler essa “Metamorfose”, já que não se pode pisar nessas baratas bolsonarentas, que são muitas, pesteiam as nossas casas, sobem nas nossas pernas e pulam nos nossos cabelos.
Obrigado por ler e comentar.
Então, Fernando, fui ler a “Metamorfose” e acabei ficando com dó da barata. Vejamos que o sujeito, por obrigação e idealismo, submeteu-se cegamente ao sistema servindo de escravo à sua família parasita. Quando de repente viu-se incapaz de perceber uma saída; quando o sistema o sufocou ao ponto de ele não ter direito a um descanso sequer do pensamento que o mantinha em obrigação permanente, ele acordou sentindo-se uma barata. Barata inútil, suja, assustadora e incômoda para a família, que podia muito bem viver sem ele. É desanimador quando uma pessoa se sacrifica pela família e ao final ela só é vista como uma utilidade e, pior que isso, quando perde a utilidade e deve ser fatalmente destruída.
Por fim, acho pouco provável que os bolsonarentos sejam assim tão virtuosos.
Não tenho dó das baratas porque são sujas oportunistas e parasitas, mas fiquei com dó da personagem de Metamorfose porque embora sendo humana era vista como parasita, eis que já não servia nem ao sistema nem à família.
Excelente comentário. Obrigado.
Fernando, me permita.
Acho é que a gente que não foi capaz de entender que eles são mais kafkanianos que ousamos pensar.
Não há uma metamorfose que transfigura o homem na barata que ele, de certo modo, sempre foi.
A liberdade de expressão absoluta nada mais é que o totalitarismo da expressão, que é, no fim, a censura em si.
Você tem razão!
Por isso não sabemos como atacar, porque, de algum modo, queremos achar algo de humano neles, não apenas por caridade humanista, mas pelo fato de que queremos negar a barata que somos, quando não enxergamos que não há humanidade na direita.
A direita é anti humana porque defende um sistema que reduz o homem a um objeto, ou, inseto.
E quando duvidamos disso, não nos tornamos mais humanos, como os humanistas pregam, mas um tipo ainda pior de barata.
A ideologia da tolerância com a direita é o DDT das baratas da esquerda humanista.
Verdade. Não havia pensado nisso. Obrigado por comentar.