
Áurea Eliza Pereira foi morta pelo militar de codinome Robson. História é contada em novo livro
do Congresso em Foco
Apaixonado, militar beijou guerrilheira do Araguaia antes de fuzilá-la
Por Amanda Audi
Mesmo sendo o foco de pesquisas, livros e documentários nos últimos anos, a guerrilha do Araguaia permanecia como um dos episódios mais obscuros (e sangrentos) da ditadura militar. Um dos casos, até então inédito, chama a atenção. Um militar encarregado de fuzilar uma guerrilheira se apaixonou por ela. Eles se beijaram pouco antes da execução. Mas isso não o impediu de cumprir a tarefa (leia abaixo).
“Ela ficou me olhando nos olhos, chorando. Eu não aguentei e chorei muito. Caí em prantos. Ela chorava, mas ficou firme, de pé, aguardando sua hora. Tirei a arma e apontei pra cabeça”, relatou o militar Robson, um dos entrevistados do livro “Borboletas e Lobisomens – Vidas, Sonhos e Mortes dos Guerrilheiros do Araguaia”.
Circunstâncias desconhecidas do conflito, como este caso, foram elucidadas pelo jornalista, historiador e professor Hugo Studart no livro lançado nesta terça-feira (17), em Brasília.
O jornalista se debruçou sobre o assunto por quase 10 anos, vasculhando mais de 15 mil documentos, cruzando dados oficiais e testemunhais e conversando com mais de 150 pessoas.
Durante a ditadura, um grupo de militantes do PC do B se embrenhou na floresta amazônica, entre o Pará e o Tocantins, e começou um foco de guerrilha contra o governo militar. A intenção era criar um território independente. Mais de 4 mil homens das Forças Armadas foram mobilizados para exterminar os cerca de 100 integrantes do movimento.
Áurea e Robson
Um militar, de codinome Robson, foi destacado para fuzilar a guerrilheira Áurea Eliza Pereira, de codinome Áurea. Ela havia sido capturada por homens do Exército, e estava magra e doente. Depois de três dias de interrogatório, ele acabou se apaixonando pela militante. Robson não teve o sobrenome divulgado no livro.
Quando recebeu a ordem de fuzilar Áurea, Robson titubeou. A chamou para “tomar uma cerveja e dançar a noite inteira”. Naquela momento, a guerrilheira já estava dentro de um buraco, onde ocorreria a execução. Ela chorou e pediu para que ele não lhe desse esperanças.
Robson baixou a escada para Áurea sair do buraco. Os dois se beijaram e se abraçaram, chorando. Então o militar sussurrou no ouvido dela: “agora você vai ter que descer”. Ela desceu.
Os dois se olharam nos olhos durante todo o tempo. E então ele a alvejou.
“Quando um homem sabe que é sua última refeição, ou o último beijo, ele fica comovido e aproveita. Mas quando é o último beijo de uma mulher, ela se entrega inteira. Nunca conheci uma mulher com tanto amor quanto a Áurea”, relatou o militar em depoimento ao livro. Ele diz que se apaixonou por ela e “quer acreditar” que ela se apaixonou por ele.
…
Leia o trecho do livro “Borboletas e Lobisomens – Vidas, Sonhos e Mortes dos Guerrilheiros do Araguaia”, de Hugo Studart:
O beijo da morte
Ainda havia um pouco mais de uma dúzia de guerrilheiros vivos. De acordo com a pesquisa, seriam eles quatorze sobreviventes, em ordem alfabética: Áurea (Áurea Eliza Pereira); Beto (Lúcio Petit da Silva); Chica (Suely Yumiko Kanayama); Daniel (Daniel Ribeiro Callado); Dina (Dinalva Conceição Teixeira); Lia (Telma Regina Cordeiro Corrêa); Lourival (Elmo Corrêa); Manoel (José Maurílio Patrício); Maria Diná (Dinaelza Santana Coqueiro); Peri (Pedro Alexandrino de Oliveira Filho); Tuca (Luiza Augusta Garlippe); Valdir (Uirassu Assis Batista); Val (Walquíria Afonso Costa) e Vítor (José Toledo de Oliveira).
Foram caçados implacavelmente por cerca de 250 homens do Exército,guiados por cerca de sessenta camponeses recrutados na área. Um a um, foram sendo abatidos. Ou presos, interrogados e executados. Áurea foi presa em fins de março, ao lado de um camponês chamado Batista, que aderira à guerrilha. Foram ambos capturados pelo camponês Adalberto Virgulino – em troca de oitocentos cruzeiros e de um maço de cigarros, de acordo com Elio Gaspari, em A ditadura escancarada. Batista foi enviado para Xambioá. Áurea, por sua vez, foi levada para Marabá, em local conhecido por Casa Azul, à beira do rio Itacaúnas, onde os comandantes militares instalaram-se para coordenar toda a repressão à guerrilha. Áurea carregava um bebê, uma menina de três meses. Também estava magra, extremamente debilitada, com malária, a pele tomada por pústulas de leishmaniose, há muitos meses sem menstruar.
Um sargento da equipe de operações especiais Jiboia, codinome Robson, foi encarregado de interrogá-la e, depois, executá-la. Era louro, olhos azuis, barba e cabelos longos, como os de roqueiro. Era assim que andavam os militares da área de informações: disfarçados de universitários rebeldes. Ele já havia executado alguns guerrilheiros; Áurea seria mais uma.
Ela permaneceria entre seis e sete dias na Casa Azul. Foram três dias de interrogatório. Somente conversas amenas, garante o militar em narrativa à pesquisa. “Não havia qualquer necessidade do uso da violência”, explica.
Ele relata que tentou reanimá-la, usando uma técnica de interrogatório que busca estabelecer a empatia com a prisioneira. Ele contou sua própria história pessoal. E seus conhecimentos sobre as organizações de esquerda. Ela contou sua história. No movimento estudantil e sua história no Araguaia. Também relatou alguns episódios específicos da guerrilha. Sobre onde estavam escondidos os camaradas, àquela altura, não havia quase nada a relatar. Já estavam quase todos mortos, e aqueles ainda vivos, perdidos na mata, dispersos uns dos outros, certamente pulando de choupana em choupana em busca de comida, tentando encontrar alguma rota de fuga. Em nenhum momento renegou suas opções ideológicas. Disse ainda que sentia muito ódio de ter sido renegada pelos próprios companheiros – referindo-se ao fato de não ter sido uma das eleitas de Osvaldão.
Então veio a ordem de executar a prisioneira. Havia um buraco, de 3x3m, com 2,5 m de profundidade, dentro de uma das construções daquela instalação militar. Áurea foi levada para lá em um final de tarde. Desceu a escada de cordas para dentro da cova. Robson tergiversou, pensou em adiar a execução.
“Áurea, você quer tomar cerveja comigo e depois dançar a noite inteira em um desses botecos à beira do Itacaúnas?” – indagou.
Só então a guerrilheira chorou:
“Não me dê falsas esperanças, porque depois você não vai poder cumprir” – teria dito a guerrilheira, de acordo com as lembranças do militar.
Ainda assim ele insistiu. Baixou a escada e ela subiu, bem devagar.
Então ele perguntou:
“Você quer me dar um beijo?”
“Você faria isso por mim?” – teria respondido a guerrilheira.
Eles então se abraçaram, de acordo com o militar. Um abraço apertado, forte, longo. Ele, aos 25 anos, então lhe beijou a boca. Ela, aos 24, teria correspondido. E assim teriam ficado por muito tempo, se abraçando e se beijando, adiando ao máximo a chegada da hora da morte.
“Quando um homem sabe que é sua última refeição, ou o último beijo, ele fica comovido e aproveita. Mas quando é o último beijo de uma mulher, ela se entrega inteira. Nunca conheci uma mulher com tanto amor quanto a Áurea” – relata o militar.
Em determinado momento, o militar se afastou um pouco e disse à guerrilheira, ao pé do ouvido, algo como “agora você vai ter que descer”.
Ela então desceu a escada, resignada, bem devagar. Eis o relato do executor:
Ela ficou me olhando nos olhos, chorando. Eu não aguentei e chorei muito. Caí em prantos. Ela chorava, mas ficou firme, de pé, aguardando sua hora.
Tirei a arma e apontei pra cabeça. A gente se olhava o tempo inteiro nos olhos e chorava. Hoje tenho certeza de que me apaixonei por ela e quero acreditar que ela se apaixonou por mim. Minha vontade era fugir com a Áurea, sumir no mundo. Mas estávamos em lados opostos, ela sabia disso.
O militar chorava muito ao narrar este episódio. Num dado momento, me apontou o dedo indicador e disse: “Quando escrever sobre ela, trate-a com todo respeito, pois ela morreu com dignidade e coragem. Foi a mulher mais doce que conheci na vida.”
Áurea foi retirada do buraco por outra equipe e enterrada no novo cemitério de Marabá, cerca de 1 quilômetro distante da Casa Azul.
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Um canalha e assassino, nada
Um canalha e assassino, nada mais.
Mal
É a banalidade do mal.
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Nem crise de consciência dá para engolir.
O torturador quis glamourizar a crueldade.
Isto não é hollywwod, isto não é folhetim.
O mal burocratico
Em seu livro A Dor Marguerite Duras conta que com a deportação de seu marido, que fazia parte da resistência, ela se aproximou de um policial nazista alemão o qual ela nomeia Pierre Rabier e como ele, apesar de saber que ela também era resistente, a poupou por sua admiração pela escritora e por querer ter uma ligação amorosa com ela. Duras dira em seu livro que Rabier não passava de um imbecil, que acreditava na força alemã e fiel aos nazistas. Recentemente essa historia foi adaptada ao cinema.
Só uma pequena correção:
Rabier era um policial colaboracionista FRANÇÊS. A Gestapo que fez uma visita matutina ao meu avó em julho 1944, era FRANCESA.
Lionel
Em seu livro, Duras deixa entender que “Rabier”, nome ficticio, seria franco-alemão… Alias, Rabier era um nome usurpado por essa pessoa. E sim houve as milicias e os colaboracionistas na policia e governo nazista.
Ficha descritiva: ÁUREA ELIZA PEREIRA VALADÃO
http://cemdp.sdh.gov.br/modules/desaparecidos/acervo/ficha/cid/10
ACERVO – MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS
Ficha descritiva: ÁUREA ELIZA PEREIRA VALADÃOPesquisarImprimir
Nome:ÁUREA ELIZA PEREIRA VALADÃO
Pai:José Pereira
Mãe:Odila Mendes Pereira
Idade quando desaparecido:24 anos
IdentificaçãoSituação do Procedimento AdministrativoDôssie
069/96Procedimento administrativo CEMDP
00005.201774/2016-81Nome
ÁUREA ELIZA PEREIRA VALADÃOData de Nascimento
06/04/1950Municipio de Nascimento
Monte Belo (MG)Codinome(s)
ElizaStatus
DesaparecidoBiografia
Áurea passou a infância com sua família na Fazenda da Lagoa, município de Monte Belo, no sul de Minas Gerais, onde seu pai era administrador. Entre os 6 e os 14 anos, estudou no Colégio Nossa Senhora das Graças, em Areado, concluindo ali o curso ginasial. Mudou-se em 1964 para o Rio de Janeiro e foi cursar o segundo grau no Colégio Brasileiro, em São Cristóvão. Aos 17 anos, prestou vestibular para o Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde pretendia se especializar em Física Nuclear.
Na Universidade, participou do Movimento Estudantil no período de 1967 a 1970, tendo sido membro do Diretório Acadêmico de sua escola, juntamente com Antônio de Pádua Costa e Arildo Valadão, ambos também desaparecidos no Araguaia. Áurea casou-se com Arildo Valadão no dia 06/02/1970, no Rio de Janeiro e, no dia seguinte, realizou a cerimônia religiosa na Basílica de Aparecida do Norte, em São Paulo. No segundo semestre de 1970, mudou-se junto com Arildo e Antônio de Pádua para o Araguaia, sendo os três militantes do PCdoB, indo viver na região de Caianos. Ali trabalhou como professora e ingressou no Destacamento C, comandado por Paulo Mendes Rodrigues.
No início de 1974, já viúva de Arildo, foi vista no 23° Batalhão de Infantaria da Selva, pelo preso Amaro Lins, ex-militante do PCdoB, que prestou depoimento sobre isso no 4° Cartório de Notas de Belém (PA). Amaro relata também que ouviu um policial dizer a Áurea que arrumasse suas coisas, pois iria “viajar”. Viajar era o termo utilizado por policiais para designar execução.
No relatório do Ministério da Marinha consta como, “morta em 13/06/74”. O Relatório do Exército não fala na morte, mas informa que “Durante a guerrilha do Araguaia, chefiou um grupo de terroristas armados de revólveres cal.38 e espingardas cal.20 que participou, em 4 AGO 73, de uma festa na Fazenda Sapiência”. Segundo depoimento de uma moradora de Xambioá, que não quis se identificar, Áurea teria sido vista sem vida na delegacia da cidade e seu corpo estaria enterrado no cemitério local.
Em Operação Araguaia, os jornalistas Taís Morais e Eumano Silva descrevem: “Querida por todos, trabalhou como professora no povoado de Boa Vista e esbanjava simpatia. Dois mateiros a prenderam no início de 1974 e a entregaram à repressão. Amarrada, muito magra, faminta e doente, vestia apenas um pedaço de sutiã. As roupas rasgaram em meses seguidos de fuga pela mata úmida e cheia de espinhos. Foi encontrada junto com Batista, morador da região recrutado pela guerrilha, também debilitado pelas dificuldades de sobrevivência na mata. Áurea foi vista viva, depois de presa, na base de Xambioá”.
Elio Gaspari, descrevendo o mecanismo de recompensas em dinheiro para quem matasse guerrilheiros, apresenta em A Ditadura Escancarada mais uma importante informação: “Adalberto Virgulino, que capturou a guerrilheira Áurea (Áurea Eliza Valadão), recebeu oitocentos cruzeiros e um maço de cigarros”.
Em 18 e 19 de março de 2004, o jornalista Adriano Gaieski, da Agência Brasil, produziu matéria sobre novos depoimentos tomados de moradores da região pelo Ministério Público Federal, com as seguintes informações: “A terceira testemunha, cujo nome o Ministério Público Federal manteve em sigilo, foi identificada apenas como Ferreira. (…) ele confirmou os maus tratos sofridos pelos soldados, a violência e as execuções sumárias sofridas pelos guerrilheiros. O ex-militar contou ao procurador Adrian Pereira Ziemba ter visto a chegada, na base militar, de Áurea Eliza Pereira Valadão, 24 anos.(…) Conforme Ferreira, Áurea foi torturada durante todo um dia e uma noite. No dia seguinte, os militares a colocaram num helicóptero e ela nunca mais foi vista”.
O relatório já mencionado, produzido em 28/01/2002 por quatro procuradores do Ministério Público Federal que visitaram a região, reforça a mesma informação: “Áurea: Áurea Elisa Pereira Valadão, presa, junto com Batista, na casa de uma moradora da região, onde iam comer diariamente. Teria sido levada para a base de Xambioá, onde foi vista”1.
Local de morte/desaparecimento
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Data do Recolhimento da documentação física para o Arquivo Nacional
06/08/2009Notação Arquivo Nacional
ACE 54730/86Referências
Biografia
1 Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à Memória e à Verdade: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – Brasília : Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. p. 225, 226.
Circustância de morte/desaparecimento
2 MORAIS, Taís; SILVA, Eumano. Operação Araguaia – os arquivos secretos da guerrilha. São Paulo: Geração Editorial, 2006. p.566.
3 MORAIS, Taís; SILVA, Eumano. Operação Araguaia – os arquivos secretos da guerrilha. São Paulo: Geração Editorial, 2006. p.510.
4 Depoimento ao MPF, testemunha mantida sob sigilo identificado apenas como “Ferreira” – 18 de Março de 2004 e 28 de janeiro de 2002.
5 MIRANDA, Nilmário; TIBÚRCIO, Carlos. Dos filhos deste solo. Mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado. 2ª Ed. Revista e Ampliada. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2008. p. 195.
6 Relatório da Marinha.
Não acredito nessa história.
Não acredito nessa história. Matou, é assassino, e ponto final. Já que não teve justiça nesta vida, fica para o pós.