As Big Techs e a paradoxal ascensão dos outsiders que são insiders
por Fábio de Oliveira Ribeiro
Jair Bolsonaro, Pablo Marçal e Javier Milei aprenderam a explorar de maneira eficiente os algoritmos que são projetados para maximizar os lucros das Big Tchs impulsionar conteúdos que geram maior engajamento emocional dos usuários de redes sociais. Eles e outros da mesma estirpe tem sido constantemente descritos como outsiders, ou seja, como líderes políticos que não pertencem a nenhum grupo político estabelecido e que desafiam os consensos estabelecidos.
Essa explicação me parece muito superficial. Mas para compreender isso farei uma pequena digressão histórica.
Tiradentes não teria sido preso, condenado, enforcado e esquartejado se fosse um insider do regime colonial. Ele pretendia proclamar a república no coração do Brasil para depois, se fosse possível, expandi-la para todo território nacional. Getúlio Vargas não teria destroçado a República Velha se não fosse um outsider republicano. A revolução de trinta enterrou a República Velha baseada no poder agrário dando origem a um país urbano e industrializado. O mesmo pode ser dito de Lula, preso durante a ditadura militar porque não era insider sindical como os sindicalistas pelegos que toleravam qualquer coisa feita pelo Delfin Neto. As greves comandadas por ele no ABC apressaram o fim de uma Ditadura Militar cujo milagre econômico foi interrompido pela crise do petróleo.
O problema não é realmente a existência de outsiders. Eles são essenciais e cumprem uma função política e histórica inegável. Sempre que um sistema político/econômico/institucional apodrece o sofrimento da população não poderia ser aliviado sem renovação. E esta renovação somente pode ocorrer quando alguém mete o pé na porta, invade a arena pública e destrói o sistema podre que passado estava resistindo às necessidades novas impostas por mudanças históricas irresistíveis.
Insiders como Silvério dos Reis (dedo-duro que entregou Tiradentes), Washington Luís (político paulista deposto por Getúlio Vargas) e Murilo Macedo (Ministro do Trabalho quando Lula foi preso) são personagens incapazes de fazer história. O que eles fizeram foi tentar retardar mudanças históricas que ocorreriam de uma maneira ou de outra.
Dito isso, precisamos agora analisar os casos de Bolsonaro, Marçal e Milei. Eles podem eventualmente tentar projetar a imagem de outsiders, mas na verdade são insiders: líderes comprometidos com um mundo que foi criado, estruturado e se tornou totalmente dependente dos algoritmos das redes sociais. Eles não querem mudar essa realidade, mas tirar proveiro dela para chegar ao poder e amealhar a maior quantidade de riqueza pessoal no menor espaço de tempo possível.
Nenhum deles, aliás, propõe realmente qualquer ruptura com o neoliberalismo. Muito pelo contrário, eles são e querem ser vistos como agentes do mercado e estão dispostos a utilizar quais meios (inclusive e principalmente a difusão de Fake News, campanhas de ódio, etc… para enganar pessoas economicamente vulneráveis) para conquistar cargos eletivos impostantes para satisfazer os interesses das classes privilegiadas. Bolsonaro, Marçal e Milei foram criados pelo Technofeudalismo e são insiders totalmente devotados a esse sistema de poder privado que se tornou hegemônico.
Um verdadeiro outsider nesse momento seria um hacker que demolisse os lucros como de costume das plataformas de internet transformando em poeira toda essa realidade alternativa criada por algoritmos que mobilizam corações e mentes para tentar invadir a arena pública e dominar a política. Nesse sentido, guardadas as devidas proporções, podemos dizer que Walter Delgatti Neto é um autêntico outsider. Ao expor as entranhas nauseabundas das comunicações sigilosas entre os procuradores federais liderados por Deltan Dellagnol e entre este e Sérgio Moro, Delgatti provocou uma ruptura que desestruturou e demoliu o poder jurídico/midiático construído pela Lava Jato.
O famoso hacker de Araraquara não tirou proveito de sua ação. Ao contrário. Em agosto de 2021, Delgatti foi condenado a 20 anos de prisão e vai apodrecer na prisão. Apoiados por uma parcela da imprensa, com acesso a vastos recursos econômicos e dispondo de capital político diariamente atualizado e confirmado pelas redes sociais, Bolsonaro, Marçal e Milei não correm nesse momento qualquer risco real de serem condenados e enjaulados. Mesmo assim e apesar de serem insiders do Technofeudalismo os três e vários outros da mesma estirpe continuarão a fazer pose de outsiders. Portanto, convém começar a desfazer algumas mistificações.
Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.
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