Fernando Castilho
Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.

O crepúsculo da terra e os reis sem reino, por Fernando Castilho

A Amazônia está sendo devastada, e quem deveria proteger o meio ambiente relaxou criminosamente as leis, deixando passar a boiada

Reprodução: Internet

O crepúsculo da terra e os reis sem reino

por Fernando Castilho

Você sabe, desde o Animal Planet, que três instintos fundamentais sustentam a vida no reino animal: sobrevivência, alimentação e reprodução (perpetuação da espécie). Estes são os alicerces da existência, gravados em nossos genes ao longo de milhões de anos. Esses instintos, inatos e transmitidos de geração em geração, definem a maneira como todas as espécies enfrentam as adversidades do mundo. Para os humanos, porém, algo parece ter saído do eixo.

Esses pilares da vida deveriam nos guiar para proteger o futuro de nossos filhos e netos. Mas olhe ao redor: queimadas, secas implacáveis e um planeta cada vez mais inóspito. Se a luta pela sobrevivência, tão natural em outras espécies, ainda pulsa dentro de nós, por que estamos permitindo a destruição de nosso único lar?

Como chegamos ao ponto de negligenciar o futuro dos nossos filhos?

Durante a Guerra Fria, estivemos à beira do aniquilamento nuclear, mas um pingo de juízo evitou o desastre, não uma vez só.

Hoje, assistimos passivamente enquanto nosso planeta é destruído pelas mãos gananciosas de poucos. Governos, como o do Rio Grande do Sul, se omitem (observe que o prefeito de Porto Alegre, cidade que foi quase destruída totalmente pelas enchentes, é candidato à reeleição com boas chances de vencer) e líderes que deveriam zelar pela vida permitem que o inferno se aproxime. A Amazônia está sendo devastada, e quem deveria proteger o meio ambiente relaxou criminosamente as leis, deixando passar a boiada e colocando seus próprios descendentes em risco.

A verdade é brutal: a extinção humana está à espreita. O ar está irrespirável, as enchentes e os desastres são cada vez mais frequentes, e mesmo assim muitos de nós admiram aqueles que nos condenam a esse futuro sombrio. Como George Harrison profetizou em 1981, na canção Save the World: “Estamos à mercê de tão poucos, cujos corações malignos estão determinados a reduzir este planeta ao inferno.”

Muita gente está comparando a paisagem de São Paulo, através das janelas, como uma cena do filme Mad Max de 1985. Mas é apenas um filme de ficção que, quando lançado, servia apenas como diversão. Não deveria se tornar realidade.

Se continuarmos a agir com indiferença, o mundo que conhecemos será apenas uma lembrança desoladora. Não há outro planeta com condição de abrigar nossa vida à nossa espera. A Terra é tudo o que temos, e o tempo está se esgotando.

Os cientistas alertam que, dentro de algumas décadas, a vida na Terra se tornará insuportável. No Brasil, o prazo para que o meio ambiente se torne irreversivelmente hostil é estimado em apenas 50 anos. Mas eles estão errados: os sinais já estão em toda parte. Este processo já começou, e avança de maneira silenciosa e implacável.

O governo Lula, que herdou um cenário catastrófico, tinha como álibi os quatro anos de desmantelamento ambiental da administração anterior. No entanto, quase dois anos se passaram, e o que mudou? Nada. Se Lula e Marina Silva fossem inexperientes, essa inércia poderia ser desculpável. Mas estamos falando de uma ministra mundialmente respeitada por sua postura ambiental e de um presidente que se orgulha de seu histórico de combate às injustiças. Onde estão as ações que deveriam empreender?

Assim como todos os anos, São Paulo enfrenta enchentes, e os prefeitos culpam a “fúria imprevisível da natureza”, o governo Lula parece estar sendo surpreendido pelas queimadas, como se não fosse um ciclo que já se tornou previsível e destrutivo. Este ano, a destruição foi ainda pior, com ações deliberadas de sabotadores. Onde estava a prevenção? Onde está o combate eficaz? E as punições para os criminosos?

O governo deveria ter contratado mais equipes, reforçado o ICMBio, desmantelado pelo governo anterior, e realizado prisões em massa.

Além disso, falha muito na comunicação. Pelo menos três ministros deveriam falar à nação em rede nacional: Marina Silva tem a obrigação de explicar as medidas para conter os incêndios e prevenir o desastre no futuro; Nísia Trindade, da saúde, de orientar a população sobre os cuidados que se deve tomar com a fumaça e o ar seco; e Ricardo Lewandowski deveria prestar contas sobre as investigações e as prisões dos responsáveis.

Lula é o presidente desta nação. E tem obrigações morais e políticas de zelar pela perpetuação de nossa espécie, a dos brasileiros.

Falando agora sobre as mudanças climáticas a nível mundial, quando vamos acordar? Quando vamos lutar, como os animais irracionais que, guiados por seus instintos mais básicos, protegem suas crias a qualquer custo? Estamos à beira de um precipício. Se não agirmos agora, as próximas gerações talvez nem tenham mais forças para lutar diante da natureza que certamente se vingará. A isso se dá o nome de “colapso”.

Todos falam disso. Mas, a cada dia que passa, menos se faz para evitar que esse colapso, impulsionado loucamente pela busca do lucro imediato, se concretize.

Os homens de “coração maligno”, a quem George Harrison se referia, deveriam ter a consciência de que, salvaguardados em seus bunkers cheios de suprimentos, ao herdarem um planeta destruído à la Mad Max, não terão a quem vender seus produtos.

Serão apenas os últimos a perecer, prolongando por alguns instantes a agonia de um destino que já está selado. Trancados em seus refúgios blindados, observarão a destruição total de tudo o que um dia foi conhecido como vida. Não haverá mais riquezas a acumular, nem poder a exercer. Apenas o silêncio devastador de um mundo que não pode mais sustentar sua própria existência.

Serão os reis de um reino de cinzas, os soberanos de um deserto estéril, aguardando o fim determinado e implacável que virá.

Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.

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