Óbvio, por Wilson Ramos Filho (Xixo)

A lista de inutilidades argumentativas é infinita neste hospício pindorama em que a direita transformou o Brasil. Se você tiver que explicar eles não vão entender.

Óbvio

por Wilson Ramos Filho (Xixo)

Ando sem paciência para explicar aquilo que é evidente. Sou professor. Deveria ter mais tolerância. Mas admito que a estupidez, quando se manifesta epidemicamente, me tira do sério.

Faz algum sentido perder tempo demonstrando a desumanidade de submeter uma criança que pesa 30 quilos, ao dez anos, a uma gravidez decorrente de um estupro?

Se eu tiver que explicar você não vai entender.

Precisa argumentar que um juiz não pode, monocraticamente, afastar um governador eleito ou que não pode estabelecer censura judicial a matérias de jornalismo investigativo?

Devo perder meu tempo para demonstrar que o problema é de essência e não de intensidade quando somos confrontados com o estrago que a fé no sobrenatural está causando no país? Ou para reiterar que o mal não reside no neoliberalismo (excesso) e sim no capitalismo (essência)?

Vale de algo me esforçar para provar que a incompetência da intervenção militar no Ministério da Saúde é a principal causa de dezenas de milhares de mortes? Ou que armar a população aumenta a criminalidade? Ou que se algo é bom para seu patrão não pode ser bom para você? Ou que não é bom viver em uma sociedade com valores bolsonaros nas relações sociais? Ou que seria burrice imaginar alianças com uma parcela de nossos verdugos? Ou que a tortura e a morte de negros pobres são inadmissíveis? Ou que o costume de dar carteiraço, você sabe com quem está falando, constitui prática repulsiva?

A lista de inutilidades argumentativas é infinita neste hospício pindorama em que a direita transformou o Brasil. Se você tiver que explicar eles não vão entender.

Milhões de brasileiros e brasileiras desde 2013 se tornaram fascistas sem perceberem. E não há como convencer, ou chamar à razão, quem se tornou fascista. Eles formam um senso comum, que se retroalimenta constantemente nas redes sociais, gerando uma normalidade desprezível. O senso comum e a normalidade deles são antagônicos aos nossos valores humanos, à maneira de existir em sociedade que defendemos. Óbvio.

Trata-se de luta de classes. Ocupemo-nos com aqueles que ainda não viraram fascistas, com aqueles que não sucumbiram a inevitabilidades forjadas e fraudulentas, com aqueles que não renunciaram à capacidade de se indignar.

O mito encarnado no repugnante jaguara é menos danoso que o apego às mitologias inventadas para induzir ao diálogo improvável com nossos algozes e à construção da submissão acrítica a realidades esfumadas para ocultar a iniquidade.

Ando sem paciência, confesso, para explicar o óbvio para quem não quer ou não consegue entender.

Wilson Ramos Filho (Xixo), doutor em direito, presidente do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora.

Redação

2 Comentários

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  1. “Devo perder meu tempo para (…) reiterar que o mal não reside no neoliberalismo (excesso) e sim no capitalismo (essência)?
    (…)
    Ando sem paciência, confesso, para explicar o óbvio para quem não quer ou não consegue entender.”

    Junto-me não à falta de paciência mas à urgência de perguntarmos aos fundamentos e não às derivações, quantidades, complicações cujos objetivos são meramente retóricos. Ou isso ou o silêncio cúmplice quando não hipócrita, inclusive o das vítimas. Mas sempre é tempo de respeitar-se. E afinal ninguém deve nada a ninguém exceto a si mesmo.

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