Onde ponho meu guarda-sol?
por Heraldo Campos
Outro dia fiquei chocado. Andando na calçada ao lado da ciclovia, na popular praia do Perequê Açú, em Ubatuba, Litoral Norte do Estado de São Paulo, com uma faixa de areia com cerca de 2 quilômetros de extensão [1], vi um casal e filho cego, os três bem obesos, provavelmente frequentando pela primeira vez essa praia, procurando uma brecha, por volta das 9 horas da manhã, num pós 01/01/2025, para passar algumas horas.
Não vi o desfecho da cena, da procura do casal para colocar seu guarda-sol, porque há tempos, nas temporadas de verão e períodos de férias, logo no início da manhã a praia praticamente já está ocupada pelas cadeiras, mesas e guarda-sóis dos quiosques locais, deixando muito pouco espaço para um turista de ocasião. Por esse motivo, uma primeira pergunta é: se um turista chegar antes das 7 horas da manhã, para passar algumas horas na praia e fincar seu guarda-sol familiar, antes da inundação de cadeiras e mesas dos quiosques, será solicitado para sair dessa parte da praia pública?
Outra pergunta que pode ser feita é: esse processo expansionista, cruel, com esse tipo de ocupação da faixa de areia, pelo comércio local, tem alguma conexão com a possível onda de privatização das praias [2], sempre muito falada, em uma área da orla do Litoral Norte, entre as cidades de Caraguatauba e Ubatuba, que distam 50 km uma da outra, e que chamá-la de Avenida Caraguatuba-Ubatuba, não seria totalmente incorreto [3]? Inclusive, corre a notícia da duplicação da Rio-Santos nesse cobiçado corredor.
Nesse cenário apresentado, está mais do que na cara, que existe um conflito, onde espaços públicos deveriam estar livres para um cidadão comum colocar o seu guarda-sol e poder desfrutar de alguns momentos de lazer. “Arrisquei muita braçada / Na esperança de outro mar / Hoje sou carta marcada / Hoje sou jogo de azar” (trecho da música “Ana de Amsterdan” de Chico Buarque de Holanda).
Fontes
[1] “A praia sem coronavírus”
https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2020/04/a-praia-semcoronavirus-cronica-de.html?q=Ubatuba
[2] “Privatizar praias é pedra cantada”
https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2024/05/privatizar-praias-e-pedra-cantada.html
[3] “Avenida Caraguatatuba-Ubatuba”
https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2024/06/avenida-caraguatatuba-ubatuba.html
Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).
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Já passei por uma situação parecida em Trindade, entre Ubatuba e Paraty, mas incrivelmente já em meados de março, fora da alta temporada; pelo visto a região toda está tomada por vendedores que se tornaram verdadeiros “flanelinhas” das praias, loteando tudo durante o ano todo.
No meu caso, foi até mais absurdo: primeiro que uma quantidade enorme de guarda-sóis, mesas e cadeiras ocupavam toda a faixa de areia mais alta, junto às árvores e com alguma sombra, mesmo sem qualquer demanda para tal. OK, fui com minha família para a parte mais baixa, no sol e junto ao quebra-mar, já que não queríamos consumir nada e muito menos pagar aluguel por cadeiras e guarda-sol.
Mas eis que vem a suposta dona de um quiosque nos abordar e pergunta se queríamos consumir algo. Dissemos que não, e então o inacreditável acontece: ela diz que tínhamos que sair dali, pois estávamos “atrapalhando a vista para o mar dos clientes dela” (!!). Uma forma sutil de dizer: vazem, essa área é minha!
Estava ali para espairecer, alguns dias antes meu pai havia falecido e estava tentando superar o luto, buscar forças para me reerguer. De fato saímos de lá, minha família não quis ficar e ignorar a energúmena, mas na saída tive um tal acesso de fúria, que empurrei, chutei e derrubei uma meia dúzia de mesas dela, que gritou de longe que ia chamar a polícia (!). Ignorando o risco, berrei de volta que chamasse, sim, que iríamos todos para a delegacia, inclusive os clientes ao redor, mas que ia dar ruim pra todo mundo.
Ficou por isso mesmo, não perdi meu tempo em procurar por conta própria a delegacia; essa última “ameaça” dela me fez pensar que deve haver um esquema corrupto das polícias de lá para cobrar propina e fazer vistas grossas com esse estado de coisas, de privatização das praias por quiosqueiros, se estes não forem eles próprios funcionários de milícias que exploram a área.
Fica a dica: evitem essa região, tão bela mas tão largada, se não quiserem estragar suas férias.