‘Divertida Mente 2’ ou por que o coaching está em alta no mercado da felicidade
por Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em 2015, o argumento de Divertida Mente surgiu de uma conversa entre um animador e roteirista da Pixar com um professor de Psicologia da Universidade da Califórnia. Conversavam sobre seus filhos: como quando crescem há uma queda vertiginosa da felicidade e o aumento do medo e da ansiedade. “Divertida Mente 2” (Inside Out 2, 2024) vai além, transformando em animação o modelo cognitivo da inteligência emocional dominante. A animação Pixar reflete um novo tipo de conformismo: não o de seguir a regra certa, mas o do conformismo ansioso por tentar se adaptar ao meio social através de mapas emocionais ambíguos, esotéricos, enigmáticos. Assistir às emoções lutando pelo console da mente da protagonista ajuda a compreendermos por que o coaching motivacional está em alta no mercado da felicidade.
Em 2015 este Cinegnose relatava os bastidores do processo criativo da animação Pixar Divertida Mente. Amigos de longa data, o professor de Psicologia da Universidade da Califórnia Dacher Keltner e o roteirista e animador da Pixar Pete Docter conversavam sobre os misteriosos caminhos das emoções de seus filhos, de como mudam drasticamente da infância até chegarem na adolescência – há uma queda vertiginosa da felicidade e o aumento do medo e da ansiedade.
“É como se o mundo estivesse desabando sobre eles”, recordava Keltner sobre a sua conversa com Docter. Dessa conversa entre amigos surgiu a ideia para o argumento da animação em 2015. Dacher Keltner transformou-se em consultor técnico da animação onde é narrado como as emoções da Alegria, Tristeza, Nojo, Raiva e Medo transformam-se em personagens coloridos que interagem dentro do cérebro de uma menina de 11 anos, criando situações inesperadas, engraçadas e trágicas.
A consultoria do professor de Psicologia da Universidade da Califórnia transformou Divertida Mente numa animação do modelo das ciências cognitivas e neurocientíficas – um modelo cibernético do funcionamento da mente cujo objetivo é o chamado “equilíbrio homeostático”: saber ler os “inputs” para poder dar “outputs” eficazes: dar a respostas emocionais corretas para se adaptar ao meio familiar, escolar, social etc.
Naquela animação, Raiva e Medo eram representadas como disfuncionais, enquanto a força do otimismo de Alegria, o cimento emocional que daria liga a tudo – a adaptação bem-sucedida ao meio.
O curioso é que esse modelo norte-americano aplicou na prática, como agenda ou engenharia social, inspira-se num insight crítico de Freud que salta do seu texto “Psicologia de Massas e Análise do Ego” de 1921: mais do que a morte, o que o homem mais teme é a solidão. Era uma resposta de Freud a antigos psicólogos como Gustave Le Bon que consideravam que os indivíduos nas massas permaneceriam unidos pelo poder da hipnose do líder.
Para Freud, na verdade seria o temor da solidão, pior do que a morte, que faria o indivíduo procurar o amor nos outros que formam o grupo ou a massa: sentir-se pertencido, aceito. Ou simplesmente se adaptar, dando as respostas emocionais corretas para poder ser aceito
Divertida Mente 2 (Inside Out 2, 2024), a sequência da animação de 2015, torna ainda mais dramática essa adaptação emocional ao meio como forma de sobrevivência psíquica. Agora quando a protagonista Riley chega à adolescência e nova emoções mais “sofisticadas” chegam para assumir o controle do console da mente: Ansiedade, Vergonha, Inveja e Tédio.
A animação anterior terminava com a cinco emoções básicas de Riley (Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojo) aperfeiçoando um sistema em que depositam as piores memórias em um reino distante no fundo da mente e deposita os melhores momentos em um lago subterrâneo cujas gavinhas partem das águas cintilantes em direção ao céu, formando as principais crenças da garota. “Eu sou uma boa pessoa”, Riley muitas vezes repete para si mesma.
Tudo está bem, perfeito, equilibrado, adaptado: a menina que uma vez temia a solidão em seu novo ambiente da Bay Area conseguiu formar um grupo de amigos: Grace e Bree. O trio formou um time formidável de hóquei. Eles até chamaram a atenção de Roberts, uma treinadora de hóquei do ensino médio que as convida para um acampamento de três dias em que jogadoras como Val Ortiz (a heroína de Riley no hóquei) participam.
Mas de repente toca um barulhento alarme no console: o alarme da chegada da puberdade. Então, inicia-se uma nova situação de desequilíbrio e a luta para uma nova adaptação emocional – e o medo de não ser “boa o suficiente” e não ser aceita ou amada.
Esse modelo da psicologia cognitiva está enraizado na sociabilidade norte-americana meritocrática e darwiniana: o verdadeiro ritual de iniciação do jovem médio é o desafio de ser “popular” (ser um “regular guy”): adaptar-se, ser como todos, estar na moda, ser decolado, cool. Ou seja, não ser um perdedor, um “looser”, freak, estranho. Ou, pelo menos, não aparentar.
Não é à toa que todo os filmes sobre high school (do drama ao terror) são obcecados por essa narrativa: os dramas de adaptação, o bullying, histórias sobre caras e garotas populares etc. Na vida só haveria duas opções: o sucesso ou o fracasso.
É sobre isso que trata Divertida Mente 2: o guia de inteligência emocional para a adaptação bem-sucedida.
O Filme
Tudo estava em seu lugar, com as emoções básicas da Alegria, Tristeza, Raiva, Nojo e Medo finalmente trabalhando em harmonia. Riley está soprando as velinhas do seu bolo de aniversário de treze anos com o indefectível aparelho de metal nos dentes.
Quando toca no console da sala de controle da mente, na torre de cristal iluminada que visualiza todas as “ilhas” das conquistas emocionais (família, amizade etc.), um barulhento botão vermelho alertando a chegada da puberdade.
Levando ao aparecimento de algumas emoções adicionais: a silenciosa Vergonha (Paul Walter Hauser), um beatnik francês representando o Tédio (Adèle Exarchopoulos), a necessitada Inveja (Ayo Edebiri) e uma ambiciosa Ansiedade (Maya Hawke) no comando do novo grupo que pretende assumir o controle.
Quando Riley descobre que seus melhores amigos frequentarão uma escola diferente no próximo ano, a Ansiedade assume a responsabilidade de reconfigurar totalmente Riley na esperança de que uma nova versão dela impressione e seja aceita pelo grupo de jogadoras de hóquei lideradas por Val Ortiz .
Ela joga fora o atual senso de si mesmo de Riley (“Eu sou uma boa pessoa”) para o fundo de sua mente e chama a polícia mental para que confinem Joy e as outras velhas emoções em uma espécie de cofre-forte.
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