A derrota provisória da ultradireita na Europa, por Luís Nassif

Se não se chegar a consensos, que alterem significativamente o atual modelo de concentração de renda, a ultradireita voltará fortalecida nas próximas eleições.

Alguns pontos relevantes para entender a lógica da derrota da ultradireita na Europa.

Aqui no Brasil, enquanto se vê setores enaltecendo um governador que propõe cortes de verbas da Fapesp e das Universidades estaduais e arma negócios obscuros com a Sabesp, na França e na Inglaterra houve uma reação contra a ultra-direita, com a vitória dos trabalhistas na Inglaterra e de uma frente de esquerda e centro na França.

Em ambos os casos, foi consequência de uma reação ampla contra a ultra-direita, um sentido de preservação da nação, mas não uma saída sólida contra o radicalismo.

Na Inglaterra, pela terceira vez na história, o Partido Trabalhista assume o poder com menos votos do que conseguiu nas eleições anteriores – que ele perdeu.

Desde 1992, a Inglaterra foi sucessivamente governada por um conservador, um democrata liberal, um trabalhista e um verde. Como lembrou o Financial Times, essas mudanças, que antes levavam um século, ocorreram em poucas décadas.

Uma das razões é o descrédito em sucessivos governos, que acaba alimentando o crescimento de partidos menores. A nova força inglesa são os Democratas Liberais, os Verdes e os Reformistas.

Por trás desses terremotos estã a crise do modelo liberal, escancarada em 2008. As políticas de austeridade mataram qualquer tentativa de recuperação da economia britânica – e europeia Houve precarização até do sistema de saúde, um dos orgulhos do modelo inglês. E nada indica a formação de consensos para alterar radicalmente o modelo.

Tome-se o caso da França, que afastou provisoriamente o perigo da ultradireita. Esta foi vitoriosa no primeiro turno. Se o Rally Nacional, de Marine Le Pen, vencesse as eleições, seria a primeira vez que a ultradireita assumiria o poder na França desde a Segunda Guerra.

Paara barrar a ultradireita, houve um amplo acordo em que a esquerda retirou todos seus candidatos que estavam em terceiro lugar. Já os líderes de Macron não tiveram o mesmo desprendimento, mas pelo menos candidatos tiveram o bom senso de se retirar das eleições.

A eleição marcou uma vitória robusta da Nova Frente Popular, de esquerda.

Com a maior bancada, a NFP certamente reivindicará o cargo de primeiro ministro. E seu líder, Jean-Luz Mélenchon vem com propostas claras para mudar o modelo econômico: aumento drástico de impostos sobre os ricos para financiar investimentos e programas sociais. Tem propostas mas não tem maioria.

Provavelmente conseguirá reverter o aumento da idade de aposentadoria – Macron aumentou de 62 para 64 anos – e reintroduzir algum imposto sobre ativos financeiros. O pacto entre esquerda e centro será essencial para evitar a volta da ultradireita nas próximas eleições, mas não para mudar o modelo.

O quadro torna-se mais complicado quando se analisam as regras fiscais para os países da União Europeia. Para cumprir as metas, os estados-membros poderão sofrer quatro anos de consolidação fiscal para até 1% do PIB a cada ano, de acordo com o Pacto de Estabilidade e Crescimento firmado no inverno passado. E tudo isso em um ambiente de altas taxas de juros, em que apenas rolar a dívida já terá um custo elevado. Levada ao pé da letra, não haverá recursos para políticas industriais, sociais, para a transição verde.

Além dessas restrições, há prioridades de cada grupo que compõe a aliança. Há enorme resistência ao aumento de impostos na Europa. Há pequenos espaços para tributar impostos internacionais sobre transações digtitais e financeiras, algum imposto sobre multinacionais, sobre carbono e taxas de importação e, em alguns países, também sobre propriedades ou heranças, mas em valor insuficiente para financiar a transição verde e as novas políticas industriais.

Se não se chegar a consensos, que alterem significativamente o atual modelo de concentração de renda, a ultradireita voltará fortalecida nas próximas eleições.

12 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Pois é…

    E por aqui, qualquer nota ou menção a tributar ricos é uma heresia.

    O porteiro do calabouço fiscal comemora sua “reforma tributária”.

    Humpf.

    Vou repetir mais uma vez e repetirei sempre:

    Aumento de alíquota de tributo já existente não requer lei, não requer apoio do parlamento…

    Requer coragem, e comunicação com o contribuinte.

    Ahhhh, mas é difícil, dá preguiça né?

    É mais fácil colocar na conta do fatalismo e dizer que “a realidade não permite”.

    Sim, Lula tem disposição de 30 e tesão de 20, como ele mesmo diz.

    Não a toa, é a época que fazemos mais me*da na vida.

    Eu preferia que ele tivesse a sabedoria que a idade pudesse lhe trazer.

    Mas hoje ele é só mais um clichê ambulante.

    Pobre de nós…

    1. O comentário do Douglas Barreto me trouxe à mente o seguinte poema, de Charles Baudelaire:

      O GOSTO DO NADA
      Espírito sombrio, outrora afeito à luta,
      A Esperança, que um dia te instigou o ardor,
      Não te cavalga mais! Deita-te sem pudor,
      Cavalo que tropeça e cujo pé reluta.

      Conforma-te, minha alma, ao sono que te enluta.

      Espírito alquebrado! Ao velho salteador
      Já não seduz o amor, nem tampouco a disputa;
      Não mais o som da flauta ou do clarim se escuta!
      Prazer, dá trégua a um coração desfeito em dor!

      Perdeu a doce primavera o seu odor!

      O Tempo dia a dia os ossos me desfruta,
      Como a neve que um corpo enrija de torpor;
      Contemplo do alto a terra esférica e sem cor,
      E nem procuro mais o abrigo de uma gruta.

      Vais levar-me, avalanche, em tua queda abrupta?

  2. Ou seja, o modelo capitalista predador se consolidou nas bases da austeridade,massacrando as gerações atuais e futuras. Aqui o mesmo modelo, na Argentina também…só uma revolução socialista com muito sangue para começar a mudar essa realidade.

    1. “Las revoluciones no son un juego de niños, ni un debate académico en que sólo las vanidades se matan entre sí, ni una justa literária en que sólo se vierte tinta. La revolución es la guerra y quien dice guerra dice destrucción de los hombres y de las cosas. Sin duda es enojoso para la humanidad que no se haya inventado aún un medio más pacífico de progreso, pero hasta el momento todo paso adelante en la historia ha sido realmente realizado sólo después de haber recibido el bautismo de sangre. Por otra parte, la reacción no tiene nada que reprochar en ese terreno a la revolución. Siempre ha vertido más sangre que esta última”. – Bakunin

  3. E se o processo de concentração de renda/riqueza conduzir a extrema direita ao poder político, aí é que a renda/riqueza se concentrará mais ainda.

  4. Você tem toda razão, Nassif. E não adianta mais a esquerda se limitar a cuidar de questões identitárias que não representam custo orçamentário. Se os governos de Inglaterra, França, Alemanha e Brasil (porque não) deixarem de decretar o fim da austeridade neoliberal o fascismo se tornará uma força dominante em escala planetária. As consequências serão devastadoras: guerras civis e externas; censura e perseguição do inimigo interno, ou seja, da própria esquerda, etc…

  5. Um resumo muito feliz de aspectos relevantes envolvidos na recente eleição francesa, e na do Reino Unido.

    De fato, estas mudanças políticas, agora à esquerda, são reações a falência do modelo liberal/burguês evidenciada com a crise financeira de 2008.

    Entretanto, se a esquerda ao chegar ao poder, na França não está garantida, e ater-se apenas a mudanças cosméticas no funcionamento da sociedade atual, se desqualificará perante seus eleitores do recente pleito e abrirá caminho para a extrema direita nas próximas eleições.

    Exemplo disso, vimos na Argentina, com o descrédito do governo neoliberal de Maurício Macri, e, a seguir, da administração do peronista/kirchnerista(?) Alberto Fernandez.

    O resultado foi a eleição do “bolsonarista” Javier Milei, naturalmente associado a direita neoliberal de Maurício Macri e Patrícia Bullrich.

    Ficar dando ouvidos aos intelectuais orgânicos da direita (jornalistas, economistas, acadêmicos, …) é caminho certo para o fracasso daqueles que desejam mudanças reais nas vidas da maioria da população.

    Em governos a esquerda há que ser radical nas propostas e nas mudanças a serem viabilizadas.

    O núcleo central reside no aumento de impostos sobre os “endinheirados”, para financiar melhorias na educação pública, na saúde pública, em obras de infraestrutura, na redução do desemprego, em programas sociais para famílias de baixa renda, isenção de impostos para estas famílias, economia verde, transição energética, etc …

    No Brasil, neste momento, está ocorrendo uma batalha crucial em torno da guerra pela definição da taxa Selic.

    A divulgação pela imprensa alternativa do nome de Gabriel Galípolo, a ser oficializado em breve, para o cargo de presidente do BC, se confirmada, será o coroamento da estratégia de Lula/Haddad para obter o controle do banco e sua taxa Selic, essencial para realizar mudanças de peso no Brasil atual.

  6. Quanto mais distante da Segunda Guerra Mundial mais chances tem a ultra direita no mundo. Desconhecimento das novas gerações.

  7. França : Capítulo 2 – Já se conhecem os resultados oficiais das eleições legislativas em França. Também já é possível pensar nos alinhamentos dos respectivos grupos parlamentares. Foi travada a subida da RN ao poder. Não assegurou conforrme era seu desejo uma maioria confortável para governar. Ficou em terceiro lugar no número de deputados eleitos. O certo é que a bancada da RN e seus aliados cresceu 60% – passou de 89 deputados para 143. Na prática o bloco que mais cresceu nas últimas eleições foi o da extrema- direita. A NFP ao conseguir 182 deputados, obtem um crescimento eleitoral de aproximadamente 36 % . Os outros dois blocos da direita / centro perdem 31% – Partido de Macron e 15.5 % nos Republicanos da LR. Nas prática estes resultados permitem afirmar que a extrema- direita está em crescimento em França, mas esse mesmo crescimento, não foi suficiente para chegar ao governo da República. A NFP cresce bastante e a sua estratégia eleitoral permitiu barrar o caminho da extrema direita à custa de votos de Macronistas e Repúblicanos que ao votarem na 2a volta na NFP contribuiram para a vitória da NFP. A NFP na AN está dividida em 4 grupos parlamentares com as respectivas identidades : PS, PCF, Ecologistas e França Insubmissa. É tudo menos ” líquido” que o governo seja à esquerda. Em Portugal partidos da esquerda eleitoral apresentaram os resultados em França como uma vitória da Esquerda e uma derrota da Extrema – Direita. Não é verdade. Em termos eleitorais quem mais ganhou foi a extrema – direita. Para governar, a solução pode ser mais uma vez, o centro político . A política eleitoral burguesa do mal menor é meio caminho andado para as soluções eleitorais virem a favorecer a curto prazo mais uma vez a direita e a extrema – direita. Os interesses populares em França, foram mais uma vez adiados. É tempo de descer às ruas, organizar e lutar. Luta Final – AP – (Manuel Solla) // 10 de Julho de 2024 (Porto-Portugal)

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador