As perdas do Brasil com obras públicas entregues a estrangeiros, por Luis Nassif

Analisamos o recente acordo com EUA de permitir a livre participação de empreiteiras americanas em licitações de obras púbicas brasileiras

Bolsonaro e a síndrome do americano bonzinho

A cobertura econômica na mídia brasileira continua restrita a bordões sobre livre mercado. E a discussão econômica raras vezes consegue avançar além da visão primária dos cabeções.

Um dos vícios centrais dos cabeças de planilha é a incapacidade de entender realidades complexas, isto é, aquelas que têm mais de uma variável.

Vamos analisar o recente acordo em andamento com os Estados Unidos, de permitir a livre participação de empreiteiras americanas em licitações de obras púbicas brasileiras.

Todos os argumentos centram-se na vantagem que haveria no preço. E nenhuma análise sobre as chamadas externalidades do projeto – a maneira como poderá afetar setores.

Sobre o preço

Paulo Guedes montou um modelo simples de beneficiar as estrangeiras: estrangular a capacidade e o custo de financiamento do BNDES.

Em geral, as empreiteiras americanas disputam obras em outros países com apoio da USAID (Agência dos EUA para Desenvolvimento Internacional), ou do próprio Federal Reserva (o Banco Central americano), a custos mínimos.

Há inúmeras denúncias sobre a corrupção da USAID nas obras de vários países, como Afeganistão e Iraque. Mas deixa para lá. Segundo a Lava Jato o pais mais corrupto do planeta é o Brasil.

O que importa é analisar um diferencial pouco analisado por aqui nas concorrências internacionais: o custo do financiamento.

Suponha dois competidores, que tem o mesmo grau de eficiência na construção. Um deles obtém financiamento a uma taxa de 6% ao ano; outro, a taxa de 1% ao ano (provável custo dos financiamentos da USAID).

Em 15 anos, o diferencial de desembolso deles será da ordem de 43%.

Para competir com a empreiteira estrangeira, o nacional teria que reduzir seu preço em 30%.

Justamente por isso, os financiamentos do BNDES eram essenciais para a expansão das empreiteiras brasileiras no exterior, até serem criminalizados por procuradores do Distrito Federal e Rio de Janeiro.

Aliás, se um procurador americano ousasse fazer o mesmo nos EUA, seria imediatamente expulso para alguma republiqueta latino-americana, por exemplo, o Brasil.

No acordo com os EUA, bastaria a inclusão de uma cláusula assegurando o acesso de todos os competidores ao financiamento. Simples assim. Mas obviamente não será feito, já que o futuro advogado dos interesses brasileiros junto aos EUA será Eduardo Bolsonaro.

As externalidades positivas

A profunda ignorância brasileira impede qualquer análise sobre as chamadas externalidades – isto é, os aspectos não diretamente relacionados com o fato em si – e o que o Brasil perde entregando as obras públicas a empresas estrangeiras.

Há externalidades diversas entre uma obra construída por empresas brasileiras ou aquelas entregues a competidores internacionais.

Qualidade de emprego – os melhores empregos ficam na sede da companhia.

Cadeia produtiva –  o desenvolvimento de fornecedores. Empreiteiras são montadoras que, em geral, privilegiam os fornecedores de seu próprio país.

Mercado externo – empreiteiras são agentes de entrada de outros produtos nacionais no exterior.

Segurança nacional – o país demanda desenvolvimento de tecnologia de segurança, de satélites, aviônica, obras em áreas críticas (como o pré-sal). E as empreiteiras são parceiras estratégicas.

Desenvolvimento tecnológico – No Coppe jaz um projeto de veículo leve sobre levitação. A parceria para financiamento e implementação era de uma das empreiteiras abatidas pela Lava Jato.

Vamos a uma pequena tentativa de mensurar cada externalidade positiva, conferindo-lhe um peso.

Na tabela, um exemplo hipotético, de orelhada. Mas mostra, grosso modo, como deveria ser uma licitação de obras públicas, levando em conta as externalidades.

Nesse exemplo, mesmo com um preço 20% inferior à nacional, ainda assim as vantagens das nacionais, nas externalidades, compensaria com sobre o diferencial.

Entregando as obras a empreiteiras norte-americanas (ou europeias), sem nenhuma restrição, as perdas do país serão amplas e disseminadas.

Mas haverá ganhos para os Guedes e Bolsonaros da República. Afinal, a imbecilidade tem pátria. E está ao sul do Equador.

Luis Nassif

13 Comentários

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  1. Mesmo esquema da época dos empréstimos do BID…
    quando a garantia do empréstimo era a obrigação de ter que comprar de quem emprestava

    nesta época ganharam até, e muito, também dos europeus, com a venda de autorização para se colocar plaquinhas Made In USA em tudo o que o estados unidos não fabricavam

    Reparem que neste esquema atual, no que o Brasil perder para os estados unidos estará sendo obrigado a perder para todas as empresas satélites

    Perder para 5 países ao mesmo tempo vai quebrar o Brasil dessa vez por todas

  2. Nassif, apenas uma observação, que não contraria a grande importância das externalidades.

    Uma empresa americana não poderá correr risco cambial nos empréstimos que trouxer ao país. Se seguir as práticas adotadas pelas grandes empresas abertas, qualquer exposição em contas de balanço terá quer ser “hedgeada”. Na prática, o hedge faz a empresa pagar CDI mais a taxa em dólar. Aumenta o custo mas não tem risco de desvalorização.

    Possivelmente, isto leve o governo entreguista a impor maior elevação das taxas do BNDES para não competir com os americanos

  3. E ainda há engenheiro civil brasileiro que apoiou e continua apoiando Bolsonaro, Moro e cia.

    Bem… sempre dá para se acotovelar na praça (literalmente) em busca de um lugar para estacionar seu Uber, prá não ficar batendo lata por aí…

    – “Gasolina tá cara, viu?”
    – “Ué, mas o petróleo não é de poço no Brasil?”
    – “Ah, seu ‘motherfucker’, saia daqui antes que eu te dê um tiro na bunda!”

    (Tá vendo como Bolsonaro é legal? Posso até andar armado…)

  4. As obras públicas brasileira(Municipal,Estadual e Federal) deveriam ser construídas pelo Corpo de engenheiros das Forças Armadas, pois os custos seriam menores e poderíamos remunerar melhor as Forças Armadas).
    Atenciosamente.

  5. É por isto que querem “abrir a caixa preta do BNDES “: para entregar as obras às empreiteiras norte-americanas, acabar com as empreiteiras brasileiras, como fizeram depois que invadiram o Iraque.

  6. Desculpem a ignorância, infelizmente a minha cultura sobre o tema é de revistas e cinema. Por que cargas d’água a qualidade de nossas estradas não é a mesma? São Paulo é ponto fora da curva (genericamente falando).

    1. Porque fatia cada vez maior da renda nacional está sendo aprisionada pelo sistema financeiro. Alega-se a falta de recursos não só para manutenção das estradas, mas para qualquer serviço ou investimento público que interesse ao bem-estar da população ou à sóberania da nação. E dá-lhe pedágios, concessões, privatizações e especulação financeira associada ao endividamento público. Por que falta recursos se a produtividade do trabalho só fez aumentar nas últimas décadas, ampliando a capacidade de produção de riqueza?

  7. Acredito que o grande desafio para os democratas ( e ai digo os agentes políticos de amplo espectro, da esquerda e da direita) é propor um programa mínimo conjunto, que seja lá qual for o vencedor da eleição (presumindo que teremos) possa implementar.
    Digo “programa mínimo conjunto” por que necessariamente vão existir pontos de convergência e divergência de atuação. Os pontos mínimos ja estariam garantidos, os vencedores implementariam este + os pontos que discordam.
    Acho que precisam de um eixo estruturante baseado num diagnóstico dos pontos de destruição perpetrados pelo governo atual.
    Acredito que o eixo deveria ser o da segurança pública. Porque, primeiro é urgente o caos que está se instalando. Segundo porque é um eixo comum a todo o espectro politico, terceiro é a principal força motriz do clã: Eles atuam enfraquecendo as forças do Estado para dar vazão a ação de milicias( para ter votos através da coerção, financiamento de campanha, lucro de suas atividades e etc). Quarto, sobre este eixo cabe a ação de diferentes setores públicos: sistema judiciário, carcerário, agente de policia, setor da engenharia (obras publicas, serviços de controle, informação e inteligência), sociedade civil, setor da educação ( mobilizando o aspecto da ressocialização, formação de mão de obra etc).
    Temos ótimos especialistas no assunto em diferentes setores, nas universidade ( UERJ e UFBA, por exemplo, tem laboratórios e estudos voltados a isso) a DPU, o TCU, e o próprio STF.
    O desmonte da economia se relaciona com a fragilização do Estado, que está sendo promovida com o objetivo singular de facilitar a perpetuação do clã, seja com ou sem eleição.
    Sobre a lógica do governo, acho que merece um Xadrez em si, que se apresenta como um diagnóstico.

  8. Tem outra coisa: aposto que virá uma enxurrada de mexicanos e similares trabalhar nas obras daqui. Quem acha que vai gerar empregos em massa aqui é bom por as barbas de molho. Esse acordo vai ajudar a resolver o problema da imigração nos EUA.

  9. Além de tudo que foi exposto, fica evidente o objetivo maior desse governo que é a desconstrução de todas as medidas, iniciativas, projetos, programas, conceitos e obras dos governos de esquerda. Vide as sabotagens e boicotes implementado por esse governo insano.

  10. Ou Lula sai até 31 12 2019 ou o bicho vai pegar. Vamos resgatar ele de dentro da pf. Temos mais fuzis mais granadas e principalmente mais gente. Q o STF abra o olho. Não da maia

  11. Fora o custo de capital, muito bem apontado no texto, ainda existe a remessa destes lucros para fora do país em dólares. Nosso déficit nominal já chegou a 9% do PIB e hoje beira 7% a 8%. Ou seja quase um dízimo de tudo o que é produzido em nosso país é remetido ao estrangeiro. Essa conta tende a aumentar contratando grandes investimentos de empresas externas. E ainda querem vender tudo o que temos para fora. Isso nem é raciocínio complexo é falta de matemática de padaria.

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