Nos dois casos havia governos reformistas, com plano de modernizar as relações sociais no país. Em ambos os casos, foram alvo de uma frente mídia-militares-empresários brandindo as bandeiras de sempre: corrupção e comunismo.
Jango caiu porque não respeitou a correlação de forças existentes. De um lado, havia San Thiago Dantas querendo colocar um mínimo de racionalidade na elite empresarial brasileira. Ele e Afonso Arinos de Mello Franco, um jurista ligado a Jango, outro udenista, ambos racionais, tentaram trazer um mínimo de racionalidade à elite brasileira, e não conseguiram.
Jango balançava entre a conciliação e a radicalização – para a qual era empurrado por seu cunhado Leonel Brizolla. Há alguns anos com Almino Affonso – que defendia posições mais agressivas contra o golpe que se avizinhava – me disse que Jango estava certo em não medir forças com a direita. O Ministro da Fazenda do parlamentarismo, Walther Moreira Salles, tinha a mesma opinião. Havia pessoas como San Thiago, Tancredo Neves, Franco Montoro, capazes de fazer a mediação. Mas havia uma sede enorme pelos grandes negócios que poderiam ser abertos pela deposição de Jango.
A grande diferença em relação ao quadro atual, era o grupo de pensadores que montaram as chamadas reformas de base.
O país iniciara seu processo de industrialização, com a Companhia Siderúrgica Nacional, Eletrobras, Petrobras e a indústria automobilística. Começava a se urbanizar. Ainda havia uma enorme miséria no nordeste e na periferia das cidades.
Em torno de Jango reuniu-se o melhor grupo de pensadores sociais da época – muitos deles com papel central no desenvolvimento do Banco Mundial, em sua fase mais social.
Para o nordeste, Celso Furtado pensou um plano de desenvolvimento espelhado no Tennessee Valley, criado no período do New Deal, de Roosevelt.
Fundava-se na criação de uma autarquia, a Tennessee Valley Authority (TVA).
A TVA foi criada para resolver diversos problemas enfrentados pelo Vale do Rio Tennessee, região que englobava partes de sete estados americanos. A área era marcada pela pobreza, erosão do solo, falta de energia elétrica e enchentes devastadoras.
As reformas de base
Havia muito mais. Desenvolveram um projeto de reforma agrária para distribuir aos camponeses terras nas margens das ferrovias que estavam sendo construídas.
Havia um grupo extraordinariamente brilhante de técnicos, como Josué de Castro, Paulo Freire, Anisio Teixeira, Darcy Ribeiro.
No plano eleitoral, propunha-se e extensão do direito de voto aos analfabetos. Para a área urbana, planos de ampliação do saneamento básico, transporte público e habitação popular.
Propunha-e também um imposto progressivo sobre a renda, um aumento da tributação sobre grandes fortunas e lucros das empresas e redução da carga tributária dos mais pobres.
Enfim, a urbanização acelerada que se prenunciava encontraria serviços públicos de qualidade, um orçamento com responsabilidade social, um ataque direto à pobreza do nordeste, que passava por períodos tremendos de seca.
Não apenas em Brasília. Esse espírito de combate à pobreza conquistou o movimento estudantil, o nordeste tornou-se tema prioritário nas semanas do estudante.
Todo esse processo civilizatório foi interrompido pelo golpe de 1964. Por exemplo, a fazenda Bodoquena pertencia à Territorial Franco-Brasileira, da família Rochefoucauld. Os franceses haviam financiado a Estrada de Ferro Brasil-Bolívia e adquirido um total de 440 mil hectares de terra, que iam de Miranda a Porto Esperança, em Mato Grosso, ladeando os 142 quilômetros da estrada. Seriam desapropriadas para reforma agrária. Em vez disso, foi vendida para o Grupo Moreira Salles, que trouxe Nelson Rockefeller como sócio.
Matou-se a vida política nos estados e municípios, com fim das eleições e uma enorme centralização tributária. No lugar de grupos sociais organizados – desde Rotary, Lions, Maçonaria, Santas Casas de Misericórdia, associações de negros – tudo foi substituído pelo deputado despachante, ligado ao governo e com acesso às verbas federais.
Nos anos seguintes, as políticas de estabilização de Roberto Campos destruíram milhares de pequenas empresas. Houve um aumento desmesurado do êxodo do nordeste, com levas de miseráveis indo até Belo Horizonte, pegando um trem para São Paulo, e tentando empregos mal remunerados para sobreviver.
As cidades incharam, o ensino público deteriorou-se e, à custa de planos de desenvolvimento, criou-se uma indústria que padeceu sempre da falta de um mercado de trabalho robusto. E o controle absoluto exercido pelos militartes – havia necessidade de autorização até para trocar um computador de lugar – abriu espaço pára uma corrupção generalizada, com aparecimentos dos chamados coronéis-maçanetas – que abriam as portas do estado para negócios.
Pode-se afirmar que o futuro do Brasil foi destruído a partir do momento que um general tresloucado saiu de Minas Gerais e foi para Brasilia. Mas não apenas ele. Àquela altura, os conspiradores já tinham distribuído armas para fazendeiros por todo o país.
Tortura, crimes contra a humanidade, os homens do porão saindo para constituir milícias, o fim de um país do futuro, tudo isso foi resultado de uma história que Lula não pretende relembrar.
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A leitura desse post é fundamental para entender que o presidente Lula está certíssimo em não querer contaminar o governo com bandeiras políticas divisionistas e que podem,assim como 64 e 2016,empurrar o país para as trevas com enorme prejuízo, como sempre, para os mais pobres.
Hehehe.
É, deve ter sido culpa de Dilma o golpe, sabe lá?
Quem sabe Lula não tenha merecido sua prisão?
Ninguém vai preso por nada, certo?
Ou das forças que sustentavam Jango, comunistas extremistas, não?
Será a roupa das mulheres estupradas que atiçam seus predadores?
Ah, coitado do rapaz preto, pobre e favelado, morreu, mas aposto que tinha passagem na polícia, ninguém morre a toa, né não?
Estava fazendo o que na boca aquela hora da noite ou do dia ou da tarde, enfim?
Assim, com esse tipo de gente, que professa um fanatismo diferente, o culto da síndrome de Estocolmo, cujo líder máximo atual é Lula, o lulu das FFAA, vamos construindo esse país.
Nassif, me perdoe, mas esta suposta luta entre entreguistas, reformistas moderados e reformistas exacerbados de 1964 até 2024 é um sofisma.
Ela serve para aplacar culpas, e/ou dar azo a um otimismo e fé em uma chamada via democrática nacional desenvolvimentista que não se justifica, ainda que a última (reformistas exacerbados) pareça mais corajosa que as outras duas posições políticas, a da submissão domesticada, e a da submissão inconveniente.
A questão central é que as duas primeiras são variações da subordinação sul-norte, e talvez a última seja um incômodo real à ordem geopolítica vigente, embora signifique tão somente que os tupinambás querem ter o seu direito de dominar outros povos, como os bwanas.
O que estava em jogo naquela época, e talvez hoje, era a hegemonia geopolítica e econômica dentro do espectro capitalista, sacramentada na disputa entre ricos e pobres.
De um lado, EUA e Europa, os ricos, lutando para manter os pobres em seu local histórico, de provedores de riquezas minerais e outros bens naturais, mão-de-obra, alimentos, e de consumidores de algumas traquitanas excedentes do consumo do primeiro mundo.
Do outro, os países pobres, que nos fins da década de 50 e início de 60, talvez inspirados pelas lutas anticoloniais na África e outros exemplos, como Cuba e Vietnã, entenderam que os donos do mundo não eram tão invencíveis como se diziam ser, e de fato, nunca foram.
Hollywood contou que a II Guerra foi vencida pelos EUA, mas sabemos bem que sem a URSS, talvez a Europa toda e quem sabe, os EUA, estivessem falando alemão, e/ou japonês na costa oeste dos EUA.
Assim, essa luta entre reformistas radicais contra moderados e entreguistas foi uma invenção bem sacada dos EUA e dos seus ideólogos para distrair a todos do que realmente importava.
Não há, no teatro internacional capitalista outra posição: ou você é dominador, ou é dominado.
Ponto.
Não haveria chance de um reformismo moderado.
Jango sempre desejou essa via moderada, e todos foram induzidos a acreditar que ele queria uma ruptura institucional, quando só queria acreditar que as urnas o permitiriam criar um capitalismo doméstico digno desse nome.
Quando teve chance de fazer essa opção, preferiu, covardemente, sair do país.
Poderia mandar o III Exército dar conta de meia dúzia de cadetes de Geisel e outros mequetrefes de Mourão.
Não o fez.
A historinha da IV Frota também dissolve culpas.
Ora, qualquer assessor de décima quinta categoria saberia dizer, e sabe dizer agora, que os EUA nunca arriscariam entrar em conflito aberto no maior país do sul do continente, por vários motivos, dos quais destaco:
Não aguentariam outro flanco, além do sudeste asiático.
E não arriscaria um efeito dominó, de revoltas e apoios em outros países vizinhos, com o aumento da influência de China e URSS.
Sairia caro demais, e aí, a lorota do comunismo serviu como uma luva.
Um exemplo dela?
A lorota contada para dourar a biografia de Kruel (Amaury) é singela, e diz bem como as versões vão ganhando corpo.
Ora, um general legalista nunca se dirigiria ao comandante-em-chefe questionando-o e exigindo dele uma postura anticomunista.
Hehehe.
Naquele momento, se Jango quisesse mesmo ser fiel ao seu projeto político, ele deveria dizer que era anticomunista, que era TFP, beijar as santas chagas do senhor, enfim, ajoelhar no milho e depois mandava chamar o comandante do III Exército do sul para o Rio, e mandar prender o “anticomunista” Kruel.
Nada, Jango preferiu meter o rabo entre as pernas, como Lula fez desde 2003, passando pelo mensalão de 2006, do golpe de 2016, pela sua prisão em 2018, com o ápice agora, no deixa-disso de 2024.
Não, Nassif, não haverá um capitalismo nacional desenvolvimentista que enfrente os EUA.
Nem negociado, nem à força.
É essa a questão.
Os EUA sempre souberam disso, nós é que não.
O que alguns enxergaram, dentre eles, Brizola, Zé Dirceu e Zé Genoíno, é que não se pode negociar com o tigre, enquanto sua cabeça está dentro da boca do bicho (como disse Churchill).
Essa visão deles não os subtraiu da vida política institucional.
Creio, inclusive, que eles sabem que essa via desenvolvimentista nacional não se completa como ferramenta de mudança estrutural do capitalismo, porque é impossível mudar estruturalmente o capitalismo, que só se reforma acabando com ele, e com todo seu edifício ideológico!
Eles sabem que essa luta política é uma etapa, não um fim em si mesma.
Por isso sofreram tanto, e ainda sofrem até hoje, os dois Zés.
Porém eles (Brizola, e os Zés) anteviram que para transformar esse país em algo diferente, com alguma justiça social, menos desigualdade, e uma estrutura econômica menos dependente, seria necessário:
Alavancar a indústria bélica e nuclear (a boa e velha diplomacia de dissuasão, como fizeram Índia, Paquistão e outros), desprezo pelo dólar (ou pelo menos, menos carinho por ele), emissão de moeda, tributação dos ultra ricos e estrangeiros, redução de transferência de riquezas, desenvolvimento de tecnologia, etc.
Uma espécie de Paraguai de Solano Lopez do século XXI, mas com a vantagem de já termos acesso ao Atlântico, e talvez, com acesso ao Pacífico, se optássemos pela “expansão militar amiga”, como fazem os EUA, com os países que detém esse corredor e fazem divisa conosco.
Para sermos desenvolvimentistas, seria necessário escrever nosso destino manifesto, o nosso.
E vamos para com essa “palhaçada” de democracia.
Democracia e capitalismo são incompatíveis.
Os maiores sucessos capitalistas do século XX se realizaram em solo ditatoriais:
Os EUA e seu segregacionismo até 1968, suas políticas bi-partidárias movidas aos bilhões dos ricos que o transformaram em uma plutocracia, nunca foram democráticos.
Inglaterra? Como assim, há pelo menos 50 anos os conservadores dominam a cena política, sem qualquer alternância.
Quando houve qualquer brisa nesse sentido, Tatcher neles, e agora, Guerra ao Terror neles.
A Alemanha de hoje é fruto da máquina de guerra nazista, e o Japão idem, alimentados por generosos recursos estadunidenses que desejam mantê-los comportados, não importando se são democráticos ou ditaduras.
Como fizeram com a Coreia, e fazem com a Arábia Saudita.
Por que os EUA não impõem sanções à China como fazem com Cuba? Ou aos sauditas?
Então vamos combinar que essa culpa democrática é mais uma historinha de ninar que nos é cantada toda vez que rangemos os dentes.
Para sermos desenvolvimentistas nacionalistas é preciso enfrentar e aniquilar a concorrência, os EUA, como tentaram Alemanha, Japão na janela de transição de hegemonia da GBR para os US.
A China chegou lá, e só espera o cambalear do gigante do Norte.
Infelizmente, nos faltam algo em torno de bilhão de pessoas em bônus demográfico e disciplina política para alcançarmos o patamar chinês.
Essa possibilidade já era, não dá mais
Olha só, hoje, a mídia comercial (GloboNews) exulta a decisão do STF que determina o papel das FFAA, e que as forças não detêm poder moderador.
Meu Zeus!!!
Que tal pedirmos ao STF também para reafirmar a abolição da escravidão?
Ou que o STF nos diga que somos uma República?
Agora é esperar nossa próxima tarefa no jogo global, se vamos lavar latrinas, entregarmos pau-brasil, ou servimos de área de lazer e eventos para exploração sexual e outras bizarrices.
Como diz o ditado: “pagando bem, que mal que tem?”
Nassif, uma correção. O Mourão rumou para o Rio de Janeiro, e não para Brasília.