Exemplo do pós-guerra: tabelamento de juros para controlar a divida pública

Mantidas as condições atuais de juros e liquidez, a dívida não seria problema. A questão central é que não serão mantidas para sempre. Por isso mesmo, não estão afastadas as possibilidade de uma nova “repressão financeira”.

Uma das questões centrais, nas discussões econômicas mundiais, é como os países vão enfrentar o aumento da dívida pública, decorrente dos esforços de guerra para enfrentar a pandemia.

E aí vem à memória os esforços para enfrentar o aumento da dívida devido aos esforços de guerra – especialmente na Segunda Guerra Mundial.

O esforço econômico na Segunda Guerra Mundial financiado por cerca de 40% de impostos e 60% de dívidas.

Houve a emissão de títulos de guerra, oferecendo taxas de apenas 0,375% ao ano. E uma campanha patriótica que incluía até disputas nacionais para saber qual escritório do FED conseguiria maiores colocações de título. Os vencedores eram premiadas e informados de quais equipamentos de guerra haviam sido adquirido com seus investimentos. Em 1943, o FED de Nova York ganhou um dos torneios, arrecadou mas de US$ 87 mil e foram informados que seus esforços permitiram ao Exército adquirir um obus de 105 milímetros e um caça-bombardeiro Mustang.

Os títulos tinham valor nominal de. US$ 25,00 e o estímulo maior para sua aquisição era de ordem patriótica. Houve disputas nacionais, para saber qual estado contribuiria mais na compra de títulos. O Tesouro rebaixou os juros dos títulos, oferecendo 0,375% ao ano em comparação com as taxas de mercado, de 2 a 4%.

Essa venda maciça de títulos elevou a dívida pública a 119% do PIB.

Houve alguns fatores adicionais que contribuíram para a redução da relação dívida/PIB.

O primeiro fator foi o rápido crescimento da economia dos EUA no pós-guerra, de 3,75% ao ano do final dos anos 1940 ao final dos 1950.

O segundo fator foi a disparada da inflação quando cessaram os controles de preços impostos pela guerra.  De março de 1946 a março de 1947 a inflação foi de 20%, Entra 1941 e 1971, 76%. A mera diferença com os rendimentos dos títulos ajudou a diluir o valor real da dívida.

Mas o ponto central dessa estratégia foi a chamada “repressão financeira” – possível de ser repetida no pós-pandemia, dependendo da situação das dívidas nacionais.

Por tal entenda-se impor um tabelamento nos juros das instituições financeiras, incluindo bancos, fundos de pensão e seguradoras.

Segundo estudos da área econômica do FMI, esse expediente foi responsável pela liquidação da dívida do correspondente a 5,7% do PIB ao ano. Sem a “repressão financeira”, segundo estudos de Carmen Reinhart e Maria Belen Sbrancia, do FMI, a dívida bruta teria chegado a 141,43% do PIB.

A contra-indicação teria sido um desvio da poupança privada de investimento privado para títulos do governo e uma pressão sobre preços devido à fuga de parte da poupança para ativos reais.

No final do governo Eisenhower a relação dívida/PIB caiu para 50%. Apenas a partir de 1980, a desregulação financeira acabou com esse controle sobre as taxas bancárias.

Quais as lições desses episódios históricos?

Nos últimos dois anos, o coeficiente de dívida dos EUA ultrapassou o nível somado dos dois anos da Grande Recessão, sem levar em conta os gastos adicionais ainda não aprovados pelo Congresso.

Alguns analistas sugerem emissões de títulos quase perpétuos, de 100 anos, como a Coca-Cola, IBM, Ford entre outras.

Mantidas as condições atuais de juros e liquidez, a dívida não seria problema. A questão central é que não serão mantidas para sempre.

Por isso mesmo, não estão afastadas as possibilidade de uma nova “repressão financeira”.

A flexibilização monetária

Na quadra atual, os Bancos Centrais de muitos emergentes aumentaram a emissão de moeda, sem impactos inflacionários.

Em parte essa flexibilização foi possível pelo papel desempenhado pelos Bancos Centrais referenciais. Fo o caso do Federal Reserve expandindo operações de swap de moeda e recompra de câmbio com países emergentes. Houve também operações entre o Banco Central Europeu e o banco Popular da China.

Esses movimentos permitiram a alguns emergentes novas emissões de dívidas, redução de taxas de juros e emissão de ativos em moedas nacionais, no caso dos mercados maiores.

A expansão maciça de swap, além disso, reduziu as pressões sobre câmbio.

Como lembra o economista Piroska Nagy-Mohacsi, da London School, houve impacto também da reativação dos acordos do FED com o Banco do Canadá, o Banco da Inglaterra, o Banco do Japão e o Banco Nacional da Suíça. E também no fornecimento de swap para os bancos centras da Austrália, Brasil, Dinamarca, Coréia do Sul, México, Nova Zelândia, Noruega, Cingapura e Suécia.

A situação dos emergentes será relativamente tranqüila enquanto prosseguir o quadro atual de liquidez abundante, inflação sob controle e taxas de juros baixas.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Após desperdiçar palavras comentando os paradoxos do liberalismo tupiniquim num post recente, agora temos o Luís na sua melhor forma, apresentando este interessante artigo.

    A boa notícia é que: “A situação dos emergentes será relativamente tranquila enquanto prosseguir o quadro atual de liquidez abundante, inflação sob controle e taxas de juros baixas.”

    O corolário da conclusão é: Se o tranquilo quadro atual da dívida pública do Brasil mudar para pior, a solução comprovada pela experiência histórica está à mão: Tabelamento de juros.

    Só falta a coragem política para implementa-la, em momento oportuno.

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