O boicote sistemático ao grande pacto nacional, por Luís Nassif

A ofensiva contra o Moraes faz parte dessa estratégia de desestabilização, já que o STF é a última garantia de estabilidade das instituições.

No artigo “Xadrez da Disputa EUA x China e as oportunidades do Brasil”, procurei apresentar um resumo das disputas geoeconômicas entre as duas potências e o papel do país nesse jogo.

É curioso o jogo em torno de Lula.

Não se tenha dúvida de que qualquer projeto de futuro tem que passar por um grande acordo nacional. E Lula é o negociador por excelência. Sempre foi seu ponto forte e, ao mesmo tempo, o maior alvo das críticas mais à esquerda.

Lula nunca foi de rupturas. Com Palocci, Meirelles ou Mantega, a área econômica sempre seguiu a mais estrita ortodoxia. O desafogo surgiu quando a explosão dos preços das commodities gerou recursos abundantes, que serviram para iniciar grandes obras, políticas industriais e, ao mesmo tempo, atender o mercado e os grandes cartéis. Quando a maré refluir, o nível de despesas correntes estava elevado e não pode recuar na mesma proporção.

No início da invasão da ultradireita no mundo, o guru Steve Bannon já previa que o maior obstáculo seria Lula. De um lado, por sua capacidade negociadora. De outro, por implementar políticas compensatórias que acabavam legitimando o papel do Estado e adiando a explosão irracional da ultradireita. Foi o país institucional do Supremo e da Lava Jato quem pariu o monstro da guerra às instituições.

Porque, então, Lula não é aceito pelo sistema?

De um lado, pela posição altiva na geopolítica. O Departamento de Estado sempre sonhou com o Brasil servindo de mão longa dos Estados Unidos para o Sul Global. Jamais se conformou com a insistência de Lula em manter uma diplomacia independente. Ouvi isso do próprio Otto Reich, diplomata que participou da tentativa de golpe contra Hugo Chávez, em visita ao Brasil, como representante dos Bush para estudar o mercado de etanol.

O segundo grande motivo é que as concessões à financeirização ocorrem nas políticas monetária, cambial e fiscal. Mas não avança na queima de estatais, base dos grandes negócios de Bolsonaro-Paulo Guedes, de FHC-Real. E ainda reserva migalhas do orçamento para políticas compensatórias.

É por aí que se entende essa guerra híbrida visando reduzir sua margem de negociação. Vendem o peixe de que Lula é partidário da gastança, do chavismo, do boliviarismo, do castrismo e tantos ismos mais couber.

Não há diferença entre os partidários da campanha anti-vacinas e os propagadores da gastança. Valem-se do uso recorrente de bordões, de narrativas falsas, confiando na ignorância rotunda do país.

A maior prova dessa ignorância foi o vice-presidente Hamilton Mourão, quando procurado por analistas alertando para o risco de perda da Embraer – uma empresa estratégica para a indústria de defesa. Seu argumento foi de que “a privatização é boa”. Foi preciso que o interlocutor alertasse que a Embraer tinha sido privatizada há décadas e, mesmo privada, continuava sendo uma empresa estratégica.

Continuo vendo no pacto da produção a única saída política para Lula, capaz de juntar setores em um grande acordo nacional capaz de romper o predomínio absoluto da Faria Lima sobre o Congresso e a opinião pública.

A recente ofensiva contra o Ministro Alexandre Moraes faz parte dessa estratégia de desestabilização, já que, no momento, o Supremo é a última garantia de estabilidade das instituições.

A democracia está sendo garantida ao custo de matar um leão por dia. Enquanto isto, a ultradireita avança por todos os poros do interior, do Congresso, e já começa a burilar suas novas lideranças depois que Bolsonaro se transformou em galinha morta.

E não há um projeto à vista para galvanizar os setores civilizados do país, da centro-esquerda à centro-direita.

14 Comentários

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  1. A verdadeira ameaça é alexandre de moraes: para um estadunidense, para quem a liberdade de expressão é absoluta (vide primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos) o que o ministro faz é algo de repúbicas bananeiras que não observam o devido processo legal ao escolher e insererir quem quer perseguir em inquéritos duvidoso somente por que alguns se expressaram, quer concordemos ou não. Por isso a psiquê de Glen Greenwald, que está imersa numa ética de liberdade, não alcança essa ameaça policialesca. E moraes ataca sistematicamente direitos trabalhistas a muito consagrados na Carta Política. Tome de exemplo esse caso de exemplo em que nega direito à gratificação de insalubridade para merendeiras, sob argumento de que a lei 14133, que trata de contratos com a adm. pública, isentar o erário caso a empresa terceirizada não arque com direitos trabalhistas, em que pese acordos coletivos que, à tradição histórica trabalhista, são regras heterónimas frente a outras normas. Vê-se a tautologia: a lei em prevalência em relação ao art. 5° da Constituição, por canetada de um ministro do supremo, que deveria justamente gauardar a Carta.

    https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-suspende-acoes-que-cobram-insalubridade-para-merendeiras-e-auxiliares-terceirizados-do-es/

  2. O jornal do rato sempre teve posições conservadoras e de apoio ao golpismo.
    No entanto, neste momento, até por suas posições anteriores de apoio não só ao ministro atacado do STF,mas,sobretudo,ao golpista que o indicou,entendo que é impossível acreditar que essas matérias tenham algum fundamento que não aqueles defendidos pelos falcões do norte e seus patrões sionistas. Aliás, cabe lembrar, grande parte dos ataques ao governo e à nossa democracia iniciaram-se após o presidente Lula denunciar os carniceiros sionistas em sua política de eliminação dos palestinos e usurpação de suas terras.
    Não, hoje,nenhum lugar do mundo onde a democracia está ameaçada que não se encontre as marcas das patas dos falcões do norte.

  3. O mais interessante e estarrecedor nessa história é que de nada adiantaram as políticas inclusivas no jornalismo. As mulheres e negros/mestiços que estão assumindo nas redações mantêm o mesmo padrão boiada de ataques ordenados/coordenados pelos donos do dinheiro e poder.

  4. É, se tudo depende em preservar Moraes, já era.

    Nassif defendeu aqui que façamos uma fogueira com a constituição para tentarmos iluminarmos as trevas.

    Eu não me importo em matanças (simbólicas) e atos de violência política, nada disso.

    Acho que, nós, da esquerda, perdemos a legitimidade dessa pauta (do uso da força), como esse lenga-lenga “democrático), que só é democrático enquanto nos comportamos como querem as elites.

    Nossa “matança” é justa porque somos o bem, e ponto.

    E não somos “todo o bem”, é justa porque é nossa (rsrsrs)…

    O problema é que a esquerda quer terceirizar essa violência política e jurídica, aí, chama gente como Moraes para fazer o trabalho sujo, sem admitir que, chegada a hora, devemos jogar o juiz da prancha do navio.

    É isso que a direita fez com ele, e por isso, ele veio para o lado de cá…

    É um mercenário, que já esteve a soldo de Temer, e de todos os escroques que agora ele diz querer combater.

    Vamos preservá-lo com como movimento tático? Ok, mas nunca por uma questão de princípios, até porque, ele já mostrou que não liga muito para isso.

  5. Exato Nassif,quando se estabiliza o País aí falam da agitação mundial não q não possa falar dela mas já tentam arrastar Lula eo pais para ela até incrivelmente CULPANDO Lula cono nos velhos tempos do mensalão e lavajato um jornalismo podre aliás vão fazer com Moraes o q nunca fizeram com Moro q fez coisas mil vezes pior só analisat o titulo do uol de hj nunca q falaram isso do Moro,os lavajatistas defensores de interesses ESTRANGEIROS no poder vão degolar meio mundo sem dó !!!

  6. A questão é que essa gente que ‘boicota sistematicamente o pacto nacional’ já tem um pacto próprio, Nassif. E não vai tolerar que um outro pacto se sobreponha ao seu próprio. O sucesso desse pacto está fundado na grande obra das elites que se sucederam no comando desse país desde os tempos da Colônia: a manutenção da grande massa da população na mais completa e profunda ignorância, e incapacidade, portanto, de raciocínio crítico. E discursos vazios, como o da corrupção – que foi o bastante para varrer o PT do governo, sem grandes dificuldades, é também o recurso ainda válido e recorrente, para eleger essa gente. Há, hoje, alguns fatores tópicos, como o linguajar chulo – chulo, mas plenamente acessível ao vulgo – e, ao que parece, os cabelos. Comparem, por exemplo, Jânio Quadros com qualquer dos próceres da Direita mencionados nesse post, e vejam que a única diferença é que Jânio falava português escorreito, e usava cortes de cabelo e penteado clássicos. Sinal dos tempos, talvez, ou simples percepção de que é necessário ser acessível – ou seja, popular – às camadas mais pobres. Nada de novo, somente uma evolução, digamos, cosmética e uma concessão a uma linguagem demótica. Antes, ainda se corria o risco de perder eleições para progressistas; hoje esse risco é mínimo. Lula derrotou Bolsonaro por uma margem tão mínima, que sua eleição pode ser considerada um ponto fora da curva, uma circunstância pontual. Dizem que Trótski construiu um muro novo (o Exército Vermelho) com tijolos velhos (o oficialato czarista). Mas foi na marra, e sem pruridos éticos, o que inclui vantagens e sinecuras a torto e a direito. Quero ver Lula construir um pacto nacional, includente, igualitário, e justo, com esses tijolos podres que constituem esse pacto multifacetado, excludente, discricionário, e iníquo que temos aqui. Da última vez que ele se meteu nesse baile de cobras (elite financeira, militares, classe média, a casta legislativa e judiciária, a burguesia parasitária, etc., etc., etc.), sem perneiras, ganhou 580 dias numa masmorra em Curitiba.

    1. Sim. E algo que não se discute muito, mas os capatazes e corretores sabem e tem sempre fôlego para esperar (ex.3 mandatos e meio para virar a mesa) é que tratamos Lula como um número onde estão jogadas todas as fichas. E esta rodada pode durar no máximo cerca de 6 anos (ou menos).
      Salvo surpresa, o que vem depois? Haddad, se fosse um país sério? Dino, que foi para o STF? A honesta e séria Dilma que foi destroçada por eles quase sem reação? Eu? (hehe)…

  7. Uau, Nassif, sempre muito arguto e preciso. Maravilha sua capacidade de não se submeter a pautas “consagradas” e lançar LUZ sobre o que está nas sombras das articulações políticas de forma cirúrgica. Fenomenal!!!

  8. Só uma discordância: Jair não é galinha assim tão morta. Continua armando provocações, desgastes todo tempo… Não podemos contar com esse “óbito” …

  9. Que a folha sempre teve um pé no golpismo todo mundo sabe. Mas ate então a folha não nutria nenhum amor pelo bolsonaro. Então esse ataque extremamente ofensivo dela tem que colocar os atores políticos para raciocinar. Glenn Greenwald pulou pro lado de lá com afinco e fica se revezando com Elon Musk num ataque ao Alexandre de Moraes, o homem que teve culhoes pra bater no golpismo e enfrentar as ilegalidades para as quais geral fechava os olhos.
    Agora a folha entrou com afinco, claramente. Vejam as manchetes da folha, é bem diferente de jornalismo investigativo, é claramente um ataque buscando acuar o moraes e forçar o stf a uma anistia aos golpistas.
    Quem está por trás disso? Que tipo de financiamento ou promessa de benesses são essas? Há uma força forte, financiadora por trás, e me parece algo maior e mais organizado do que os produtores do agro e empresarios do 08/01. E o pior, uma força obscura e bem secreta que deve estar despejando rios de dinheiro ou de promessas.

  10. Seria ótimo termos um pacto!
    Mas o primeiro passo para resolver um problema é entendê-lo. Vamos lá:
    1) Por que (p.ex.) banqueiros, ruralistas, empresários da fé e a míRdia “assessora” estariam interessados em algum pacto?
    2) Discutimos nossos problemas como eminentemente internos, desprezando o externo, que é a base oculta ou subterrânea (mas emersível quando preciso), a quem não interessa pacto algum, mas a quieta subserviência ou a crise, o caos.
    Quando as coisas estão se arrumando, eles (com sua rede cooptada de capatazes e corretores do item 1) arrumam algum golpe, escândalo, retrocesso, novos controles ou similares (exs.: militares, fernandos, temeres, bozos, mensalōes, “jornadas”, “no” copas, privatarizações, lava-jatos, impeachments e outras interferências, apenas quando “preciso”, para não haver desgastes e exposições desnecessárias que os coloquem na efetiva agenda de discussões.
    Com a possível discrição (às vezes não dá), são os bastidores de nossa peça teatral, desde pelo menos os tempos de GV, ou mesmo do império, lá com Mauá ou a dívida anglo-napoleônica portuguesa.
    Não oferecemos o desgaste e a exposição de um Vietnam, um Iraque, as Coreias, um O.Médio, uma Índia, uma África do Sul, uma Cuba, Guatemala. Somos quase uma Granada…
    Sem defender, mas apenas constatar fatos, os gigantes tipicamente tiveram revoluções: EUA (sim, eles chamam a independência de “revolução americana”), Rússia, China. Índia…
    Canadá e Austrália com seus 3-4 habs/km2, climas desfavoráveis e adesão à uma coroa são exceções, até entendíveis.
    O braZil é o último gigante disponível em tamanho, população/mercado e riquezas de rara quantidade e diversidade.
    Provavelmente até nossos velados controladores se sentem um pouco envergonhados por nós…
    Somos facinhos, facinhos!

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