
O Ministro da Fazenda Fernando Haddad tem uma estratégia clara, em relação à meta de déficit zero. Mantendo a meta, imagina ele, explicita os vazamentos e induz o Congresso a apoiar medidas que segurem a sangria. É uma tática inteligente, se o objetivo final fosse apenas o de corrigir as sangrias.
Mas suponha que a estratégia seja bem sucedida. Como estará o Brasil daqui a um ano?
1. No máximo, a taxa Selic chegará aos 10%.
2. Não haverá nenhuma redução no spread bancário ou mesmo na taxa de juros do cartão de crédito.
3. A queda prevista nas cotações de commodities afetará a receita fiscal, obrigando a contingenciamentos no orçamento.
4. Haverá mais entrada de dólares e o fortalecimento do real, com um único efeito: a valorização, em dólares, dos ativos negociados no mercado.
Está é a lógica das políticas de austeridade.
Abaixo, um organograma simples de como operam as políticas de austeridade.
Elas consistem de dois ingredientes básicos:
1. No plano fiscal, cortes de despesas, influenciando os investimentos públicos (que são essenciais para o dinamismo da economia) e os gastos sociais (essenciais para o bem-estar dos cidadãos.
2. No plano monetário, aumento expressivo das taxas de juros, atraindo dólares e valorizando o real.

A partir daí, há as seguintes consequências sobre a economia real e o mercado.
Economia real
1. Queda dos investimentos públicos, assim como dos gastos sociais, impacta negativamente a atividade produtiva. Produz-se menos, vende-se menos.
2. Taxas de juros elevadas inviabilizam o crédito, prejudicando a atividade interna.
Mercado
1. O enfraquecimento da atividade interna barateia os preços das empresas permitindo os grandes negócios de fusão e aquisição.
2. O fortalecimento do real serve apenas para valorizar o preço dos ativos financeiros (em dólares). Ao mesmo tempo, reduz a competitividade das empresas do setor produtivo, possibilitando os grandes negócios de fusão e aquisição.
Confira a tabela. Determinado ativo vale R$ 10 milhões. Com o dólar a R$ 5,20, será equivalente a US$ 1,9 milhão. Se o real se apreciar, e passar a valer, digamos,. R$ 4,80, só por conta desse movimento, o valor do ativo, em dólares, saltará para U$ 2,1 milhão, uma elevação de 8,33% só por conta da apreciação cambial.

Agora, suponha que o real de aprecie e o valor da empresa despenque.
Entenda a tabela. A empresa vale R$ 10 milhões. Com o dólar a R$ 5,20, o investidor traz US $ 1,9 milhão, converte em reais e durante um ano aplica a uma taxa de 13,25%.
No final de um ano, terá R$ 11,3 milhões. Com taxas elevadas, e sem acesso a crédito, o valor da empresa despenca para R$ 8 milhões. Ele paga e fica com R$ 3,3 milhões de sobra. Como o real se valorizou e o dólar passou a valer R$ 4,80, ele consegue converter para US$ 692 mil dólares. Com isso, obteve um ganho de 36% no período.

Esta é a lógica que está por trás das políticas de austeridade, praticadas no país pelo menos desde a gestão Marcílio Marques Moreira.
Política
O nome política econômica tem mais significados do que supõe nossa vã filosofia. Não existe economia como ciência exata, descolada da economia real e do mundo político.
As políticas de austeridade levam à desmoralização dos partidos tradicionais e ao crescimento da ultradireita, porque não entregam o que a população quer: emprego, bem estar, desenvolvimento, serviços públicos.
É este o desafio de Lula 3.
1. A estratégia de Haddad consiste em definir uma meta quase inalcançável de equilíbrio fiscal.
2. A meta recebe apoio do mercado e da mídia.
3. Com base nesse apoio, ele julga que haverá pressão suficiente sobre o Congresso, para aprovar medidas que reduzam os furos do orçamento; e que o Banco Central passe a derrubar mais rapidamente a taxa Selic.
Com equilíbrio fiscal e Selic mais baixa, haverá uma recuperação da economia, que devolverá a governabilidade ao governo Lula.
Entre a visão ideal do economista e a dura realidade, há um enorme conjunto de setores, impossível de serem medidos antecipadamente.
Vamos às contraindicações dessa estratégia:
1. Acalma o mercado mas não resolve o incêndio que grassa em inúmeros setores da economia devido à falta de crédito e de demanda. Por outro lado, sem a meta de equilíbrio fiscal, o mercado tem instrumentos de pressão, esticando a taxa de juros longa, a desvalorização do real e provocando encarecimento maior dos juros internos. Em outros países, o Banco Central atua tanto no mercado de taxas quanto de câmbio. Por aqui, é tabu.
2. A meta de equilíbrio fiscal atrai dólares, e reduz investimentos públicos. Mais dólares, real mais apreciado e empresas – já em frangalhos – enfrentando o barateamento das importações.
3. Na melhor das hipóteses se chegará com uma Selic a 10% no final do próximo ano, e sem se tocar nos spreads bancários. Não se pode esperar bom senso de Roberto Campos Neto, presidente do BC.
4. Na avaliação da Fazenda, depois das três primeiras etapas, a economia voltará a crescer. Mesmo em uma hipótese otimista, não a tempo de salvar as eleições de 2024, cruciais para manter unida à frente democrática. Na pior das hipóteses, a economia se agrava. Em qualquer delas, o governo chegará ao segundo ano sem cacife político junto ao eleitorado.

No fundo, a arte da política será saber dosar o enfrentamento ao Congresso e ao mercado, não tanto que leve à ruptura, mas não tão pouco que sugira a rendição.
E tem-se um presidente da República que parece ter perdido a fé na própria intuição, após o golpe que levou ao impeachment e à sua prisão. A eleição de Milei é um alerta relevante nesses tempos de obscurantismo e imprevisibilidade.
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No primeiro governo Lula, o governo fez superávit primário de 4%. Comparado com o equilíbrio atual, está claro que o gasto fiscal será 4% do PIB maior que então. Considerando que o PIB real cresceu 44% no período, pode-se dizer que o gasto a mais atual representa 6% do PIB do período 2003-2006. Onde está a política de austeridade?
A lógica do arcabouço fiscal é a de que os gastos públicos poderão crescer acompanhando o crescimento da receita. Só os mal entendedores ainda não perceberam que todo o esforço progressista agora deve ser no sentido de aumentar a carga tributária. Haddad evita a expressão por saber que os “mercadeiros” ficam assustados, mas quando fala em recuperação de buracos da arrecadação, tecnicamente está falando em aumento da carga tributária.
É um erro acusar a política econômica de Haddad, tem alguns lunáticos que até o chamam de neoliberal. A política é a do Lula. É a única que tem alguma chance de sucesso. Evidentemente Haddad será o sucessor de Lula, já que o plano deve funcionar.
O Haddad como Ministro da Fazenda repete sua gestão à frente da Prefeitura. Só tem olhos para Faria Lima e esquece a Periferia.
O Haddad e sua equipe entendem pouco da economia real. Infelizmente, as alternativas mais à esquerda estão cheias de preconceitos ideológicos. Parece que com eles, a discussão se resume em taxar super ricos e economia verde.
O Mantega que parecia as vezes perdido (lembro dos seus artigos sobre a substituição tributária e como Serra boicotava a redução de IPI dos carros e Mantega demorou entender), era muito mais sensível a questão do povo e da necessidade de alavancar uma economia estagnada.
Quando o Haddad e a equipe boicotaram o programa de redução de IPI para autos este ano, desisti.
Fui executivo do Varejo por duas décadas (logística, qualidade, produtos e comercial) e sempre tem aquele “profissional” com uma visão apenas de custos. Aquele Diretor Financeiro (ou VP e agora CFO) que não entende que desconto em produtos (promoções) diminuem a margem percentual, mas em compensação crescem a margem em volume.
A equipe do Haddad é este CFO sem visão, matou o programa em duas ações, estabelecer “verba” de desconto e transferir a maior parte do valor para Caminhões e Ônibus.
Eles não tiveram a sensibilidade de entender, que o objetivo não era vender meia dúzia de carros a mais, mas sim ser uma primeira alavanca da economia real.
Falando sobre “verba” para desconto. Quando você reduz um preço, neste caso um imposto, o objetivo é vender mais unidades e compensar a perda individual pelo ganho coletivo.
Exemplo: Vendemos 1000 unidades de um produto por R$ 100,00, decidimos fazer uma promoção de 10% por um mês, se as vendas crescerem aproximadamente 12% já tivemos ganhos. O que a equipe do Haddad fez? Temos R$ 10,00 de desconto por produto, você tem uma “verba” de R$ 11 mil. Passou este valor, acabou a promoção. Não tem sentido algum. Isso somente se aplica se for para desovar estoques. Mas, a redução de IPI tinha como objetivo auxiliar na alavancagem da economia.
Quando estabeleceram uma verba não somente mataram a campanha, como jogaram dinheiro fora. Virou apenas uma ferramenta mal-usada de marketing para o Governo divulgar um programa.
E tinha como dar certo? Sim.
O que a equipe dele não pensou? É que o programa necessariamente não traria uma redução de arrecadação, mas poderia até aumentar a arrecadação.
Pq não pensaram assim? Pq o Governo Dilma errou e a Dilma erroneamente (para não admitir os seus outros grandes erros) passou a culpar todas as isenções fiscais (que ela concedeu) pelos problemas econômicos que teve. O Governo Dilma se perdeu nos benefícios fiscais, manteve programas que davam desconto de 1%. Um valor tão baixo, não serve para alavancar economia, só serve para perda de arrecadação e aumento da margem do negócio beneficiado. A isenção não é o problema, economias em crises necessitam de incentivos, mas se não for bem conduzido, o programa não gera benefícios e vira apenas perda de arrecadação.
Mas, o programa de redução de IPI de carros em 2023, tinha um potencial gigante de alavancar a economia e aumentar a arrecadação simultaneamente. Um segmento da economia que vendeu no primeiro trimestre aproximadamente 50% menos unidades se comparado com 2019 (último ano antes pandemia).
Ao reduzir o IPI, você perde arrecadação de IPI por carro vendido, mas para cada venda adicional de carro você diminui esta perda. Apenas para ficar nos tributos federais, a média das tributações é de 17% (em carros beneficiados), como o desconto mais alto chegou a 11% (mas tinha descontos de apenas 1,5%), vou considerar uma média alta 8,5%. Com estes números básicos e sem considerar outros tributos. Se as vendas voltassem ao patamar de 2019 (algo factível, pois, em 2019 não tinha incentivos), o governo já não teria perda de arrecadação com o programa. Se somarmos a isto, o efeito que ao chamar para comprar um carro em promoção, você contribui para aumentar também as vendas dos carros sem desconto, o efeito de aumento de tributação é ainda maior.
Em resumo, se o programa não tivesse sido cortado pela Fazenda, o Governo alavancaria a economia e aumentaria a arrecadação. Quando a burrice da Fazenda estabeleceu um teto para o desconto, ela não estabeleceu um teto de descontos, ela estabeleceu um teto de arrecadação.
O outro ponto de boicote, foi tirar parte da verba e destinar para caminhões o ônibus. Isto não foi somente a pá de cal, mas foi a elitização do programa. Nem preciso explicar que compradores de Ônibus são apenas empresas (aliás nenhuma na categoria micro, ou optante do Simples). Na crise do setor de transporte, dificilmente o programa foi utilizado por caminhoneiros autônomos (destruídos pelo preço do Diesel e pela queda da demanda). Mas, o pior, caminhões e ônibus contribuem muito pouco para alavancar a economia. A Industria de autopeças destas categorias é micro, se comparada à de automóveis de passeio. O mercado de usados também. Quando falamos de automóveis de passeio, 99% dos municípios do Brasil terão uma ou mais lojas de carros (aliás dezenas e até centenas na maioria das cidades brasileiras) que seriam afetadas positivamente pelo mercado se movimentando (quando vende carro novo, se vende mais carros usados). Mas, o Haddad dedicou 2/3 do programa para Caminhões e Ônibus e tiveram a coragem de dizer que eram por questões ecológicas.
Às vezes, eu acho que o Haddad na Fazenda é um José Serra honesto e mais inteligente, mas na essência com pensamentos e sensibilidades semelhantes.