Rio Grande e o grande desafio da reconstrução da democracia, por Luís Nassif

É preciso devolver ao país o sonho do pacto nacional de reconstrução, sabendo que uma falha será explorada vilmente pela turba bolsonarista.

Repito o que escrevi no “Xadrez do segundo tempo de 8 de janeiro e o New Deal de Lula“. O movimento de fakenews atual, em torno da tragédia do Rio Grande do Sul, emula em tudo a conspirata de 8 de janeiro.

  1. Bolsonaro esconde-se em um bunker. Em 2022, em Miami; agora, no hospital.
  2. Há um movimento articulado de redes, tentando desqualificar a ação do governo na tragédia, da mesma maneira com que tentaram fazer em relação às urnas eletrônicas.
  3. Junto, o discurso de ódio articulado por influenciadores, dos quais o mais ostensivo é um tal de Pablo Marçal, que parte para a agressão ostensiva contra os poderes, nitidamente esperando um confronto.

Todo esse alvoroço do bolsonarismo tem uma razão de ser: uma tragédia, da proporção da gaúcha, permitirá a consolidação de um pacto de solidariedade nacional, dependendo da maneira como o governo se conduzir nesse episódio.

O exemplo óbvio é o New Deal, de Franklin Delano Roosevelt, que salvou os Estados Unidos – e a própria democracia – após a crise de 1929.

No artigo detalhamos aspectos centrais do plano. Os pontos centrais foram a constituição de vários comitês para organizar o plano de ação e de gastos do governo; o foco central na questão social e na construção da solidariedade.

É curiosa a comparação da tragédia gaúcha com aquela produzida pelo furacão Katrina nos Estados Unidos.

O furacão Katrina inundou uma área superior a 225.000 km², afetando severamente os estados da Luisiana, Mississipi e Alabama. As cidades de Nova Orleans e Gulfport sofreram os danos mais extensos, com grande parte de suas áreas submersas sob as águas da inundação.

Calcula-se que houve o deslocamento de mais de 1 milhão de pessoas, saindo de suas casas e abrigando-se em outras regiões. O custo total ficou entre US$ 100 e US$ 200 bilhões, representado pela reconstrução de casas, empresas, estradas e pontes, além dos esforços humanitários.

A reconstrução da infraestrutura básica, energia e água potável, foi completada nos primeiros meses. Mas a reconstrução de casas, empresas e comunidades foi um processo mais lento, exigindo um esforço conjunto de governos, organizações sem fins lucrativos e moradores locais.

Assim como em Porto Alegre, a principal causa do desastre foram as falhas nos sistemas de diques de contenção de Nova Orleans. Os maiores afetados foram as comunidades de baixa renda.

Ainda não há um cálculo da extensão da área alagada no Rio Grande do Sul. Mas o número oficial de famílias desabrigadas é de 537.380. Mais de 81.285 pessoas estão em abrigos temporários espalhados pelo estado.

Há um mar de possibilidades à frente, se houver planejamento, determinação política e foco na responsabilidade social e ambiental.

No plano fiscal, há uma série de medidas possíveis, já adotadas em outras épocas, como empréstimo compoulsório, CPMF para financiar a transição ambiental do país, além das aguardadas tributações sobre renda e patrimônio. Há ainda os recursos orçamentários disponíveis.

Mas o grande desafio será o do planejamento da reconstrução do estado. Será demorado, custoso, polêmico e com o gabinete do ódio explorando maciçamente as dificuldades de atuação oficial na região.

Administrar esse desastre será uma questão de vida ou morte para a democracia brasileira. Um fracasso do governo abrirá espaço para a volta do bolsonarismo. Daí a responsabilidade de Lula, de espelhar-se no planejamento do New Deal, cercar-se de gestores competentes e valer-se da criatividade e da ousadia para o redesenho do Rio Grande do Sul.

Tem que estimular com eficiência o sentimento de solidariedade que brotou em todo país; articular adequadamente as parcerias com o estado e os municípios; envolver o setor privado, especialmente o setor bancário – puxado pelo Banco do Brasil e BNDES. E, principalmente, devolver ao país o sonho do grande pacto nacional de reconstrução, sabendo que qualquer falha será explorada vilmente pela turba bolsonarista.

14 Comentários

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  1. “Assim como em Porto Alegre, a principal causa do desastre foram as falhas nos sistemas de diques de contenção de Nova Orleans. Os maiores afetados foram as comunidades de baixa renda.”

    Prezado Nassif, coloquei em outra postagem e repito: ante o volume de água, como acreditar no dito acima? Ainda não li meia reportagem em que hidrólogos e engenheiros mostrem que simplesmente uma melhor manutenção dos diques seria suficiente. Há cidades submersas pelo interior.Diques em todas elas?
    Em tempo, não estou defendendo nem acusando autoridades das três esferas.
    Só para lembrar. Rio Branco teve inundação e nada foi dito sobre falhas em medidas mitigadoras.

    1. Graças à enchente de 1941, Porto Alegre tem (ou melhor, tinha) um sistema eficiente de contenção de enchentes. Mas como as demais cidades não tem, vc acha que POA deve se equiparar a elas? Aliás, foi isso que o prefeito e governador conseguiram.

      Além do mais, POA representa um exutório de 1/3 do RS, de toda a bacia hidrográfica do Rio Jacuí, o que torna extremamente necessário prevenir enchentes que afetam uma população numerosa, superior a 1 milhão de habitantes.

    2. Evandro, os diques de P.A. foram concebidos para aguentar cheia de 6m de água. Com menos que isso ocorreu o transbordamento. Por quê? Certamente por falta de manutenção preventiva desses sistemas. As bombas que já deveriam ser blindadas, pararam com a água invadido. Então, dizer que faltou manutenção para que P.A não fosse invadida pelas águas do rio Gaíba (que de lago, só o nome para facilitar a exploração imobiliária).

      1. Vou colocar o que está em vários sites informativos. Ante o volume de água eu simplesmente acredito que cabe uma análise um pouco mais técnica sobre o ocorrido.Se os diques foram concebidos para suportar tal volume de água, estou surpreso. E esclareço que sou leigo.

        Jornal O Sul

        As fortes chuvas que castigam o território gaúcho levaram 14,2 trilhões de litros de água para o Guaíba, em Porto Alegre, entre os dias 1º e 7 deste mês, segundo o IPH (Instituto de Pesquisas Hidráulicas) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), causando o transbordamento do lago.

        O volume equivale a quase metade do reservatório da usina de Itaipu, segunda maior hidrelétrica geradora de energia do mundo, que tem 29 trilhões de litros de água e praticamente o triplo do tamanho do Guaíba (1.350 km² ante 496 km²).

        1. Falamos a mesma coisa de maneiras diversas. POA recebe muita água, vinda de 1/3 da área do RS, a bacia do Jacuí. Por isso é tão importante um sistema contra enchentes, criado na década de 60 por causa da enchente de 1941 e que foi depredado por administrações neoliberiais.

  2. Os problemas são realmente grandes, Nassif.
    A imprensa segue defendendo a austeridade fiscal e se recusando a admitir que o Mercado não cuidará dos interesses das vítimas da tragédia.
    O Estado não tem dinheiro suficiente para enfrentar a enormidade da catástrofe e para estimular uma nova industrialização do país.
    Os bolsonaristas espalham Fake News tanto para enfraquecer o governo e ganham dinheiro fazendo isso. Eles se aproveitam do modelo de negócios das Big Techs, as quais obviamente não tem interesse nenhum em comprometer seus “negócios como de costume”. Os algoritmos de destruição em massa farão um estrago danado ao país concentrando poder e renda nas mãos dos bolsonaristas em detrimento das vítimas da catástrofe.
    Os especuladores imobiliários certamente tentarão se aproveitar da vulnerabilidade das famílias afetadas pela inundação. O mesmo pode ser dito dos bancos pequenos e grandes que cobram juros extorsivos e não tem nenhum motivo (ou obrigação legal) de praticar juros compatíveis com as necessidades impostas por uma calamidade pública.
    Dominados pelas bancadas da bandidagem neoliberal, a Câmara e o Senado continuarão a exigir que o governo combata a catástrofe privando-o de recursos e mecanismos para coagir o Mercado a não se aproveitar da tragédia amplificando-a depois que o nível da água descer.
    As imagens da tragédia, compartilhadas e comentadas frenética e exaustivamente nas plataformas de internet, estão gerando lucro adicional para os barões dos dados. Mas eles não se comprometerão em doar às vítimas uma parte desse dinheiro oriundo de adds acrescentados às fotos, vídeos e comentários do que ocorreu no Rio Grande do Sul. A legislação garante direitos demais às plataformas e nenhum aos prejudicados cujas imagens são exploradas economicamente.
    O Ministério Público de a Justiça do RS se fazem de mortas, protegendo o governador que deixou passar a boiada da flexibilização das regras ambientais e deixou de investir em obras de prevenção de enchentes.

  3. Quer dizer que a saída é a criação de mais impostos? E o fundo partidário? Fundo eleitoral? E a taxação de grandes fortunas, com previsibilidade à Carta Política (art. 153, VII, de “competência” da “União”) que, de tão emendada, tornou-se um Frankenstein, perdeu o efeito do soneto original e hoje serve apenas para criar mais penduricalhos aos podres políticos que a usurpam? O art. 192 da Carta previa a criação do crime de usura e limitava os juros reais a 12% ao ano, emendada com aval do partido dos trabalhadores.

    https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=EMC&numero=40&ano=2003&ato=1c7oXTE1EeRpWTf41

  4. Reconstruir as cidades em locais fora da área de enchentes. Pq os fenômenos metereologicos vão piorar daqui pr frente. Desfazer os muros de contenção em P Alegre e a represa no Rio Jacui, deixar os rios saírem pro mar.

  5. Engraçado… nos últimos anos a Bahia ficou embaixo d´água, vários estados do Nordeste, e a Amazônia vive de seca em super enchentes.

    Uai, por que tanta comoção com o RS?

    Foi uma tragédia? Claro, muito triste, cujos estragos demandam uma parcela de esforço conjunto do Governo Federal.

    Mas por que essa comoção toda, eu pergunto, com propostas até de novos impostos, como se o RS fosse o ponto de partida para a “reconstrução nacional”.

    Epa, tem que combinar com os russos, quer dizer, combinar com aqueles que se acham mais alemães (sim, tem cidade por lá que fala mais alemão que português), italianos, poloneses, e etc.

    Até uns meses atrás o ethos gaúcho era separatista e xenófobo, agora viraram brasileiros?

    Milagre ou opotunismo?

    New Deal?

    Com quais presos vamos arrumar mão de obra gratuita (ou quase) para tocar as obras?

    Com que guerra vamos expandir o ciclo de desenvolvimento, pois o New Deal teve a WW II?

    Em 1929, os EUA já eram os maiores produtores industriais do planeta.

    New Deal para o Brasil? rerererere, piada né?

    1. Lembrando aqui a enchente de 79. Comentei acima que Rio Branco teve duas enchentes em curto espaço de tempo. Não sei como se viraram.Capital é capital. Sempre haverá um barulho maior.
      Recuperar, reconstruir? Década. De onde sairá o dinheiro e mão de obra? Não consigo imaginar.
      Mas tenho quase certeza que projeto urbanístico não vai ter.

  6. “E no Rio Grande do Sul, o povo todo chora não é porque a Madonna foi embora, ela fez uma grande doação. Empatia é ter coração, mas é que a chuva virou enchente e essa gente perdeu suas paredes, seus parentes, sua história. A fé em Deus foi afogada com bebês, cachorros e sonhos em toneladas”. – Juliana Didone teve que se desculpar por essa mensagem tão bela. BRECHT diria:

    Aos que vierem depois de nós
    I
    Realmente, vivemos tempos sombrios!
    A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
    denota insensibilidade. Aquele que ri
    ainda não recebeu a terrível notícia
    que está para chegar.

    Que tempos são estes, em que
    é quase um delito
    falar de coisas inocentes.
    Pois implica silenciar tantos horrores!
    Esse que cruza tranqüilamente a rua
    não poderá jamais ser encontrado
    pelos amigos que precisam de ajuda?
    overlay-clevercloseLogo

    É certo: ganho o meu pão ainda,
    Mas acreditai-me: é pura casualidade.
    Nada do que faço justifica
    que eu possa comer até fartar-me.
    Por enquanto as coisas me correm bem
    (se a sorte me abandonar estou perdido).
    E dizem-me: “Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!”
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    Mas como posso comer e beber,
    se ao faminto arrebato o que como,
    se o copo de água falta ao sedento?
    E todavia continuo comendo e bebendo.

    Também gostaria de ser um sábio.
    Os livros antigos nos falam da sabedoria:
    é quedar-se afastado das lutas do mundo
    e, sem temores,
    deixar correr o breve tempo. Mas
    evitar a violência,
    retribuir o mal com o bem,
    não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
    é o que chamam sabedoria.
    E eu não posso fazê-lo. Realmente,
    vivemos tempos sombrios.

    II
    Para as cidades vim em tempos de desordem,
    quando reinava a fome.
    Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
    e indignei-me com eles.
    Assim passou o tempo
    que me foi concedido na terra.

    Comi o meu pão em meio às batalhas.
    Deitei-me para dormir entre os assassinos.
    Do amor me ocupei descuidadamente
    e não tive paciência com a Natureza.
    Assim passou o tempo
    que me foi concedido na terra.

    No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
    A palavra traiu-me ante o verdugo.
    Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
    Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
    Assim passou o tempo
    que me foi concedido na terra.

    As forças eram escassas. E a meta
    achava-se muito distante.
    Pude divisá-la claramente,
    ainda quando parecia, para mim, inatingível.
    Assim passou o tempo
    que me foi concedido na terra.

    III
    Vós, que surgireis da maré
    em que perecemos,
    lembrai-vos também,
    quando falardes das nossas fraquezas,
    lembrai-vos dos tempos sombrios
    de que pudestes escapar.

    Íamos, com efeito,
    mudando mais freqüentemente de país
    do que de sapatos,
    através das lutas de classes,
    desesperados,
    quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

    E, contudo, sabemos
    que também o ódio contra a baixeza
    endurece a voz. Ah, os que quisemos
    preparar terreno para a bondade
    não pudemos ser bons.
    Vós, porém, quando chegar o momento
    em que o homem seja bom para o homem,
    lembrai-vos de nós
    com indulgência.

  7. Segundo comentários que se houvem vez por outra por aqui, o gov de SC mantém reunióes regulares com empresários, Véio é presença constante, deputaods locais e senadores, alguns do RS, cujo assunto principal é. – derrubar o Lula –

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