Um Banco Central que não comanda: é comandado, por Luis Nassif

A única maneira de compatibilizar inflação e crescimento é o controle de capitais

A consolidação de teorias econômicas depende de alguns fatores. O primeiro deles é a quem serve a teoria, já que a economia é um exercício de escolha de vencedores e perdedores. O segundo é o contingente de economistas e jornalistas econômicos que fazem nome em torno dos princípios da teoria em vigor.

É mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha que um economista rever a teoria que o consagrou, ainda que a realidade desminta diariamente suas conclusões. 

No caso das metas inflacionárias e das teorias monetárias, criou-se um caso concreto de realidade paralela, uma teoria complexa, cheia de fórmulas, conclusões taxativas e nenhum vínculo com a realidade. Não há capacidade de observação empírica. Ou até existe, mas ignora-se tudo que pode desmontar as teorias defendidas. Afinal, foi graças a elas que economistas de mercado fizeram sua reputação, acertaram os resultados da planilha do Banco Central – embora raramente ambas as planilhas, a do BC e do mercado, acerte o resultado da inflação.

Todo esse aparato teórico, todas as equações, baseiam-se em uma ferramenta de controle da inflação tão antiga quanto as sanguessugas contra a febre: a âncora cambial. É uma mecanismo rústico, primário, mas revestido do creme de leite de fetiches, chamados de “taxa neutra de juros”, “PIB potencial” e outras planilhices.

Inflação é um fenômeno com vários ingredientes: choques de demanda, choques de oferta, choques externos, quebra de safras, crises setoriais. Há um conjunto grande de instrumentos para combatê-la, como estoques reguladores, importações especiais, políticas setoriais. Para cada causa, um remédio, de tal maneira que as taxas de juros servem exclusivamente para combater a inflação de demanda, quando a economia está aquecida e a alta de preços espraia-se por todos os produtos.

A política monetária em vigor joga tudo nas costas dos juros. Infecção? Juros. Lumbago? Juros. E a razão é óbvia.

Na inflação, há perdas e ganhos. Mas, em circunstâncias normais, o capital financeiro perde, assim como os credores, devido à perda de valor da moeda. Qual o grande arranjo da política monetária, especialmente das metas inflacionárias.

Primeiro, permitindo ao mercado definir as expectativas de inflação e da taxa de juros longa. Em países civilizados, o Banco Central atua nos mercados de juros, impedindo sua manipulação pelos grandes players. Aqui, eles chegam à vontade. O mercado define o que espera da inflação, define a taxa de juros longa, e o BC vai atrás, sancionando todos os movimentos especulativos.

O segundo passo é trabalhar com o conceito da tal taxa de juros neutra – aquela que impediria a alta da inflação. Hoje em dia, o BC considera a taxa de juros neutra em 4% – isto é, seja qual for a inflação, a taxa Selic tem que ser, no mínimo, quatro pontos acima da inflação. Ou seja, as expectativas de inflação, de taxa de juros longa e de taxa de juros neutra fica nas mãos do mercado. Quanto maior a taxa, maior o ganho, maior a dívida pública, menor o crescimento econômico, menor o emprego, menor a receita fiscal.

No Valor de ontem, André Lara Rezende expõe de maneira crua o terrorismo fiscal, utilizado pelo mercado e pelo BC para garantir o seu poder.

Não tem a menor lógica a manutenção desse modelo que deixa totalmente em mãos do mercado o controle de variáveis que impactam diretamente o orçamento público.

Vai levar algum tempo para cair a ficha de que a única maneira de compatibilizar inflação e crescimento é o controle de capitais, o fim da dança de capitais gafanhoto.

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Luis Nassif

22 Comentários

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  1. “É mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha que um economista rever a teoria que o consagrou, ainda que a realidade desminta diariamente suas conclusões.”
    John Kenneth Galbrait me salvou de ser um economista frustrado ou pior ainda: um pistoleiro intelectual.

  2. O dinheiro é uma propriedade do Estado. Seja que Estado for. Um vale que certifica ter o seu portador aquele quinhão nas riquezas deste mesmo Estado. Logo, o comando é do Governo sobre como agir com ele. A agiotagem, oficial ou não sempre DEPENDE e DEPENDERÁ do Governo no controle do trevoso mundo da usura e da ganância. E, se o Governo trastejar, vão todos, agiotas, sociedade e governo pro inferno.

  3. Sei que é picuinha, que em nada desmerece as sempre brilhantes análises do brilhante articulista, mas, não é a primeira vez que o título dá margem a interpretação incorreta. Mesmo com a vírgula, pode-se entender que o BC é comandado por Luis Nassif, o que, infelizmente, não é a verdade.

  4. Banco Central não comanda, é comandado. Lembro-me certa vez de ter sido ridicularizado por André Araújo, aqui mesmo no GGN, por ter comentado, em um post dele, que bancos centrais eram, na verdade, entidades privadas que atendiam o interesse de seus controladores, os bancos privados. E agora o Nassif afirma que o BC não comanda a política monetária do país, apenas segue os ditames do Mercado, ou seja, dos bancos privados. Tá bom – até alguém que pouco ou nada entende de economia, como eu, é capaz de perceber isso. Só não creio que, como diz o Nassif, lá fora, os bancos centrais se preocupem exclusivamente em impedir as manipulações dos grandes players. Pode ser que, até certo ponto, eles resguardem o interesse da maioria dos investidores pequenos, e, até mesmo, a credibilidade do sistema como um todo. Mas isso se dá, certamente, por um único motivo: tudo que eles lá não podem fazer – por ilegal, não-ético, ou pura safadeza, mesmo – eles fazem aqui, e em outros países da mesma laia do Brasil, com seus juros escorchantes, desregulação total e irrestrita, enfim, países que funcionam como pernoites para cevar a fortuna de capitalistas mundo afora. E o porteiro desses pernoites é o BC, que garante a satisfação de seus clientes – o sistema financeiro internacional – e está se lixando para o resto.
    Quanto aos jornalistas e políticos, repito o que comentei ontem: são moleques-de-recado. E finalizo com meu bordão: Não há fraude no sistema financeiro. O sistema financeiro é, em si, uma fraude.

  5. 01- Antes de tudo e mais nada: o Estado Nacional tem que recuperar duas competências exclusivas: tributar e emitir moeda…Se não assumir isso no início do debate, nem precisa ir mais longe, perda de tempo… Não há chance, porque estamos ainda na 1ª revolução industrial ou se muito, na 2ª, de incluir nossa pauta de produtos para competir com valor agregado a balança comercial, e mais, que seja capaz de gerar uma demanda interna, poupança, enfim, uma escala e dinâmica capitalista no país…este tempo passou…Restou apenas a venda de quitandices para adquirir miçangas, como já falei em outros comentários, e para isso, pilotamos um paradoxo que faz o país parecer um carro com duas frentes, com dois volantes e cada qual voltada para um lado…Tem que depreciar a moeda para vender (quitandas, como soja), mas não pode irrigar a economia com essa moeda da balança comercial, porque senão gera demanda, e demanda requer produtos (miçangas) de fora, inflacionados, aumentando a depreciação do valor de face da moeda, que tem quer ser compensada com os juros que retraem mais e mais a capacidade dinâmica da economia, que assim fica dependente de tudo, de dinheiro de fora, de dentro, e viciada em juros… Como se quebra este moto perpétuo, esse cachorro atrás do rabo? Tributos para redistribuir a renda e a riqueza gerada pelos fluxos dos dinheiros, hoje concentrados, e emissão de moedas para forçar quem tem o dinheiro (a banca) a baratear o custo dele, senão vai ficar todo mundo com papel sem valor nas mãos (moeda nacional)…É o começo, porque falar muito sobre isso cansa, e eu estou fazendo de graça…

  6. Se a taxa de juros neutra é de 4% e a expectativa de inflação 5,79% (o que colocaria a taxa de juros em 9,79%) nada explica a taxa selic estar em 13,75%!! Esse pessoal não consegue mais criar elucubrações teóricas para manter essas palhaçadas!!

  7. Dizem-se “Independente”; não passam de lacaios dos rentistas, obcecados pelo lucro e os juros. Podem beber sangue! E a pose: são a boçalidade encarnada – às vezes flagrados roubando como se viu nas Americanas.

  8. Eu diria que o nosso quadro atual, como em quase todas as nações pobres, poderia ser chamada de Vaca Louca Holandesa: estagflação tocada a juros altos…a moeda foi extinta, o que existe hoje é juros de um dinheiro que não existe…é como se tocássemos as economias com sombras…então também podemos chamar estas economias hoje de Sistemas de Mitos das Cavernas…

  9. A taxa de juros vai estar errada sempre, resta descobrir para quem, tenho uma teoria você coloca qualquer um, seja BC, Fazenda, BNDES etc, a pessoa publica suas medidas, no dia seguinte a mídia vai dizer que está errado, alguns poucos dizem o que acham correto, você pega estas medidas faz uma média e implementa.
    Depois é só aguardar o desastre, mas tem sido desastre desde Mem de Sá …

  10. Bom dia Nassif! Concordo in totum com a análise exposta. Só acrescentaria que uma vez no controle do Banco Central, a mera redução de taxa de juros será insuficiente para reorganizar o quadro econômico, dado que as taxas altas de juros, na verdade têm como objetivo atrair dólar de curto prazo para apreciar o real e, assim, por vias transversas controlar artificialmente a inflação.
    Com o fim dessa brincadeira, o fluxo de capital faria o caminho inverso com o consequente aumento da vulnerabilidade externa do país.
    Portanto, caso o governo compre essa briga e vença, é necessário fechar a conta de capital do país, antes de poder mexer nos juros.

  11. Poisé “seo” Nassif, o nome disso todos sabem, os hipócritas do bc, do Copom, os penas de aluguel da mídia canalha vendida ao rentismo abutre, até o senhor sabe, só o povo roubado no seu futuro não sabe e não o deixam saber, Lula tem que falar menos economês e dar nomes aos bois, numa linguagem que o povo entenda essa apropriação descarada de recursos publicos que já foi longe demais. E seria bom limpar os comentários, antes haviam abelhas, com a familicia chegaram as moscas varejeiras…

  12. Eu não entendo poha nenhuma dessa zorra de números para explicar o inexplicável: o povo pobre precisa comer, ter condições mínimas de vida digna. Lula já provou ser a pessoa para dar condições ao povo de ter dignidade, então quem ele escolher prá ver isso aí, temos eleitos, ponto final.

  13. O presidente do BC ainda não foi enjaulado? Ao que parece, aquele bolsonarista fanático autorizou operações irregulares envolvendo toneladas de ouro roubadas ilegalmente dos territórios indígenas. Quem incentiva o crime organizado e facilita o lucro extraído ao custo de um genocídio não deve ser tratado como criminoso?

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