OPEB - Observatório da Política Externa e Inserção Internacional do Brasil
O Observatório da Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB) foi criado no início de 2019 por um grupo de professores e alunos ligados ao curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), com o objetivo de acompanhar e analisar de forma sistemática a nova dinâmica internacional do Brasil.

A Política Externa Brasileira em meio ao Acordo Mercosul-UE, por Renato Souza e Bárbara Koboyama

Entre blocos e interesses: A Política Externa Brasileira em meio ao Acordo Mercosul-União Europeia

por Renato Souza e Bárbara Koboyama

O novo acordo Mercosul-União Europeia

O acordo Mercosul-União Europeia representa uma negociação bilateral com a finalidade de integrar os blocos. A discussão se desenvolveu no final do século XX e tem como aspecto central o livre comércio entre os blocos. As primeiras negociações tiveram início em 1999, sendo confirmado a pretensão de fechar o acordo em 2019 e em 6 de dezembro de 2024 foram encerradas as negociações, destacando os assuntos pendentes.

A fase atual do acordo está em uma revisão jurídica e tradução para os idiomas oficiais. Depois dessa etapa, o acordo passa pela assinatura, internalização e ratificação no processo interno de cada bloco para entrar em vigor. A tratativa vem levando décadas devido aos interesses entre os países dos blocos e os respectivos interesses de cada setor. Apesar da proposta do acordo impulsionar o comércio, há uma relação de assimetria entre os blocos no que tange a produção da União Europeia e do Mercosul.

Essa questão pode ser analisada pelos dados de exportação e importação da relação comercial entre Brasil e União Europeia. Enquanto a União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, perdendo apenas para China, o Brasil é o décimo primeiro maior parceiro comercial da União Europeia. Os produtos de maior relevância de exportação brasileira são produtos agrícolas, sendo o maior exportador desse setor para a UE. A importação do Brasil consiste em produtos de maquinários, químicos e de transporte.

Embora os dados apresentem uma estimativa de melhoria de 0,34% do PIB, aumento de 0,76% dos investimentos, impacto positivo nas taxas de importação e exportação, entre outros indicadores macroeconômicos, ainda existe uma análise em relação aos setores que estão sendo favorecidos. A posição dos países da América do Sul como produtores agrícolas têm a tendência de se manter e a importação de produtos industrializados evita o incentivo ao desenvolvimento da indústria nacional.

O país  membro da União Europeia que mais se mostra a favor do acordo é a Alemanha devido à abertura do mercado e a França é um dos países que mais tem se oposto às negociações desde 2019. A oposição francesa decorre da competição entre o setor agrário francês e a produção agrícola do Mercosul. As leis de cada país viabilizam a quantidade e preço de produção, nessa contraposição há uma desvantagem nesse setor para a França e o posicionamento francês se torna protecionista.

Em 2019, as negociações chegaram a uma proposta para fechar o acordo. Nesse período foi discutido quais seriam os principais aspectos e, atualmente, é chamada essa fase de ‘acordo político’. No entanto, as questões climáticas no Brasil durante o governo Bolsonaro levaram ao congelamento das negociações. O acordo foi retomado no governo Lula entre 2023 e 2024 após a discussão e mudanças de alguns pontos técnicos, cláusula democrática e outros voltados às especificidades do interesse da política externa.

O Brasil está de volta?

Quando o atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, voltou a ocupar o cargo de presidente da república após as eleições de 2022, em seu primeiro pronunciamento após a eleição fez questão de dizer “O Brasil está de volta”. Essa frase estar presente no primeiro pronunciamento posterior ao resultado das urnas carrega um simbolismo importante do como o governo do petista irá buscar novamente um protagonismo internacional, ao contrário do que o governo anterior pensava. No entanto, desde o início do governo em janeiro de 2023, a diplomacia brasileira encontrou muitas dificuldades nesse processo de reinserção internacional, e obteve distintas negativas em suas aspirações, como nos casos: Guerra na Ucrânia, Guerra na Palestina e Eleições na Venezuela

A posição do Brasil em relação à Guerra na Ucrânia deixou inúmeros ruídos acerca qual é a posição do Brasil no conflito. Esses ruídos acerca da posição brasileira vão além do fato da troca de presidentes durante o meio do conflito. Quando o conflito iniciou em 2022, o Brasil estava sob o mandato de Jair Bolsonaro, que adotou uma política de neutralidade, porém em discurso na ONU criticou as sanções econômicas colocadas contra a Rússia em decorrência da guerra. Nesse período foi feito um apelo pelo cessar fogo sem colocar nenhuma proposta concreta na mesa de fim do conflito.

Com a troca de mandatário no Executivo federal em 2023, a posição de neutralidade do Brasil em relação ao conflito se manteve, porém os ruídos acerca desta neutralidade continuaram. Lula por diversas vezes falou e buscou uma articulação internacional para solucionar o conflito, no entanto, algumas rusgas com o mandatário ucraniano, Volodymyr Zelensky, surgiram pelo fato do Brasil se manter neutro e não enviar ajuda militar aos ucranianos nos esforços de guerra.

Ao contrário da Guerra na Ucrânia, a Guerra na Palestina começou durante o mandato do presidente Lula, assim, não houve dissonância entre a posição brasileira ao longo do conflito. O ataque realizado pelo Hamas, no dia 7 de outubro de 2023, coincidiu com a presidência do Brasil no conselho de segurança da ONU. Por estar nesta posição foi elaborada uma proposta de resolução para a guerra, onde pedia a soltura dos reféns, afirma a importância da ONU para mediação e criação de corredores humanitários, no entanto, os Estados Unidos, maior apoiador de Israel no conflito, vetaram a proposta utilizando de seu poder de ser membro permanente com capacidade de vetar qualquer proposta de forma unilateral.

A posição histórica do Brasil dentro da América Latina é de se colocar como um negociador em momentos de incertezas dentro da região. Nesse processo de reinserção internacional o governo brasileiro buscou se colocar como agente internacional neutro no pleito eleitoral que ocorreu em solo venezuelano em julho deste ano. Porém, o governo venezuelano, na figura de Nicolás Maduro, omitiu as atas da eleição, assim, colocando em voga a possibilidade de manipulações eleitorais.

Este impasse eleitoral entre os governistas e a coalizão opositora em relação a apresentação das atas eleitorais deixou toda a situação muito delicada para o governo brasileiro. Nenhum ator internacional pode obrigar o supremo tribunal eleitoral venezuelano a apresentar as atas eleitorais, assim, a posição que o Brasil adotou de auxiliar a Venezuela a retirar suas sanções se exauriram. Para piorar a situação, o governo pediu que novas eleições fossem realizadas, algo que é contra a legislação da Venezuela e não foi bem recebido por nenhuma das partes envolvidas no pleito.

Atuação diplomática do Brasil no cenário internacional atual

Nessas três situações elencadas, o Brasil não conseguiu alcançar seus objetivos. A Guerra da Ucrânia está permeada pelos interesses geopolíticos de Rússia e Estados Unidos, a Guerra na Palestina também está associada à estratégia de Washington ao Oriente Médio e planos israelenses à Palestina e as eleições da Venezuela envolvem um jogo político interno muito complexo atrelado à posição venezuelana no âmbito internacional.

De forma concreta, as aspirações internacionais do Brasil possuem a limitação devido aos interesses de outras nações como nas situações mencionadas. Ainda assim, mesmo com esse cenário desfavorável, o Brasil possui abertura internacional para ocupar uma posição de destaque, como foi durante a presidência brasileira do G20 deste ano.

A cúpula do G20 possibilitou que o país abordasse temas de seu interesse ao cenário internacional, dentre esses temas a desigualdade foi destacada como maior desafio internacional. A questão ambiental, igualdade, integridade, aliança global, sustentabilidade, saneamento, transição energética, financiamento, inteligência artificial e governança global também aparecem entre os 85 pontos tratados. A assinatura dos participantes da carta é uma sinalização de que o Brasil possui capacidade de pautar o debate internacional em órgãos multilaterais.

O acordo Mercosul-União Europeia ser concretizado neste momento político tem diferentes significados para a política externa brasileira. O acordo aprovado pelos líderes dos dois blocos é mais vantajoso em comparação ao que havia sido negociado em 2019 e se propõe a estimular o comércio entre os blocos, porém a assinatura desse acordo não é uma vitória pura do Mercosul e do Itamaraty.

A situação econômica dos países da União Europeia, em especial a Alemanha, está passando por dificuldades financeiras e o interesse em um acordo comercial parte também de uma vantagem pelas assimetrias. Além disso, o acordo pode trazer à União Europeia um protagonismo que vem sido perdido nas últimas décadas e geram uma segurança em meio a um futuro incerto desde a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. O futuro presidente estadunidense prometeu taxar produtos oriundos da União Europeia quando assumir o cargo em 2025.

Ainda sobre a questão dos Estados Unidos, a ameaça da política pragmática e isolacionista de Trump busca impactar sobretudo os BRICS, pelas iniciativas de fazer transações comerciais em moedas locais. Essa alternativa é impulsionada pelo reconhecimento da importância em disputar o centro de poder e possibilidade de mudança de hegemonia, além de ser uma medida de autonomia diante do dólar. Portanto, essa é uma questão que atinge diversos aspectos políticos, econômicos e comerciais.

Entendendo esse cenário internacional complexo, é factível observar que esse acordo de livre comércio não é simplesmente uma vitória diplomática do Brasil e do Mercosul. Se a União Europeia não estivesse enfrentando esse cenário de incerteza provavelmente as negociações continuariam sem uma grande perspectiva de assinatura.

Apesar de dispor de muita credibilidade internacional, tanto o Brasil quanto Lula enquanto líder político, esse processo de reinserção internacional está condicionado aos interesses de outras nações. A declaração final do G20 é uma vitória da articulação brasileira, mas as intenções dessa carta não conflitam com os interesses de outros Estados e não têm caráter vinculativo. Dessa mesma forma, a assinatura do acordo de livre comércio Mercosul-UE ocorreu devido às condicionalidades externas de instabilidade nos países do bloco europeu e a continuidade das próximas etapas do acordo passa por discussões de interesses internos do bloco.

Ainda que o acordo possa ter suas vantagens para o Mercosul, ainda existem lacunas de incertezas para o bloco de quais setores em cada país serão beneficiados e como esses retornos serão distribuídos e investidos. Com isso, o acordo demonstra um destaque e articulação da política externa brasileira, mas não implica necessariamente em fortalecimento e ampliação de poder da mesma.

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