
Um relatório deve ser discutido e votado pela comissão externa da Câmara dos Deputados na manhã desta quarta-feira (18) a respeito do trabalho da Fundação Nacional do Índio (Funai) na demarcação da Terra Indígena Kapôt Nhinore, localizada na divisa dos estados do Mato Grosso e Pará.
O relatório é da deputada federal Coronel Fernanda (PL-MT), declaradamente contrária à demarcação representando grupos ruralistas que se opõem à presença indígena naquela região.
A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e a presidente da Funai, Joenia Wapichana, asseguraram que o processo vai obedecer o Decreto 1.775/96, sobre procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas, e que será dada a oportunidade para a contestação de interessados pelo prazo de 90 dias.
A Terra Indígena Kapôt Nhĩnore abrange 362.243 hectares nos municípios de Vila Rica e Santa Cruz do Xingu, em Mato Grosso, e São Félix do Xingu, no Pará. A é reivindicada como tradicional pelos Yudjá (Juruna) e Mebengokrê (como se nomeiam os Kayapó).
Nela nasceu o cacique Raoni Metuktire, liderança histórica dos povos indígenas no Brasil e que reivindica a área há 40 anos.
Os estudos da Funai, coordenados pelo antropólogo Pedro Rocha de Almeida e Castro, indicam uma população de 60 indígenas naquela área. Atualmente, existem pelo menos 201 imóveis com presença de não indígenas, cuja situação varia entre propriedade (153) e posse (32) – não há informações sobre 16.
Em setembro, prefeitos dos municípios incidentes sobre a Terra Indígena foram à comissão externa da Câmara, coordenada pela Coronel Fernanda, criticar o início do processo de demarcação da Funai.
Decreto 1775 e o contraditório
Eles afirmam que os municípios não foram consultados antes de a Funai aprovar os estudos de identificação e demarcação das terras, em julho deste ano.
Ocorre que, conforme o Decreto 1775, a Funai não é obrigada a consultar terceiros para decidir se deve ou não iniciar procedimentos demarcatórios de terras indígenas, com um Grupo de Trabalho Multidisciplinar que só vai a campo após publicação de portaria no Diário Oficial da União.
Para o jurista Daniel Sarmento, “a demarcação de terras indígenas é um procedimento que envolve juízos técnicos, de natureza altamente complexa. O Poder Executivo tem os quadros com a expertise necessária para adotar decisões nesta área, mas não o legislativo (…)”.
Conforme Sarmento, está demonstrado que o Decreto 1775 estabelece um procedimento adequado, e que “todo o procedimento se desenvolve sob o signo do contraditório”.
O Decreto 1775, perto de completar 30 anos, é o mais recente do gênero a regulamentar o procedimento de demarcação das terras indígenas e “foi o resultado de uma evolução”, aponta a Associação Nacional dos Procuradores da República.
Ainda em relação ao princípio do contraditório na Administração Pública, e considerando que o procedimento de demarcação de terras indígenas é um procedimento administrativo, após a edição do Decreto 1775 foi publicada a Lei nº 9784, de 29 de janeiro de 1999, que “regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”.
Lei ameaçada com CPI
Mesmo assim, os prefeitos foram ouvidos pela comissão externa da Câmara, que acompanha o assunto, e foram encorajados a seguir em sua cruzada contra a demarcação da Terra Indígena Kapôt Nhĩnore.
A deputada Coronel Fernanda informou aos prefeitos estar recolhendo assinaturas para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para “averiguar essas demarcações sem ouvir as pessoas envolvidas”.
“Se algum parlamentar quiser, esse é o momento para se manifestar”, destacou a presidente da Funai. “Mas não é possível aceitar acusações sem provas, porque é isso que fomenta os conflitos”, disse Joenia Wapichana. Caberá ao Ministério da Justiça e Segurança Pública avaliar os eventuais questionamentos, ressaltou ela.
A fala ocorreu na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, em audiência no último dia 12 de setembro.
“O que a Funai tem no seu sistema são os processos de terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, e os estudos não são feitos à revelia das constatações da presença dos povos originários”, ressaltou a ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara, durante a audiência.
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