Justiça Eleitoral quer discutir a criminalização do abuso de poder religioso

Tema promete ser polêmico: dos 513 deputados hoje atuantes na Câmara, 34,5% integram Frente Parlamentar Evangélica

Foto: Divulgação
Jornal GGN – O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Napoleão Nunes Maia Filho, resolveu adotar a justificativa de abuso de poder religioso para afastar, em maio deste ano, o pastor João Luiz (PSC-AL) do cargo de deputado estadual por transformar a Igreja do Evangelho Quadrangular em espaço de auto-promoção e campanha política.
É a primeira vez que uma medida como esta chega à última instância da Justiça Eleitoral. Mas a argumentação já vem sendo discutida e julgada por tribunais eleitorais regionais. Antes mesmo de chegar ao TSE, o caso do pastor João Luiz passou pelo TRE em julho do último ano, sendo condenado à cassação por seis votos contra um pelos mesmos motivos. Agora, a Justiça Eleitoral pretende ampliar o debate e fixar limites e jurisprudência para os tipos de abuso relacionados à religião.
O tema promete ser polêmico. Dos 513 deputados hoje atuantes na Câmara, 177 integram a Frente Parlamentar Evangélica. Isso significa uma significativa uma representação de 34,5% de toda a Câmara que legisla no país. No Senado, são quatro os parlamentares da força evangélica.
O termo “abuso de poder religioso” muitas vezes não é utilizado, mas os argumentos que sustentam os despachos indicam o abuso de poder e o caráter religioso como um subtipo do ilícito. Na denúncia contra o pastor, o procurador eleitoral Marcial Duarte Coêlho expôs que o então deputado foi “alçado a candidato da Igreja do Evangelho Quadrangular, representante da família quadrangular” e que ficou “notória a transformação do templo em espécie de plataforma e base de campanha”.
A questão tornou-se ainda mais polêmica porque na igreja comandada pelo pastor existia uma “regra interna que determina a manifestação de apoio aos candidatos por parte dos membros da igreja”, o que se pode caracterizar como um tipo de coação por parte do líder religioso.
Por se tratar de um tema delicado, o ministro do TSE tomou sua decisão em maio deste ano destacando que “não há como se confundir a liberdade de culto religioso e os espaços dos templos com escudos protetores, nichos impenetráveis ou casamatas de concreto para esconder a prática de ilícitos de qualquer natureza – neste caso, ilícitos eleitorais”.
A decisão trouxe para o histórico de jurisprudências a categoria de crime de poder religioso, ainda que não tipificado pela Justiça Eleitoral. “Hoje, o TSE tem afastado essa tese do abuso do poder religioso e tem tratado tudo como abuso do poder, seja por abuso de meio de comunicação, poder político ou econômico. Os fatos são os mesmos, mas os políticos têm sido punidos com base em outro dispositivo. O que há é uma omissão legislativa, e os ministros se pautam nos fatos quando têm provas; mas, quando querem seguir e manter a condenação, eles vão para outro tipo de abuso de poder”, explicou o advogado eleitoral Amilton Kufa à reportagem do Uol.
Não é a primeira vez que o uso do poder econômico e a influência que as igrejas exercem na sociedade e eleições são debatidos pelo TSE. Em março deste ano, o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, afirmou que o Tribunal estuda uma cláusula para bloquear a relação entre religião e cargos eleitorais, sobretudo quando envolve dinheiro e repasses.
No caso da religião, afirmou Gilmar à agência Reuters, não há apenas o uso de recursos financeiros de igrejas, como também a própria estrutura física dos templos na forma de palanques eleitorais. “Além do poder de persuasão. O cidadão reúne 100 mil pessoas num lugar e diz ‘meu candidato é esse’. Estamos discutindo para caçar isso”, disse o ministro.
Também está em pauta a análise de que as doações das igrejas não podem ser usadas para financiamento de pleitos e os limites de influência de líderes religiosos para candidaturas. Por se tratar de algo pouco regulamentado, torna-se ainda mais difícil identificar quando ocorre o abuso de poder econômico em igrejas.
Por isso, a Justiça Eleitoral pretende aumentar o debate e criar mais jurisprudências a respeito. Nesta linha, a decisão de Napoleão Nunes Maia Filho, que foi um despacho monocrático em maio deste ano, poderá ser levada ao plenário do TSE como forma de se ampliar a temática e traçar estes outros limites de julgamentos.
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  • Fim da imunidade tributária para as Igrejas

    Primeiro passo para sanear as igrejas é o fim da imunidade tributária de todas elas. A imunidade é medida que vem do tempo em que o Estado poderia usar tributos para limitar a liberdade religiosa de determinados grupos. Isso, hoje em dia, não faz mais qualquer sentido. Os fiéis não são os responsáveis pelas despesas de suas Igrejas? Que se responsabilizem também pelos impostos.

  • Pequenas igrejas, grandes negócios!

    OK,se querem se promover na política, utilizando-se da boa-fe dos crentes, a partir das suas empresas religiosas, não trem problema. Só que, em contrapartida, nada de isenção fiscal: paga IPTU, paga pis/confins, paga imposto de renda,  o salário do pastor é na carteira assinada.... É só escolher....

    Do jeito que está, ainda vamos virar uma teocracia.

  • Concordo com a tese do abuso

    Concordo com a tese do abuso de poder por parte dessas igrejas de araque: verdadeiros 171 da (falsa) religiosidade neste país de merrecas. Mas, e os outros tantos? No riograndedosul (em minúsculas) dois egressos da rbs (rede globo) elegeram-se senadores por conta da visibilidade e do palco-politiqueiro que exploraram na tv gaúcha. Outros tantos, também se valem de abuso de poder, para se alçarem: jogadores e ex-jogadores de futebol, outros tantos repórteres e apresentadores de rádio e televisão, mafiosos em geral, picaretas em totalidade, sem contar, por óbvio, os que abusam do poder econômico e, nem por isso, qualquer deles é punido. Portanto, ou muda-se o sistema eleitoral, democratizando-se de vez os partidecos políticos e o uso da política ou as ações morrerão como sempre pelo esquecimento. Haja saco.

  • E o abuso do poder midiático

    Todos sabem que o maior influenciador político do país, que faz campanhas eleitorais permanentes em favor dos seus favoritos e em desfavor dos seus desafetos, é a imprensa. 

    A imprensa abusa o tempo todo do direito de informar para influenciar politicamente o eleitor, o cidadão, todo mundo em seu interesse.

    Como vai existir eleições livres com a Globo, SBT, Record, Band etc., concessionárias de SERVIÇOS PÚBLICOS, fazendo campanha escancarada permanente?

  • Laicidade neles
    Infelizmente nosso país não tem lei que impeça representantes de instituições religiosas (todas e qualquer uma) a se candidatarem a cargos eletivos.O Brasil ainda não separou a Igreja do Estado. Não é correto garantir assento a representantes de instituições religiosas onde se fazem as leis laicas. Outra coisa, instituições religiosas não deveriam ter o direito a isenção fiscal. Esse fato lhes permite ter capital para bancar candidatos que normalmente são os donos e/ou principais guias das igrejas. A bancada religiosa vem crescendo e, se conseguirem a maioria, uma teocracia será implantada por aqui. Já imaginaram?

  • DUVIDO. As merdas do país

    DUVIDO. As merdas do país nunca são recolhidas. A bancada evangélica é conservadora e serve aos interesses da elite do país.

  • Ficando apenas na Universal,

    Ficando apenas na Universal, que alguns chamam de igreja. Macedo e demais não só pregam em seus cultos, aqui e em parte do Mundo, onde também existem brasileiros eleitores, como mantem os variados meios de comunicação a servirem-nos como palanques eleitoreiros. O que faz a Record, e todos os canais locais das cidades, senão política favorável a seus proprietários? 

    Crivella não estaria prefeito sem essas facilidades, o que o torna sempre em posição de privilégio em relação a outras candidaturas. 

    A coisa é tão descarada que até um bandido como Cunha se revela evangélico apenas para angariar votos dos fieis manipulados. Assim como Bolsonaro, já filmado no Rio Jordão sendo batizado por um imbecil de outra igreja; e até Dallagnol, também pensando no seu futuro político, já tomou o lugar de pastor.

    Falta pouco para termos no Brasil um quadro semelhante ao dos países mulçumanos, onde a política se confunde com a religião, e, aí, já sabemos onde termina essa junção.

    • Igreja Universal do Reino de Deus.

      Quem ler "Tentáculos de um Polvo Monstruoso para a Tomada do Poder" , livro denúncia sobre a IURD lançado em Portugal em 1999, e  o livro escrito por Edir Macedo: Plano de Poder, vai entender o monstro que ameaça nossa democracia o o Estado laico. Não se criou  em Portugal onde criou um partido político: "Partido da Gente", porque nossos irmãos portugueses, não permitem a mistura de política com religião. Além de seus crimes praticados usando a fachada de "igreja". IURD: O Ovo da serpente. 

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