O estranho caso de Eduardo Cunha, por Wálter Maierovitch

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Notas sobre o deputado, que ainda não foi preso, e um registro para Waldir Maranhão no papel de Arlequim

Da CartaCapital

Por Wálter Maierovitch

O Supremo Tribunal Federal, em medida liminar de conteúdo satisfativo e prazo de vencimento indeterminado, suspendeu por unanimidade o mandato parlamentar de Eduardo Cunha e o exercício da função de presidente da Câmara, pelo risco que representava para a persecução penal e a Justiça, conforme apontado na ação cautelar proposta, há cinco meses (data de dezembro de 2015), pela Procuradoria-Geral da  República.

Relator do processo foi o ministro Teo­ri Zavascki, para quem o atraso na concessão da liminar deveu-se ao período de 30 dias de férias forenses, do prazo dado a Cunha para contestar, com réplica do procurador Janot, juntada de documentos com abertura de contraditório às partes e publicações dos despachos na imprensa oficial. Além, lógico, do tempo para refletir e decidir.

Não fosse a imunidade parlamentar constitucionalmente assegurada, a prisão preventiva, por ser a medida cautelar judicial mais adequada a Cunha, teria sido imposta e isso para garantia da ordem pública. Mas, pela Constituição, os deputados e senadores só podem ser presos em flagrante delito de crime inafiançável, com obrigatória ratificação pela Casa Legislativa de origem.

A propósito, convém recordar ter sido Delcídio do Amaral, quando senador, preso em situação de flagrante, em episódio voltado a comprar o silêncio e tirar do País Nestor Cerveró, ex-dirigente da Petrobras indicado pelo PMDB, corrupto confesso e colaborador de Justiça, um eufemismo usado mundo afora para designar o delator premiado.

O estranho, no caso Cunha, é ainda não ter ele sido preso em flagrante delito em face de estar em consumação um crime permanente. Crimes permanentes, consoante a doutrina, são os que geram uma situação danosa ou perigosa, que se prolonga. A consumação se protrai no tempo. É crime permanente, por exemplo, o sequestro de pessoa enquanto não recuperar a liberdade de locomoção. Outro exemplo: a lavagem de dinheiro de origem ilícita, com ocultação no exterior. Como todos sabem, Cunha, embora negue, possui contas no exterior não declaradas à Receita e com capital de origem suspeita. Ele até admitiu, em evidente tentativa de ocultação de origem patrimonial, a constituição de um truste (instituto de marca anglo-saxônica voltado à proteção patrimonial e não à ocultação de capitais de origem criminosa), sob sua administração.

Para se ter ideia, o procurador-geral, Rodrigo Janot, que é chefe do Ministério Público da União, suspeita ter sido uma das contas bancárias helvéticas de Cunha abastecida com dinheiro desviado da Petrobras: cinco depósitos realizados em 2011, no valor de 1,3 milhão de francos suíços (cerca de 5 milhões de reais). Pelo percurso do dinheiro, João Augusto Henriques, com atuação na compra pela Petrobras de poço de petróleo no Benim, encaminhou parte da propina recebida para a conta indicada por Felipe Diniz (filho do falecido deputado Fernando Diniz) e esta era de Cunha.

De se acrescentar, por denúncia recebida pelo plenário do STF, estar o réu sendo acusado de autoria de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Pela petição inicial da ação penal, Cunha teria recebido 5 milhões de dólares de propina, em prejuízo da Petrobras. Os pagamentos foram feitos pelos lobistas e delatores Júlio Camargo e Fernando Baiano e a causa teria sido a atuação de Cunha em facilitar ilegal e imoralmente a compra, pela Petrobras, de dois navios-sonda da Samsung Heavy. O total da venda dos dois navios foi de 1,2 bilhão de dólares.

Com efeito, Cunha, por crime permanente, poderia ser preso em flagrante delito. E isso tarda. Com muita cautela para não ser criticado por haver violado o princípio constitucional e pétreo da separação dos Poderes, Teori frisou ter sido a cautelar deferida, em sede liminar, sem antecipação do exame da culpabilidade do presidente da Câmara, excepcionalmente, e diante de situação processual de risco. Ao contrário de “haver realizado uma gambiarra jurídica” como se propalou, Teori aplicou recente lei de alteração do Código de Processo Penal que, nos campos das cautelas e contracautelas, permite expressamente a “suspensão do exercício de função pública” (art. 319). Assim, e pela primeira vez na nossa história democrática e republicana, foram suspensos mandato e exercício da presidência.

O afastamento de Cunha, no entanto, nos trouxe um Waldir Maranhão. Aí o Brasil chegou ao apogeu na encenação da commedia dell’arte revisitada por Carlo Goldoni no século XVIII. No exercício da presidência, Maranhão assumiu o papel de “Arlequim, servidor de dois amos”, ora anulando, ora voltando atrás no cancelamento da sessão plenária que aprovou o encaminhamento do impeachment de Dilma Rousseff ao Senado. Pelo jeito, como se diz no popular, “é o que temos para o momento”. 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

4 Comentários

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  1. Se eu fosse Cunha, processava…

    Nassif: qual é a desse Maierovitch? O deputado Cunha é inocente.

    Repito —i-no-cen-te.

    A culpa é da mulher dele, da qual depende intelectual e financeiramente. Já afirmou isso. Até provou.

    Não sei porque, ao invés de mandar prendê-la pelo Verdugo de Curitiba, insistem em atormentar esse anjo de candura (é assim chamado pelo baixo clero).

    Tá certo que o afastamento pelo STF deu-se porque ele (a mando da mulher) disse que iria divulgar alguns segredinhos da Corte, que anonimamente foram entregues a ela na cabelereira.

    Também, naquelas comprinhas lá na Rue de Rivoli ele estava junto. Mas o cartão era dela.

    A conta na Suiça é dela. As Offshores, uma dela outra da filha. Dele, nadica de pitibiriba. Aquele extra do petróleo da África, tudo coisa da mulher.

    Isto é bullying, viu? E da cadeia…

  2. Eu não entendo porque o PT, MTST, MST, UNE e esquerdas

    não se movimentam em campnaha diárias para que o MOR prenda a mulher e filhos do Cunha que são cúmplices , imagina o susto que ele iria levar .

    SIM, EU SEI! que o judiciário é cúmplice, mas de fizessemos manifestações em frente ao trabalho do Moro e também do STF bem grandes e c twittaços gigantes pedindo a prisão dessas meliantes cumplices do Cunha,  eles teriam que fazer algo!!!

  3. Cunha e a vergonha de nossas autoridades
    Pavor, tristeza e insegurança é ver q as leis no Brasil são aplicadas ao Bel prazer e conveniência de quem deveria cumpri-la. Como o mundo pode respeitar o Brasil se isto é uma bagunça generalizada e bandidos de colarinho branco comandam o circo dos horrores como se príncipes fossem e ficamos a mercê de um legislativo e judiciário viciado e temos hoje no comando da Nação, políticos da pior espécie a rir dos eleitores q nao votaram neles, bandidos declarados. Justiça é a última coisa que a esta tal “justiça” prática.

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