A barganha do Orçamento às custas de servidores da linha de frente da Covid-19

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Os que não paralisaram os trabalhos e foram os mais fortemente afetados pela Covid-19, servidores públicos da linha de frente não foram poupados de negociação do governo

Jornal GGN – Médicos, enfermeiros, profissionais da saúde, da limpeza urbana e dos serviços funerários são alguns dos servidores públicos na linha de frente da pandemia, exaltados pela imprensa por sua atuação desde março deste ano, quando as medidas de urgência contra o coronavírus começaram a ser tomadas.

Agora, em nome de uma suposta economia do Orçamento, eles foram impedidos de receber o reajuste salarial a que teriam direito, em um acordo fechado pelo governo de Jair Bolsonaro e o Congresso para, contraditoriamente, conceder um repasse de R$ 60 bilhões para estados e municípios conseguirem lidar com a pandemia e diminuir o impacto da crise.

O acordo que permitiu a Câmara dos Deputados concordar com a troca, contudo, não incluiu poupar os reajustes a policiais civis e militares, além de bombeiros de Brasília, pagos com recursos da União – aumentos que foram garantidos pela equipe econômica de Paulo Guedes, no que se refere ao principal nicho eleitoral de Jair Bolsonaro.

Todos estes grupos ficaram de fora das negociações de paralisação do funcionalismo, assim como uma blindagem especial aos servidores públicos financiados por estados cujos governos são da base de Bolsonaro. De um lado, o governo repassaria os bilhões aos estados e municípios, que, se aliados do governo, pagariam com parte destas quantias seus respectivos trabalhadores.

Em uma primeira leva de articulação, os deputados e senadores decidiram aceitar impedir o reajuste, mas com o requisito de manter a coerência com todas as medidas legislativas tomadas frente à pandemia, solicitando poupar da falta de reajuste àqueles funcionários responsáveis, justamente, por lidar com o coronavírus, desde a saúde, segurança pública, funerárias, assistência social.

Os únicos que não paralisaram os trabalhos durante estes meses e, ao contrário, foram os mais fortemente afetados pela exposição ao Covid-19, os servidores públicos da linha de frente entravam nesta exceção. Até esta quinta-feira (20), quando após uma sequência de ataques de Bolsonaro contra a decisão do Senado, convenceu a maioria dos deputados a manter o veto, impedindo este grupo de receber os reajustes salariais.

Assim, juntamente com todos – exceto os policiais civis e militares e bombeiros de Brasília – os servidores públicos, ficaram sem o aumento correspondente do salário os agentes socioeducativos, os profissionais de limpeza urbana, dos serviços funerários, trabalhadores da educação pública, da assistência social, da saúde, da segurança pública e Forças Armadas.

Não foram divulgados pelo Ministério da Saúde quantos destes trabalhadores de linha de frente foram contagiados e faleceram devido à alta exposição ao Covid-19. No final de abril, menos de dois meses desde que os casos explodiram no país, um total de 79 mil funcionários públicos tiveram que trabalhar de casa. Ainda na metade daquele mês, somente na capital paulista os casos de contagiados de servidores da saúde municipal chegavam a quase 4 mil, sendo 14 mortos, segundo o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo.

As estatísticas mais recentes dão conta de que, somente nos hospitais universitários do país, foram 3,4 mil profissionais da saúde afastados, após serem contagiados. Os dados divulgados pela agência Fiquem Sabendo com a Lei de Acesso à Informação são de 669 médicos, 661 enfermeiros, 1,4 mil técnicos em enfermagem, afastados por suspeitas ou confirmações de terem contraído da doença, entre março e maio deste ano.

Mas as informações oficiais distoam da contagem feita pelas categorias de trabalho. Somente entre os profissionais da enfermagem, em todo o país, os casos chegam a 35.863 e há, pelo menos, 376 mortos entre estes servidores da saúde, segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), que criou um observatório para monitorar a situação destes trabalhadores, com informações atualizadas diariamente.

Segundo o Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), são mais de 300 profissionais da enfermagem mortos por Covid-19 e 200 médicos somente na capital paulista.

Mas tanto estes enfermeiros como os demais servidores públicos da linha de frente entraram para o lote de salários congelados, que teria garantido ao governo uma economia de R$ 130 bilhões, argumento usado para celebrar tanto pela equipe de Guedes e Bolsonaro, que pouparam os policiais e militares, como pelo noticiário que durante estes meses, contraditoriamente, exaltou o grupo de trabalhadores como os heróis da pandemia.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

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  1. Há diferentes trabalhos no serviço público. Meu condomínio possui ação tramitando no TJMG que desde fevereiro está em quarentena. A ação, bem entendido.

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