Brasil discute quebra de patentes e licença compulsória na guerra contra o coronavírus

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Outros países do mundo, como Bangladesh, por exemplo, já derrubaram patentes em virtude da pandemia e estão produzindo e exportando um genérico de remdesivir a um custo cinco vezes maior

Jornal GGN – O Senado Federal discute nesta quinta (29) um projeto de lei substitutivo sobre licenças compulsórias ou quebra de patente de vacinas, testes diagnósticos e remédio destinados ao enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, enquanto vigorar o estado de emergência.

A discussão vem na esteira da análise, pela Organização Mundial do Comércio, de um pedido da África do Sul, com apoio de centenas de nações em desenvolvimento, para desobrigar os países de aplicarem o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC) – em inglês, Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, ou TRIPS – que, no Brasil, foi promulgado pelo Decreto nº 9.289/2018.

A ideia do Senado é aprovar pelo menos a licença compulsória sobre os insumos essencias ao enfrentamento da pandemia, para pressionar as farmacêuticas a reduzirem o custo das vacinas e remédios para evitar a quebra de patentes. Com isso, em tese, o Brasil estaria autorizado a fabricar remédios e vacinas ou importar genéricos, sem observância dos direitos de propriedade industrial, a um custo menor e com um grau maior de agilidade.

Outros países do mundo, como Bangladesh, por exemplo, já derrubaram patentes em virtude da pandemia e estão produzindo e exportando um genérico de remdesivir a um custo cinco vezes menor do que o original ofertado pelos Estados Unidos, que detêm o monopólio sobre a droga.

A discussão toda divide opiniões. Por meio do Ministério das Relações Exteriores, o governo Bolsonaro já manifestou que a quebra de patentes não seria solução a curto prazo. Para o chanceler Carlos França, a medida esbarra no acesso limitado do Brasil a insumos para fabricar as vacinas, além de outros desafios relacionados à capacidade de produção nacional e transferência tecnológica.

O governo brasileiro, portanto, preferiria apostar nos acordos comerciais e no voluntarismo das farmacêuticas. Seria a chamada “terceira via”, que deu certo no caso da vacina de Oxford/AstraZeneca. O Ministério da Saúde pagou à Astrazeneca pela vacina, e a tecnologia será transferida à Fiocruz. O acordo, porém, não garante que o Brasil terá as vacinas rapidamente, pois o País continua dependendo de insumos da China. Por outro lado, empresas como a Moderna e a Pfizer não fizeram nenhum acordo de transferência tecnológica até agora.

Em entrevista à TVGGN, a cientista Natália Pastenak também afirmou que a quebra de patentes seria uma medida pouco eficaz no contexto da pandemia. “A gente não pode ter a ingenuidade de achar que quebrando a patente, as empresas [brasileiras] vão ser capazes de produzir essas vacinas. Você tem uma ou duas empresas grandes, no mundo, capazes de produzir em escala a nanoparticula que envolve o RNA [para as vacinas genéticas, como a da Pfizer]. Talvez seja mais inteligente, neste momento, trabalhar com licenciamento mesmo”, disse ela. Assista aqui. 

Para os senadores, contudo, a licença compulsória e possibilidade de quebrar patentes na pandemia, seria mais um instrumento para o governo brasileiro garantir mais vacinas, por um custo menor, e em menos tempo.

Com a nova lei em mãos, o governo federal poderia dizer às farmacêuticas que ou elas baixam o preço dos remédios e vacinas, ou o Brasil vai “interferir na propriedade intelectual e passar a replicar” esses itens, nas palavras do senador Nelsinho Trad (PSD), relator do projeto substitutivo no Senado. Se não puder repriduzir, o Brasil poderá, ao menos, importar os genéricos – como o remdesivir fabricado em Bangladesh, por exemplo.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, Trad afirmou que os senadores irão embutir no PL um dispositivo para obrigar o governo Bolsonaro a fornecer a lista de remédios e imunizantes que precisam ter a patente quebrada ou a licença cedida, dentro de 30 dias após a aprovação da lei.

A discussão para aprovar o texto final começa as 16h desta quinta (29), no Senado. O PL 12/2021, da quebra de patente, de autoria do senador Paulo Paim (PT), tramita em conjunto com o PL 1.171/2021, dos senadores Otto Alencar (PSD), Esperidião Amin (PP) e também de Kátia Abreu (PP).

O texto prevê a licença compulsória do antiviral Remdesivir, primeiro medicamento a ter recomendação em bula para tratamento de pacientes com o novo coronavírus e já liberado pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Eles lembram que, do jeito que está, a pandemia tem sido um negócio lucrativo. “Em alguns países, inclusive, contratos de fornecimento de vacinas não têm sido honrados, e mesmo países ricos, como a Itália, têm sido objeto da ganância da indústria farmacêutica. Naquele país, por exemplo, a Pfizer reduziu unilateralmente as entregas. O caso de Israel é paradigmático: diante da negativa ao pedido de vacinas, aumentou o valor que iria pagar e as conseguiu logo. O Brasil pagou ao Instituto Serum, da Índia, mais do que o dobro do valor pago pelos países da União Europeia pelas 2 milhões de doses da vacina desenvolvida pela AstraZeneca: US$ 5,25 por dose. Os países ricos da União Europeia pagaram apenas US$ 2,16 por dose da mesma vacina.”

Desde outubro de 2020, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) debatem  a suspensão da aplicação do Acordo Trips e o licenciamento compulsório da produção de vacinas e medicamentos e insumos. Países como Índia e África do Sul já encaminharam pedidos nesse sentido. Desenvolvidos como Estados Unidos, Japão e algumas nações européias são contra.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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