A carta do datilógrafo ao professor, por Jota A. Botelho

Por Jota A. Botelho


Auro de Moura Andrade, datilógrafo em Washington, D.C.(*e Cristovam Buarque na sala de aula na UnB, Brasília, D.C. (*).

https://www.youtube.com/watch?v=2q-gAwK31GQ align:center
             Caríssimo Senador,
             Primeiramente Temer, segundamente O Golpe, e terceiramente As Trevas.

             Venho através destas mal traçadas linhas externar o meu profundo apreço por V. Exa., pela sua bravura e destemor em votar pela derrubada deste governo corrupto – ai, que saudades! 
             Prestei atenção no seu voto, com base nos ricos para o Brasil, na sua vozinha. A minha foi mais portentosa, mas o que vale mesmo é a nossa convicção. Não se preocupe com essa coisa de comunistas como ‘lata de lixo da história’ – bobagem.
            Veja, nobre Senador, como a história nos é grata. Na minha época, quando declarei vaga a presidência do Brasil, houve um deputado, um tal de Neves, não me lembro agora o seu primeiro nome, que me chamou de ‘canalha’, e eu lhe respondi que ele ainda ia me pagar com juros e correção monetária – eu sei que não tinha essa tal correção monetária na época, ela veio com o nosso golpe, quebrou muita gente, mas somos capitalistas e é assim que o sistema funciona. Pois bem, agora ele tem um neto que é um dos nossos. Mais golpista do que este não existe. Pagou-me ou não me pagou com juros e correção monetária? Está vendo como a história nos é grata. Gratíssima!
           Esqueça esta tal ‘Carta Aberta’ assinada pelos seus ex-serviçais e outros que, aliás, meu nome foi redivivo. Está vendo de novo como a história jamais nos abandonará. Seremos sempre lembrados – para o bem ou para o mal. Eu prefiro para o mal, como nos ensina o Mestre. V. Exa. irá conhecê-lo um dia. Mas quanto a esses pobres diabos – epa! diabo, não, pobres anjos – eles nunca souberam que as nossas atividades sempre estiveram voltadas para as forças mais superiores.
           E esqueça também esse escritorzinho da Guerra Fria, um cubano, que lhe devolveu o prêmio, além de chamá-lo de golpista – desaforado! No meu tempo, essa guerra era tão fria, mas tão fria que tivemos que esquentá-la com os militares. Naquela época, este ingrato certamente seria preso ou desaparecido – ou ficaria pelo menos no anonimato.
          Somos uns políticos com ‘P’ maiúsculo, apesar de o seu ter havido antes um acréscimo de um ‘T’, razão pela qual agora devem estar lhe chamando de traidor, traíra, ou coisa pior. Eu sei como é isso – esqueça. Se somos rolhas de cortiças é porque sempre soubemos fluir de acordo com as águas.
          Sei como foi duro para mim ser um reles datilógrafo em Washington, mas fiz os meus contatos e tive o patrocínio do IBAD. Assim como o nobre Senador, que foi um professorzinho assalariado, ganhando uma merreca, mas talvez V. Exa. também deve ter feito os seus contatos quando trabalhou num importante banco, o BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento – também com sede em Washington. 
          Mas vou ficando por aqui, felizardo da vida em saber que ainda existem no Brasil homens como eu.

          No seu aguardo,
          malignamente, um grande abraço.
          Do também golpista,
          Auro de Moura Andrade.

P.S.: Segue meu endereço abaixo:
Jardim do Demo, Bairro Belzebu, Rua Quinto dos Infernos s/nº.
(*) D.C., leia-se Depois do Capeta.
___
 

Jota Botelho

11 Comentários

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    1. Obrigado Anninha,

      Ainda bem que você gostou. Fiz algumas modificações para ficar mais leve, menos floreado, sem aquelas imagens, para que o leitor use de sua própria imaginação.

      1. 🙂

        🙂  Você é sempre sério demais.

        Quando se mostra mais leve, é muito bom.  

        Ah, e ser recebida com Anninha… Tira uma dezena de anos do lombo.

        Obrigada. Um abraço.

      2. 🙂

        🙂  Você é sempre sério demais. 

        Quando se mostra mais leve, é muito bom.  

        Ah, e ser recebida com Anninha… Tira uma dezena de anos do lombo.

        Obrigada. Um abraço.

  1. Abraço o amigo

    Abraço o amigo J.A.Botelho,esperando que não tenha levado à sério aquele episodio envolvendo Joel Magno Ribeiro da Silveira,sergipano de boa cepa.Não sei se tem notado, os comentarios que tenho feito sobre a figura ímpar de Joel,que o editor do blog,com paciencia de Jó,tem generosamente me permitido fazer.Dificil escapar da minha memoria,quanto mais uma pessoa elegante como você.Saudações Silverianas.

  2. Relembrando Joel.Para Jota

    Relembrando Joel.Para Jota A.Botelho,ao que parece nao assimilou bem o episodio passado.”Acomodavam-se todos.16.384.Um colchao de paina.Milhares de figurinhas insignificantes.Eu era uma figurinha insignificante e mexia-me com cuidado para nao molestar as outras.16.384.Iamos descansar.Um colchao de paina”.Lindo de viver.O final de Angustia,de Graciliano Ramos,que perfila ao lado de Fogo Morto,de Jose Lins do Rego,como duas obras primas da literatura brasileira.

  3. CB tirou a máscara, assumiu

    CB tirou a máscara, assumiu ser contínuo do golpe.

    Crônica muito boa, precisamos de um pouco de humor nestes tempos trevosos.

    1. É com humor, Nilva,

      que devemos cobrar os votos que um dia depositamos nas urnas e ajudamos a forjar a carreira política dos que hoje são os nossos carrascos. Este me deve quatro votos: dois para Governador eleito nos dois turnos, e mais dois para a sua reeleição (que perdeu, depois de ganhá-la no primeiro turno), além de estarmos juntos na campanha do velho Briza, em 1989, quando ele ainda era um ilustre desconhecido. Quanta pequenez tem os políticos latino-americanos!

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