Jornal GGN – O cientista político Aníbal Pérez-Liñan, autor do livro Presidential impeachment and the new political instability in America Latina (Impeachment presidencial e a nova instabilidade política na América Latina, em tradução livre) concedeu entrevista ao Estadão. De acordo com ele, existe um risco de que o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff desencadeie um efeito dominó em todas as esferas de governo. O uso do impeachment para punir pedaladas fiscais ainda seria capaz de fragilizar as administrações que praticam expedientes contábeis.
“Minha impressão é a de que a tentativa de destituir Dilma é um grande erro da oposição porque ela bate no governo justamente quando a economia está em crise. O novo governo não vai ter legitimidade eleitoral porque não foi eleito, a economia vai seguir em crise, os escândalos vão seguir existindo e afetando parte do novo governo, o que significa que a opinião pública vai seguir revoltada. Por outra parte, o PT vai passar à oposição reclamando ser uma vítima da direita. Então, no momento em que o PT deveria se fazer responsável pelos erros, na realidade, se permite que o partido passe a ser uma vítima. Talvez a oposição esteja salvando o futuro do PT”.
Do Estadão
‘Impeachment não encerra a crise’
Por Alexandre Martins
Autor do livro Presidential impeachment and the new political instability in America Latina (Cambridge University Press, 2007), o cientista político Aníbal Pérez-Liñan vê risco de o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff desencadear um efeito dominó em todas as esferas de governo no País. Para o professor da Universidade de Pittsburgh, o uso das pedaladas fiscais como argumento para o impedimento fragiliza as administrações praticantes de expedientes contábeis. O pesquisador argentino acredita ainda que o pedido da oposição acabará por favorecer o próprio PT, que se renderá ao vitimismo, caso a presidente seja afastada.
Do pacote desestabilizador de governos, qual elemento é mais preponderante no caso da presidente Dilma?
É um fator sobre o qual Dilma Rousseff não tem nenhum controle: os preços das matérias-primas internacionais. A desaceleração dos mercados chineses e demais levou as economias da América Latina a entrar em recessão. Essa crise é econômica, que ativa o descontentamento popular, que ativa a destruição da coalizão do governo.
O fato de ter havido manifestação a favor do governo difere o caso brasileiro dos demais da América Latina?
Sim, o caso de Dilma é diferente, por exemplo, dos de Fernando Collor, em que não houve mobilização a favor dele, e de Fernando Lugo, no Paraguai, em 2012. Dilma tem, talvez, setores mais comprometidos a defendê-la nas ruas. Mas a realidade é que esses setores são comparativamente pequenos em comparação aos que se mobilizaram contra ela e com a grande parte da população que não está disposta a se mobilizar. Como os sinais que ela recebe do Congresso, das ruas e das pesquisas de opinião são negativos, isso facilita a dissolução da coalizão.
Qual é a melhor forma de emendar o presidencialismo de coalizão?
A única forma de governar o Brasil é por coalizão, pelo volume de partidos que há. O que está esgotado é o modelo para formar as coalizões. Até hoje, as coalizões foram formadas a partir do critério distributivo, em que seus membros recebem postos nos gabinetes, orçamentos, em troca de respaldo ao governo. Isso funciona quando a economia vai bem, mas quando há crise se rompe com facilidade. Para que funcione no futuro, será preciso que a coalizão faça um acordo prévio sobre o tipo de governo a ser implantado. Os partidos que formam coalizões no Brasil não têm grandes prioridades sobre políticas de governo, mas sobre políticas de benefícios próprios.
O caso brasileiro se encaixa na tese de que há um elemento parlamentarista no impeachment de Dilma?
O impeachment sempre tem um componente político. Isso leva alguns observadores a pensar que o impeachment pode funcionar como o voto de censura em um sistema parlamentar: se a presidente perde a maioria no Congresso, simplesmente é removida pela nova maioria e substituída por um novo chefe de governo. O problema com essa leitura é que o impeachment também tem um componente jurídico. É preciso demonstrar que o presidente cometeu um crime de responsabilidade para que a acusação seja válida. O voto de censura é um procedimento normal no sistema parlamentar. O impeachment é um procedimento extraordinário no sistema presidencial, e é traumático para o país. Quando um primeiro-ministro perde um voto de confiança, sai do governo para se apresentar na próxima eleição. Quando um presidente sofre um impeachment, geralmente sai do governo para ir à prisão ou ao exílio.
Como situar o processo brasileiro no contexto dos históricos recentes de afastamentos na América Latina?
O caso brasileiro atual faz parte de uma onda de impeachments que se iniciou nos anos 1990 com o ex-presidente Fernando Collor. As elites políticas buscam mecanismos civis e mais ou menos legais para destituir presidentes quando não eles são populares. Boa parte dos sociólogos e cientistas políticos dizia que os afastamentos só afetavam os presidentes neoliberais, mas descobriram depois que afetam qualquer tipo de político de qualquer ideologia. Isso foi uma surpresa, que começou com o julgamento de Lugo, mas a surpresa é ainda maior no caso de Dilma Rousseff porque boa parte da classe média se mobilizou a favor do impeachment. Essa nova realidade confunde muito os acadêmicos e os coloca em uma situação incômoda. No passado, celebraram a queda dos presidentes como uma revolta popular contra o neoliberalismo, mas hoje em dia desconfiam dos protestos e condenam o impeachment como uma forma de golpe. O que ocorreu é que, na primeira década do século 21, a economia foi tão próspera que os presidentes pareciam muito seguros. Hoje em dia, esse momento não existe mais e muitos presidentes estão frágeis novamente.
Qual o impacto de mais uma destituição na América Latina para a esquerda no Brasil e na região?
A impressão geral é de que esse processo político representa um golpe muito duro para a esquerda no Brasil e na América Latina. Na região, creio que o maior impacto será na Venezuela. Seu governo, de algum modo no âmbito regional, esteve protegido pelo Brasil. A saída do PT do poder enviaria um sinal de que Venezuela poderia estar mais ilhada no futuro e ter menos respaldo na região. Talvez essa crise política seja uma oportunidade para a esquerda no Brasil. O PT ficou muitos anos no poder, parte dele durante um período de prosperidade para toda América Latina. Minha impressão é a de que a tentativa de destituir Dilma é um grande erro da oposição porque ela bate no governo justamente quando a economia está em crise. O novo governo não vai ter legitimidade eleitoral porque não foi eleito, a economia vai seguir em crise, os escândalos vão seguir existindo e afetando parte do novo governo, o que significa que a opinião pública vai seguir revoltada. Por outra parte, o PT vai passar à oposição reclamando ser uma vítima da direita. Então, no momento em que o PT deveria se fazer responsável pelos erros, na realidade, se permite que o partido passe a ser uma vítima. Talvez a oposição esteja salvando o futuro do PT.
Qual o saldo dessa destituição para a jovem democracia do País?
Existe um certo debate sobre isso e as principais vozes sustentam uma visão otimista do impeachment, dizendo que ele não cria uma debilidade na democracia e nem instabilidade a longo prazo. Minha leitura é menos otimista. Creio que quando o impeachment se justifica exclusivamente em um crime cometido pelo presidente, então o impeachment fortalece a democracia porque mostra que o Congresso pode controlar o Executivo e que não há impunidade. Mas por outro lado, quando impeachment é simplesmente um ato simbólico do Congresso para sacrificar o presidente, em consonância com a opinião pública, porque o presidente é impopular, então creio que nesses casos o impeachment abre um ciclo de instabilidade que não termina com a saída do presidente.
Podemos comparar esse novo ciclo que se avizinha no Brasil com alguma outra democracia latino-americana?
À que há no Equador, na qual o julgamento político se tornou uma prática constante entre 1996 e 2007. Durante dez anos, por causa de governo impopular, as pessoas iam para as ruas e o Congresso destituía o presidente. O julgamento político quase se iguala a um voto de censura. Utilizar apenas uma desculpa legal, sem fundamento jurídico sólido, pode criar um ciclo de instabilidade no Brasil. Em 1997, o presidente equatoriano Abdalá Bucaram foi destituído pelo Congresso sob acusação de que estava “mentalmente incapacitado” para governar, ou seja, louco. Isso ocorreu em meio a protestos massivos contra o governo. Na década seguinte, nenhum presidente eleito pôde completar seu mandato: Jamil Mahuad foi deposto em 2000 por um golpe civil-militar, e Lucio Gutiérrez (o líder do golpe) foi, por sua vez, deposto pelo Congresso em 2005. Somente a chegada de Rafael Correa, e sua enorme concentração de poder, conseguiu frear a instabilidade.
O Brasil pode se “equadorizar”?
Vai depender de dois fatores: primeiro, da situação econômica, se vai melhorar ou piorar, porque isso determina se as pessoas estão revoltadas ou não com os políticos. O segundo fator é a capacidade de a classe política refletir sobre o que está ocorrendo, aprender da crise atual. Do contrário, o risco é certo. Um dos problemas cruciais desse processo de Dilma foi o uso das pedaladas como argumento. Nenhum Executivo no Brasil agora está seguro, pois todos estão expostos a acusações desse tipo. Então, por escolher uma situação de curto prazo, o Congresso abriu uma caixa de Pandora.
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Muito fraca a análise desse
Muito fraca a análise desse cientista político. Nem cita a importância dos órgãos de imprensa tradicionais na formação da opinião da classe média que empurra e legítima as deposições presidenciais.
Eu gostaria de acrescentar o
Eu gostaria de acrescentar o que não foi dito nas entrelinhas.
Esse golpe de estado (processo legal? bullshit) só está funcionando por causa de uma constituição sólida como uma bolha de sabão (um juíz poder “sentar” eternamente encima de um processo? WTF?), um governo medroso demais para esmagar os golpistas e uma aliança de empresas de mídia que é impossível em qualquer país civilizado.
E como se isso não fosse o suficiente vocês conseguiram juntar o que há de pior no sistema presidencialista com o que há de pior do sistema parlamentarista, ainda ignorando as partes boas de ambos. Como vocês tinham qualquer esperança de fazer isso funcionar sem muita corrupção? Essas “coalizações” não passam de grandes compras e vendas de votos e influência para qualquer assunto, vocês praticamente obrigam o político a comprar e vender votos e ameaçam ele com chantagens quando ele não entra no “esquema”. Sabem porquê Lula é tão respeitado fora do seu país no mundo político? É porquê entre outras coisas ele fez o milagre de fazer o seu país avançar visivelmente apesar desse circo que vocês chamam de governo brasileiro (constituição, jurídico, executivo e legislativo). O maior erro de Dilma foi ter aceito assumir essa zona sem ter o mesmo nível de Lula para o desafio.
Vocês só não são uma ditadura de novo porquê os seus políticos de direita são ainda mais incompetentes e muito mais estúpidos, eles não têm a finesse para tomar o poder de forma legítima e portanto partem para atos grosseiros e estúpidos que só não os mandaram para a prisão por terem o apoio do judiciário e da mídia. É como pedir para um homem das cavernas que ele lave a louça suja.
Concordo em partes
A oposição vai se desgastar com a população tomando medidas impopulares? Sim. Mas sempre poderão jogar a “culpa no PT”. E talvez pouco importe, pois conseguirão caixa vendendo o pré-sal, o Banco do Brasil e a Caixa, sem falar em implantar a “independencia do Banco Central” nos moldes do que fizeram com as agências ditas reguladores que o PT não fez questão de reverter, enquanto podia.
Por outro lado, é certo que a retirada dos direitos vai trazer o PT de volta ao poder em 2018. Isto é, se a direita não o declarar ilegal completamente, com até a prisão de Lula, pelo motivo inventado que for. Esteja certo que o caminho da oposição será esse.
É sim uma análise fraca
De fato a situação é muito complexa e a análise dele é fraca. Perde de vista, por exemplo, que há um conflito interno muito acirrado dentro da própria elite, porque uma coisa é derrubar Dilma e o PT, outra coisa mais difícil eles alcançarem um acordo entre quem será agora quem controlará a máquina pública, que é formidavelmente grande e dispõe de muitos recursos de poder (econômicos e simbólicos). Há quem acredite que a elite está juntinha de mãos dadas, mas o jogo dentro dela é caníbal, a competição entre os donos do capital tem sido historicamente de uma selvageria própria de filmes de terror. Então há um conflito que não é apenas a elite contra o “povo”, o capital contra o trabalho. O conflito está instalado no coração das próprias classes dominantes e tem a ver com a crise do próprio sistema que alimenta seus interesses, o capitalismo internacional. Se pensarmos no jogo de impeachment como uma guerra de todos contra todos, onde alianças surgem e se desmancham de um dia pro outro em função de interesses que NUNCA são revelados à opinião pública, algo poderemos entender das entrelinhas dessa competição feroz pelo poder que estamos assistindo nos últimos meses,
esqueceu de citar a grande
esqueceu de citar a grande mídia golpísta…
mas só faltou chamar a oposição de burra, literalmente…
A análise levou em conta somente os aspectos aparentes dos ….
A análise levou em conta somente os aspectos aparentes dos movimentos ditos “pró-impeachment”.
Parece-me que para alguém que escreveu um livro sobre o assunto uma abordagem pouco acadêmica, parece mais uma análise jornalística do que analítica.
Abordar estes movimentos somente a partir de seus aspectos externos é simplesmente ter uma visão puramente jornalística, e uma visão extremamente estreita e sem nenhum respaldo histórico.
Simplesmente dizer que estes movimentos apareceram sem uma causa e sem razão histórica é dizer que existiam determinadas leis desde o início dos governos presidencialistas e que a partir de um determinado momento, por força e vontade de alguns começaram a ser utilizados.
Collor de Melo foi um movimento atípico que não se encaixa neste ciclo, simplesmente porque a origem do mesmo não foi o descontentamento popular com o seu governo, que era alto, mas no meio da confusão e desgoverno característico da época poderia o seu governo perdurar por mais tempo, porém as denúncias de corrupção as quais precederam ao impeachment do mesmo foram as que justificaram.
O caso de Dilma é ao contrário, se começa a tentar o instrumento jurídico e depois que se procuram os motivos, esta inversão é que demonstra que este está sendo como uma ferramenta política.
O que o autor não toca em nenhum momento é a razões do por que são abandonados os golpes civis-militares para serem usados somente instrumentos civis. Talvez aí esteja a maior fragilidade de todo o texto. Qual será o verdadeiro motivo que algo que era utilizado durante décadas com a sua operacionalidade comprovada, deixa de ser utilizado?
Talvez a resposta da questão esteja na necessidade do capitalismo internacional se manter a ponta nestes golpes, coisa que num golpe militar que pode gestar um governo nacionalista contra uma globalização ainda maior da economia. Ou seja, forças atreladas ao capitalismo internacional podem ser manipuladas pelo mesmo com muito mais facilidade do que movimentos militares que poderão num mundo não bipartido tomar direções que não interessam o grande capital.