Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela USP. Aposentou-se como professor universitário, e atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

Antes de 2030 não chegaremos a 2010, por Luiz Alberto Melchert

O rentismo exacerbou-se a ponto de incomodar todos os setores de nossa economia, exceto a faria Lima

Antes de 2030 não chegaremos a 2010

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Durante o golpe de 2016, mais propriamente na aprovação da PEC 95, vulgo Teto de Gastos, vulga PEC do Fim do Mundo, dizia-se que – este autor entre todos — os anos 1980 estariam de volta. Será que voltaram?

Naturalmente, a referência, ou recorte temporal no jargão dos historiadores, são os anos entre 1984 e 1994. 1984 porque foi o auge da crise da dívida externa e 1994 porque se implantou o Plano Real. Esse período contém o maior estelionato eleitoral da História, que ficou conhecido como Plano Cruzado. Ele elegeu uma maioria avassaladora do PMDB, que construiu a CF88, cujos efeitos sentimos até hoje, trinta anos depois. Foi o tempo em que a inflação chegou a 80% ao mês no período que antecedeu a posse de Collor; ficou conhecido também como o da Ciranda Financeira. Nele, explodiu o rentismo, quando o descontrole da inflação obrigava o Estado a comprar todo o dinheiro disponível no mercado, induzindo os capitalistas a jogar no “Overnight” que, anos depois, redundaria numa desindustrialização desenfreada. Prova disso é que, em 1991, dos dez ganhadores do prêmio de melhor campanha promovido pela ABPM (Associação Brasileira de Propaganda e Marketing), somente um dizia respeito à indústria e todas as demais à captação de recursos pelos bancos.

A inflação é cruel porque divide a sociedade em duas, os que se podem proteger dela, quando não ganhar com ela, e os que ficam reféns da degradação de sua moeda. Quem tem mais de cinquenta anos lembra-se perfeitamente da correria aos supermercados no dia do pagamento para que todas as compras ocorressem pelo preço mais condizente com o salário. Bens de consumo durável só se vendiam nos cinco primeiro dias de cada mês, antes de que a nova tabela chegasse às lojas. Tudo tinha de acontecer antes de “virar o mês”. Pintar um quadro de como se vivia apesar de tamanha inflação daria uma enciclopédia, mas o que importa é a exacerbação da divisão da sociedade em duas classes antagônica. Certamente que Marx não imaginou que a luta de classes atingisse esse grau de sofisticação. É que a correção monetária servia como lenitivo, perpetuando a situação de conflito aquém da convulsão social. O Plano Real só veio porque os paliativos perderam o efeito e o esboroar da moeda passou a incomodar quem, antes, ganhava com ela, ou seja, o valor de seus produtos já não acompanhava a escalada de preços, o prejuízo batia à porta e a escassez de crédito limitava as operações.

Com o Plano Real, vieram práticas antes só sonhadas, começando pelo predomínio da moeda de plástico. Setores que antes viviam de comprar a prazo e vender a vista, pondo o dinheiro para render nesse interregno, viram-se na situação oposta. Setores como o do varejo ressentiu-se fortemente, hora com redes simplesmente fechando suas portas, hora com grupos aglutinando-se e formando cartéis que lhes permitiram restaurar o poder de negociação. Tudo só foi possível porque as taxas de juros cobradas no Brasil mantiveram-se altas o suficiente para não prejudicar o rentismo que se instalara na década perdida.

O antagonismo passou a ser protagonizado pelos que estão expostos aos juros excessivos e os que se beneficiam deles. O preço do dinheiro ficou tão alto no Brasil que a grande influência no consumo se dá pela redução do poder aquisitivo da população, posto que grande parte de sua renda é desviada para o setor financeiro, seja pelo valor elevado das prestações, seja pelas taxas crescentes cobradas pela renegociação das dívidas. O efeito prático acaba sendo muito similar ao descrito para a inflação dos anos 1980, porém, com uma cara mais “civilizada”. Interessante é que, entre os prejudicados, encontram-se representantes das categorias que mais empregam e que mais dependem da manutenção do nível de emprego. Eles apoiam politicamente o rentismo porque, como diria Darcy Ribeiro, o sonho do oprimido é tornar-se opressor.

A despeito das razões geopolíticas que visaram ao esfacelamento dos Brics como grupo coeso representado pela disseminação da ideia de antiglobalismo, ou mesmo à implosão dos setores de maior valor agregado da nossa economia promovida pela Lava a Jato, ou ainda com a aniquilação do Estado brasileiro como indutor  de investimento como quer o Teto de gastos, o rentismo exacerbou-se a ponto de incomodar todos os setores de nossa economia, exceto a faria Lima. É possível que haja um acordo que restitua a esperança de crescimento econômico acompanhado por melhora nas relações de trabalho, ou mesmo com alguma alta de salários. De uma coisa podemos estar certos, antes de 2030, não chegaremos a 2010.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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1 Comentário

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  1. Todas essas formas de proteção oferecidas para os detentores do capital no País, acabou instalando uma espécie de fabricação da inflação, uma vez que todo essa arquitetura criada para proteger o patrimônio dessa camada da sociedade, afastou o Brasil de enfrentar os desafios que proporcionam subir os degraus para uma economia que seja estruturalmente eficiente. Controle da inflação, produtividade, competitividade, etc; ao deixar de ser tratadas para o avanço civilizacional da economia com o desenvolvimento conjuntural do Brasil, legou esse atraso ao País. A própria visão no entendimento da sociedade brasileira como uma condição coletiva e que precisa oferecer progresso social, econômico, de desenvolvimento e das capacidades de se desenvolver sem qualquer prejuízo no mérito de todos os agentes. A inflação no Brasil é uma debilidade, compensada através dessas fórmulas criadas para manter o status quo de pessoas físicas e jurídicas alcançadas por elas e que retira o restante da sociedade de fazer parte de um processo de desenvolvimento. No fundo todos pagam; porém o custo a cada um é absolutamente desigual.

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