Jornal GGN – Artistas e intelectuais comemoraram o anúncio da recriação do Ministério da Cultura, que havia sido transformado em secretaria vinculada ao Ministério da Educação pelo presidente interino Michel Temer, mas estão céticos sobre as políticas para o setor. Para cineasta Anna Muylaert, “antes de celebrarmos a volta do Ministério da Cultura precisamos saber que Minc será esse?”. Claudia Leitão, ex-secretária de Economia Criativa e uma das mulheres que recusou convite de Temer para assumir a secretaria, também questiona o papel que o ministério terá no país, afirmando que, gestão de Dilma, “era um MinC à míngua”. Leia mais abaixo:
Enviado por jns
Do Estadão
Volta do Ministério da Cultura é comentada por artistas e intelectuais
Anúncio da recriação da pasta foi feito neste sábado, 21, pelo ministro da Educação Mendonça Filho
Depois do anúncio feito neste sábado, 21, pelo ministro da Educação Mendonça Filho de que o presidente interino Michel Temer recriou o Ministério da Cultura - transformado por ele em secretaria vinculada ao Ministério da Educação assim que a presidente Dilma foi afastada -, artistas e intelectuais comentam decisão.
O ministro da pasta será Marcelo Calero, anunciado na quartafeira, 18, depois de algumas tentativas frustradas do atual governo de escalar uma mulher para o posto.
Fernando Haddad, prefeito de São Paulo
“Foi ótimo, uma vitória. O governo está voltando atrás. Agora falta Ciência e Tecnologia.”
Nabil Bonduki, ex-secretário de Cultura da cidade de São Paulo
“Acredito que a mobilização do setor deve continuar, porque não é só voltar o ministério, há que se garantir as políticas.”
Anna Muylaert, cineasta
“Não conheço esse novo ministro. Aparentemente, é positivo que volte o Minc, mas um ministério, assim como um órgão de um corpo, faz parte de uma política de governo. Quando pedimos o Minc estamos falando de políticas de democratização e descentralização do fazer/consumir cultura que vinham sendo praticadas por ministros como Gil e Juca Ferreira. Então, antes de celebrarmos a volta do Ministério da Cultura precisamos saber que Minc será esse?”
Paula Lavigne, empresária, produtora e presidente da Associação Procure Saber
“Estamos indo por partes, contentes por ter de volta agora o que é do Brasil. Mas isso mostrou o quanto as coisas estão erradas, como a discussão está rasa. As pessoas acham que os músicos estão brigando por shows, por palcos. Estamos fazendo shows nas ocupações por toda a Cultura. Estou chocada de saber como há reacionários no país, pessoas que nos chamam de vagabundos. Vamos ver agora os próximos passos, não sei se os shows vão continuar. Infelizmente, a classe musical ainda está desunida.”
Renato Janine Ribeiro, filósofo e ex-ministro da Educação, pelo Facebook
“A anunciada recriação do Ministério da Cultura mostra que esse é o governo mais suscetível a pressões dos últimos anos. Isso decorre, obviamente, de sua vulnerabilidade. Razão a mais para pressionar e protestar.”
Claudia Leitão, ex-secretária de Economia Criativa, uma das mulheres que, convidadas por Temer a assumir a pasta da Cultura, se negou
“Meu temor é de que essa volta do MinC seja um cala boca. Eles colocaram a mão em um vespeiro quando mexeram com a cultura. Essa reação das ruas tem sido muito interessante. Tenho certeza de que a decisão veio depois das mobilizações, você viu ontem (sexta, 20) Erasmo Carlos e Caetano Veloso juntos, cantando em uma ocupação. A pergunta agora é: que lugar esse ministério vai ter no Brasil? Com a Dilma era um MinC à míngua. As pessoas precisam continuar nas ruas.”
José de Abreu, ator, pelo Twitter:
“Não tenho a menor dúvida que a classe artística vai continuar na luta. Ja sabíamos que o Temer iria recuar”.
Orlando Senna, diretor de Iracema, uma Transa Amazônica e gestor cultural
“Foi uma vitória não apenas dos artistas, intelectuais e demais trabalhadores da cultura e sim da sociedade brasileira. Da consciência crescente na nossa sociedade de que a cultura é o lastre maior da cidadania, da liberdade de expressão, da política, dos direitos humanos. Espero que essa mesma força dos trabalhadores da cultura e da consciência coletiva atue, da mesma maneira incisiva, no que se refere à televisão pública. O Conselho Curador e os funcionários da TV Brasil estão sumamente preocupados com ingerências indevidas do governo Temer na direção da empresa, a Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV) e o Sindicato da Indústria Audiovisual (Sicav) divulgaram uma nota no mesmo sentido. A televisão pública deve ser gerida pela sociedade e responder à sociedade e não a governos. Como está na Constituição, televisão estatal é uma coisa, televisão pública é outra.”
Toni Ventura, cineasta
“As idas e vindas deste novo-velho governo ilegítimo revelam o subtexto de escárnio da elite político-econômica pela Cultura. Bem vinda a volta do MinC, mas que Ministério será esse? A escolha de um gestor muito jovem, que só conhece os artistas e produtores do Rio, sem experiência de fundo sobre o modus operandi da produção cultural, para gerir um setor de enorme complexidade e diversidade é temerária. Não conheço a pessoa nem duvido de sua capacidade profissional, mas ele vai precisar de muita inteligência e magnitude para fazer avançar os pleitos da atividade. Senão, vai ser um mero adereço de cena nesta farsa política que estamos vivendo. O momento agora é de pensar grande. O que o governo TemerMarcelo tem de concreto a propor para o avanço das indústrias culturais do país?”
Laura Erber, artista plástica e editora
“É patético, e a mídia em geral tem veiculado uma cobertura falseada da posição da classe artística nas ocupações. Nas reuniões e assembleias nas sedes das Funartes ocupadas ficou muito claro e explícito que não haveria negociação pela volta do MinC com o governo interino. O objetivo do movimento é a queda de Temer.”
Micheliny Verunschk, escritora
“A extinção e posterior recriação do Ministério da Cultura são falácias, pois não há legitimidade no atual governo para qualquer ato, seja ele de que natureza for. A recriação do MinC, nesse momento, parece sugerir o esvaziamento das lutas pelo retorno do Estado de direito. Não é pelo Minc, é pela democracia.”
Ignácio de Loyola Brandão, escritor
“Temo que esse governo passe a funcionar assim. Cancela, tem protesto. Recria, tem protesto. Cria de novo, tem protesto. Como as ondas do mar que vão e voltam. Será assim até o fim do governo? Incertezas, insegurança o tempo todo?”
Jéferson Assumção, escritor e ex-diretor do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca do MinC
“O recuo de Temer é uma vitória dos novos sujeitos políticos e culturais que emergiram no Brasil da última década e que não aceitam a forma como ele chegou ao poder, nem a diminuição da importância da cultura para uma ideia de Brasil. A recriação do MinC, é claro, não reflete uma mudança de pensamento do governo provisório em relação ao tema e só ocorre devido à indignação ruidosa, criativa e persistente do povo da cultura. Pelo contrário, o projeto de Temer, muito claro desde o início, é diminuir a cultura por ser ela uma área de pensamento crítico e de enorme transversalidade com a comunicação, ciência e tecnologia, educação, juventude, direitos humanos, igualdade racial, saúde etc. Sem cultura, todas as outras áreas perdem, porque educação sem cultura é ensino, saúde sem cultura é remediação, segurança sem cultura é repressão, economia sem cultura é acumulação, comunicação sem cultura é manipulação, e assim por diante. Mas a reinvidicação principal não é pela volta do MinC. É pela volta da cultura como fundamental numa ideia de desenvolvimento social e econômico o que o governo de Temer já demonstrou que não tem interesse, nem legitimidade popular, para realizar.”
Eduardo Lacerda, poeta e editor
“Um governo ilegítimo não poderia mesmo tomar ações legítimas. Uma série de ações e depoimentos desencontrados em todos os ministérios mostram uma falta total de rumos e propostas. A recriação do Ministério da Cultura é importante, mas não podemos esquecer do desmonte de uma série de políticas do MinC feitas desde o primeiro governo de Dilma. Nossa luta deve ser pela reconstrução de políticas públicas para a Cultura, o que vai além da existência de um ministério.”
José Castilho Marques Neto, ex-diretor do Plano Nacional do Livro e Leitura, que pediu demissão após Temer assumir provisoriamente
“A reinstalação do MinC, fruto da resistência cultural e democrática, não deve ser louvada como um acerto do governo presidencial provisório e muito menos ensejar gestos de boa vontade e integração passiva com os novos mandatários. O que está em pauta aqui é reconhecer ou não um governo regressivo e instalado sob um jogo antidemocrático evidente e ilegítimo frente ao resultado da vontade majoritária de 54 milhões de brasileiros. O fato de voltar a ser MinC não o destaca olimpicamente de um governo reacionário e antipopular. Da mesma maneira, se persistisse o continuado sufocamento financeiro nos governos Dilma sobre a Cultura, que comprometeu seriamente programas e ações estratégicas para a cidadania, como a área de leitura, literatura, livros e bibliotecas que enfrentava o menor orçamento desde 2003, o resultado seria desastroso. Mas ainda mais desastroso seria perder o nexo entre status ministerial somados a recursos para a Cultura e os valores simbólicos que são fundamentais para a construção democrática de uma nação livre.”
Domingos Oliveira, cineasta
“Consequente vitória. A cultura é o retrato do país, sinto orgulho de pertencer a uma classe que tem voz. Que reclama, grita, e o seu berro assusta. A volta do Ministério anuncia o retorno da razão ao poder. Viva o inconformismo tenaz dos artistas. Tiram ouro das pedras!”
Francisco Bosco, filósofo e ex-presidente da Funarte
“A volta do MinC se deu por pressão do setor artístico e cultural. É importante dizer, entretanto, que tenho lido muitos artistas defenderem o MinC com uma argumentação completamente destituída do contexto político mais amplo e do sentido político do ministério. Acho essa postura lamentável e, em alguns casos, oportunista. Para mim, a luta pelo Minc é inseparável da luta por um MinC dedicado a políticas públicas abrangentes e inclusivas. Um Minc que volte a ser um órgão do Estado para financiar as velhas elites lobistas é tudo que não precisamos nós que defendemos um estado democrático no sentido profundo da palavra. A luta pelo Minc não pode portanto ser separada da luta contra o golpe e da luta por uma sociedade profundamente democrática.”
Milton Hatoum, escritor
Acho que Michel Temer voltou atrás porque os protestos aumentaram e se espalharam por todo o país. O esforço de Mário de Andrade não foi em vão.
José Padilha, cineasta
“A cultura, no mundo inteiro, é apoiada pelo estado. Na Inglaterra, na França, na Alemanha, etc. O cinema americano, por exemplo, recebe infinitamente mais incentivos fiscais do que o cinema brasileiro. De modo que a ideia de que existe no Brasil uma “farra” de artistas feita com incentivos fiscais, e que isso é uma distorção em relação ao resto do mundo, é uma ideia que não corresponde aos fatos. Isto posto, o que me parece realmente importante é saber qual será a política cultural do País, quanto do orçamento da união será alocado para a sua consecução, com base em que critérios e mecanismos será feita a alocação dos recursos disponíveis, e quem irá fiscalizar os produtores culturais que receberem estes recursos. A cultura precisa da organização mais inteligente, enxuta e eficiente possível para formular esta política e levála a cabo. O nome desta organização não me parece ser o mais importante. Sou a favor de chamá-la de Ministério da Cultura se isto acalmar o ânimo dos formadores de opinião do País. Mas não sem antes lembrar a eles que quem elegeu o Temer foram os eleitores da Dilma. Eu votei nulo.”
Ronaldo Bressane, escritor
Há várias leituras dessa presepada. Uma delas é ver esta nomeação como uma espécie de calaboca, pois, até onde sei, o novo ministro tem um bom trânsito entre artistas do Rio e se notabilizou por deslocar o eixo dos apoios a ações culturais para longe da zona sul (portanto perto das zonas eleitorais afinadas com seu exchefe Eduardo Paes); é um diplomata, daí esperarmos um sujeito aberto ao diálogo. Independentemente da capacidade e da sorte do ministro, é óbvio que a primeira percepção é de perda, por conta do excelente trabalho de Juca Ferreira, que tem larga experiência e conhecimento da cultura brasileira o atual ministro jamais teve trabalho expressivo no setor cultural. É uma nomeação antes política do que meritória. Acima de tudo, mesmo que a realidade e a maturidade se imponham uma hora os artistas serão obrigados a dialogar com quem ora ocupa o poder , é evidente que a atuação do novo ministério nasce manchada, posto que ilegitimada pela classe artística, que não se considera de modo algum identificada com o processo que levou ao poder o atual chefe do ministro, o provisório, digo, o interino Temer. Ou seja, vai ser treta!
Ney Latorraca, ator
“Está certo. O ministério tem de ficar.”
Eduardo de Souza Barata, produtor teatral
“Foi uma grande vitória para a sociedade, para os profissionais de cultura e para o Brasil. O MinC é o espaço correto para as discussão e formulação de políticas públicas para o setor cultural. É o ministério que possui especialistas nas áreas de patrimônio público, em memória e em todos os segmentos das artes. Além de entender a preocupação em relação a um distribuição mais equilibrada de verbas para todas as regiões do País. A performance de Marcelo Calero como gestor da pasta de cultura na cidade do Rio foi de excelência. Além de estar sempre disponível para o diálogo. Já houve o compromisso de cumprir com passivo do ministério e a liberação de R$ 230 milhões para isso, em até quatro meses. Também foi anunciado que o MinC terá um aumento de 50% para o orçamento de 2017.”
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Hipocrisia
Um texto tão longo é raro se ver nos blogs progressistas quando se trata das mazelas sociais.É quase tudo jogado para baixo do tapete. Com a possível efetividade do governo interino é capaz que venha à tona o retrato cruel da realidade. Antes temos que dar um tempo ao esquecimento do passado próximo.