As características da depressão econômica

Sugerido por Almeida 

Do Resistir.info

Uma depressão keynesiana ou marxista? 

por Michael Roberts [*]

Os leitores habituais deste blog sabem que um dos meus temas principais é que a economia capitalista mundial está agora numa Longa Depressão (ver meu livro, The Great Recession e este post de 2011, thenextrecession.wordpress.com/2011/09/18/it-feels-like-a-depression/ ), conduzida pelas principais economias capitalistas avançadas (thenextrecession.wordpress.com/2012/10/05/the-long-and-winding-road/ ethenextrecession.wordpress.com/2013/02/10/why-is-there-a-long-depression/ ).

Por Longa Depressão quero dizer economias a crescerem sistematicamente bem abaixo das suas taxas tendenciais anteriores, com desemprego emperrado em níveis bem acima dos anteriores à Grande Recessão, e desinflação (redução da inflação) a transformar-se em deflação (queda de preços). Acima de tudo, é um ambiente económico onde o investimento em capital produtivo está abaixo dos níveis médios anteriores, com poucos sinais de que venha a levantar-se. (thenextrecession.wordpress.com/2011/11/25/us-investment-strike/ ). Na verdade, esta depressão está agora a atingir as chamadas economias emergentes, onde, mesmo com suas grandes disponibilidades de trabalho barato e nova tecnologia importada, o PIB real também está a desacelerar. 

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Até agora esta designação não teve muito apoio entre economistas de qualquer coloração teórica. Mas subitamente a ideia da “depressão permanente” veio à superfície da “grande e boa” corrente principal da análise económica. Na recente conferência do FMI sobre as causas da crise (thenextrecession.wordpress.com/… ), Larry Summers, antigo executivo da Goldman Sachs, ex-secretário do Tesouro dos EUA, ex-presidente da Universidade de Harvard University e candidato falhado a encabeçar o US Federal Reserve, considerou que os esforços de bancos centrais para ressuscitar a economia com taxas de juro baixas ou zero, ou com a “impressão de dinheiro” através compras tipo QE de papéis financeiros do governo e do sector privado, não estava a funcionar para devolver o “crescimento normal” às economias. “Mesmo uma grande bolha não foi suficiente para produzir qualquer excesso de procura agregada… mesmo com estímulo artificial à procura, vindo de toda esta imprudência financeira, você não veria qualquer excesso… o problema subjacente pode estar ali para sempre”. Assim, “podemos bem de nos próximos anos precisar pensar acerca de como administrar uma economia onde a taxa de juro nominal zero é um inibidor crónico e sistémico da actividade económica, mantendo nossas economias outra vez abaixo do seu potencial”.

Aparentemente, mesmo políticas monetárias “não convencionais” não estão a chegar ao resultado desejado para a economia, excepto para conduzir os preços do mercado de acções numa nova bolha (não inflacionária). A visão de Summers tem sido reflectida como uma ladainha por imitadores keynesianos como Paul Krugman, ex-economista chefe da Goldman Sachs, o bloguista do Finantial Times Gavyn Davies e o colunista do FT e amigo deles todos Martin Wolf. Para eles, parece que o capitalismo não está a trabalhar “automaticamente” para devolver o “crescimento equilibrado” e as pressões deflacionárias estão a tornar-se dominantes.

Como diz Krugman no seu post, intitulado A Permanet slump? (www.nytimes.com/2013/11/18/opinion/krugman-a-permanent-slump.html?_r=0 ): “E se o mundo em que temos vivido nos últimos cinco anos for o novo normal? E se condições como de depressão estão destinadas a persistir, não por mais um ano ou dois, mas por décadas?… de forma a que “a tese da “estagnação secular” – um estado permanente no qual uma economia deprimida seja a norma, com uns poucos episódios de pleno emprego entre grandes intervalos?” Krugman avança: “A resposta de Summers é que podemos ser uma economia que precisa de bolhas apenas para alcançar alguma coisa próxima ao pleno emprego – pois na ausência de bolhas, a economia tem uma taxa de juro natural negativa. E isto não tem sido verdadeiro apenas desde a crise financeira de 2008; tem sido comprovadamente verdadeiro, embora talvez com gravidade crescente, desde a década de 1980”. Espantoso! Assim, parece que as principais economias capitalistas já não podem mais crescer a taxas que permitiriam pleno emprego mesmo com taxas de juro reais negativas.

Será que isto significa que os grandes gurus da análise económica agora concordam comigo acerca do estado da economia capitalista mundial? Bem, não realmente. Deixem-me tentar explicar porque penso que esta nova paixão acerca da depressão da parte de pessoas como Summers, Krugman e Wolf diferente do meu ponto de vista (e aliás eu consideraria que também o de Marx). Primeiro, para os keynesianos, a depressão é um produto do entesouramento de dinheiro pelos capitalistas que leva a uma falta de “procura efectiva” permanente. Mas o que pessoas como Krugman não explicam é porque este entesouramento subitamente acontece e porque não terminará, mesmo com taxas reais negativas. Não deveríamos olhar não apenas para o sector financeiro e a política do banco central e examinar o que está a acontecer na economia real? Sob o capitalismo, isso significa [examinar] o que tem acontecido à lucratividade do capital.

Krugman agora fala na “estagnação secular” sob o capitalismo a partir da década de 1980, reflectindo os argumentos do economista neo-keynesiano Alvin Hansen do período do pós guerra imediato o qual extrapolou a teoria de Keynes para referir-se ao gradual amortecimento do crescimento; ou as ideias mais recentes de Robert Gordon acerca do colapso da inovação e da produtividade em economias capitalistas modernas (ver meu post,thenextrecession.wordpress.com/2012/09/12/crisis-or-breakdown/ ).

Krugman considera que esta estagnação secular pode ser causada pela “desaceleração do crescimento populacional” que mantém baixa a procura efectiva, ou pode ser causada pelos “défices comerciais persistentes “, os quais vieram à tona na década de 1980 e “desde então têm flutuado mas nunca se afastaram”. A primeira explicação procura fora dos movimentos da acumulação capitalista alguma exógena lei da natureza e a segunda refere-se realmente a desequilíbrios entre economias capitalistas, ao invés do capitalismo como uma economia mundial. Ambas negam qualquer falha nos fundamentos do capitalismo moderno e nenhuma delas soa convincente.

Martin Wolf também aborda o tema da “estagnação” no seu post mais recente no FT, Why the future looks sluggish, www.ft.com/cms/s/0/a2422ba6-5073-11e3-befe-00144feabdc0.html#axzz2l71zthLV ). Para Wolf, a causa desta nova depressão é uma “abundância de poupanças globais” ou uma “escassez de investimento” provocada pelo “entesouramento excessivo” de poupanças por capitalistas relutantes em investir: “a economia mundial tem estado a gerar mais poupanças do que os negócios querem usar, mesmo a taxas de juro muito baixas. Isto é verdade não só nos EUA, mas também nas economias de alto rendimento mais importantes”. Assim, o problema da longa depressão é um excedente de lucros e não a baixa lucratividade.

Isto é um velho argumento de cabelos brancos que teve origem em Ben Bernanke, o actual chefe do Fed, ainda no princípio dos anos 2000, quando argumentou que a causa dos “persistentes défices comerciais” nos EUA e Reino Unidos devia-se a “demasiada poupança” no países “excedentários” da Ásia e da OPEP. Portanto a farra de crédito e o subsequente esmagamento do crédito foi realmente por culpa de os indivíduos do Japão ou da China não gastarem bastante com bens dos EUA! Agora a culpa já é de toda a gente por não gastar bastante. Mas, mais uma vez, a questão é porque as pessoas não estão a gastar bastante? Isso não é difícil responder quando se chega às famílias médias, dizimadas por rendimentos reduzidos e desemprego, mas por que companhias capitalistas nos EUA ou no Reino Unido ou na Europa não investem mais? Wolf pensa que pode ser devido a “dívida excessiva” acumulada durante a farra de crédito antes da Grande Recessão. Assim, a crise foi causada pelo “gasto excessivo” e agora a depressão é causada pela “poupança excessiva”. O capitalismo simplesmente balouça de um para o outro!

Wolf pensa também que a falha em investir pode-se dever a uma mudança na cultura de firmas capitalistas, as quais não querem mais investir em capital produtivo e preferem brincar no mercado de acções ou comprar activos financeiros. Assim, eis no que se tornou o grande sistema capitalista – uma economia “rentista”. Tratei anteriormente destes argumentos neste blog (thenextrecession.wordpress.com/… ) e pretendo a eles retornar no futuro. Mas, mais uma vez, a ideia da lucratividade do capital no que é, afinal de contas, por definição uma economia do lucro onde pessoas investem para fazer um lucro, está totalmente ausente das explicações de Krugman ou Wolf.

Noah Smith, um bloguista keynesiano , recentemente considerou como sair da depressãonoahpinionblog.blogspot.co.uk/… :

“A solução para crescimento reduzido e desemprego elevado ( e involuntário ) é relativamente simples. Finalmente alguém começará a gastar os recursos ociosos . Isto tanto pode ser pelo sector privado desde que independentemente se restabeleça do seu afundamento em espíritos animais, ou será o governo”. Ah, sim, os “espíritos animais ” retornarão. Ou será assim? Smith reconhece que podem não vir em qualquer momento em breve porque “é perfeitamente plausível que a economia – como tem acontecido – possa permanecer deprimida mesmo com taxas muito baixas devido a pressões para desalavancar, baixas expectativa e baixa confiança, etc”. Assim, a explicação da depressão é: dívida alta ainda a ser desalavancada, “baixas expectativas” (ou lucro?) e “baixa confiança” (no que?). Mais uma vez, nenhuma menção ao que está acontecer à lucratividade.

Smith considera que “se o mercado está mal preparado para aproveitar os recursos ociosos em qualquer período breve – permanecendo como está num estado depressivo, irracional – o único agente que pode fazer isto é o estado. O estado pode emprestar dinheiro (utilizando capital ocioso) para criar empregos (utilizando trabalho ocioso), elevar taxas de juro e deitar abaixo a taxa de desemprego. E esta abordagem não exige que alguém faça previsões precisas acerca do futuro. Ela simplesmente exige uma economia de mercado, e um estado desejoso de empregar recursos ociosos quando eles estão ociosos… e note-se que sou a favor de uma economia baseada predominantemente no mercado. Intervenções do governo deveriam ser mantidas num mínimo necessário”. Assim, o estado pode salvar a situação se o investimento privado não o fizer – mas mantenha-o num mínimo.

“Pela redução do desemprego e o gasto do capital ocioso (preferivelmente num mix de infraestrutura dirigida pelo estado e projectos de tecnologia, e concessão de empréstimos a novos negócios) mais negócios podem vir à luz”. Uma vez tendo o estado feito o seu papel de salva-vidas, podemos retornar ao normal: “Mais cedo ou mais tarde, naturalmente, o sector privado voltará e começara a gastar recursos”. O perturbante é que o normal “poderia estar a uma distância muito, muito, muito longínqua. Se quisermos que a estrutura de produção se ajuste ao novo mundo e continue a ajustar-se quando o mundo continua a mudar, deixando enormes quantidades de recursos em estado de ociosidade parece um mau caminho de fazer isto”. Assim, precisamos de “política orçamental com alvos definidos”. O governo ao resgate.

Mais uma vez, não há explicação da razão porque o capital está ocioso – será que é por não suficientemente lucrativo? O único meio de ressuscitar aquela lucratividade é através de quedas(slumps) que destroem o valor do capital improdutivo acumulado, de modo a que a lucratividade (em relação ao valor remanescente) ascenda e permita a retomada do processo de acumulação. Após um período de enorme acumulação tanto de capital tangível como de capital fictício ao longo dos últimos 20 anos, o capitalismo entrou numa Grande Recessão. Mas, tal como na Grande Depressão da década de 1930, ele não pode sair desta longa queda sem uma destruição maciça do capital morto. A Segunda Guerra Mundial finalmente conseguiu fazer isso. Nas décadas de 1880 e 1890, ele sofreu uma série de grandes quedas antes de o crescimento sustentado retomar. A situação é semelhante agora. Apenas mais gastos governamentais destinados a “estimular” ou mesmo substituir (temporariamente) o sector privado não resolverão o problema. Só a substituição da acumulação capitalista pelo investimento planeado pelo estado como modo de produção dominante faria isso. Caso contrário, podemos esperar ainda outras quedas estrada abaixo, antes de cessar a estagnação “secular”.

20/Novembro/2013

[*] Economista.

O original encontra-se em https://thenextrecession.wordpress.com/… 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . 17/Dez/13

Redação

2 Comentários

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  1. Ninguém pode fazer nada para mudar isso?

         Com tudo isso podemos constatar que uma enorme massa de pessoas, gente , seres humanos, trabalhadores, famílias, estão totalmente sujeitos a uma coisa chamada economia, que é controlada por outros poucos. Essa enorme massa constituída daqueles que produzem riquezas, bens materias ou imateriais, para todos esses trabalhadores não foi dado poder de determinar nada, ou quase nada, sobre o futuro da economia. Eles produzem as riquezas que vão ser muito mais usufruidas por outros. E são justamente esses outros, que são poucos comparativamente, que são os “donos do trabalhador”, do produto do seu trabalho, do capital gerado pelo trabalho, são esses “donos” que determinam a vida de todos. Eles não tem compromisso com ninguém, eles visam o seu próprio lucro,  o que eles decidirem fazer com o capital – que é resultado do trabalho e da materia tomada da natureza – poderá trazer desemprego, sofrimento, fome, desespero, etc. para uma grande massa de trabalhadores. O que eles acharem melhor para eles, eles farão.  Mas, por suas escolhas,  por suas decisões,  eles podem prejudicar muita gente. 

        As coisas tem que ser assim?

  2. Inflação X Deflação

    Trouxeram o debate para o blog, pena que poucos quizeram participar.

    Destruição de capital morto por guerras é o mesmo que açoitar os humanos nos trabalhos forçados.

    Falta inteligência na população para o uso das riquezas acumuladas pelas gerações anteriores, não se pode acomadar e ficar preguiçoso.

    Quem sabe um imposto contra a preguiça?

    Alguém têm outras sugestões?

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