
As (terríveis) consequências econômicas de um ajuste fiscal bem feito
por Heldo Siqueira
A economia deve ser a única ciência a partir da qual se podem haver opiniões tão diversas quanto a do professor Marcos Lisboa [1] e do economista e ex-secretário da Casa Civil do Espírito Santo Tyago Hoffmann [2]. Tratando o mesmo tema, ambos conseguem divergir categoricamente, um apontando as virtudes do ajuste fiscal feito no Espírito Santo e outro considerando a política um “desmonte”. Os teóricos do arrocho entendem que um ajuste bem feito não precisa retirar recursos de áreas prioritárias. Mesmo assim, analisando um caso de sucesso como o do Espírito Santo é possível duvidar sinceramente desta análise.
De fato, o Estado conseguiu, a despeito da queda da arrecadação de R$ 550 milhões anuais do ano de 2014 para 2016, superávits superiores a R$ 500 milhões em 2015 e 2016. Entretanto, a interpretação dos dados por esse critério parece demasiadamente simplista. As despesas com inversões financeiras e investimentos representavam 18,53% do gasto em 2013 e marcaram em 2016 7,07%. Ao mesmo tempo, os custos com pessoal e encargos sociais saíram de 54,4% para 63,76% (todos os dados são do Portal da Transparência do Estado) [3]. Estes são elementos suficientes para mostrar que o ajuste está piorando significativa e aceleradamente a qualidade do gasto capixaba. Mesmo assim, o debate que se quer fomentar não diz respeito à qualidade de ajuste, que do meu ponto de vista não poderia ter sido feito de outra forma, mas as consequências econômicas e sociais que deve apresentar para o futuro.
Gráfico – Relação entre receitas e despesas [4] em R$ Milhões
Inicialmente, é importante analisar a magnitude do ajuste fiscal realizado no Espírito Santo. As despesas do Estado que haviam se ampliado em 13,65% entre 2013 e 2014, diminuíram 8,52% em 2015 e mais 1,22% em 2016. Ou seja, as despesas do governo encolheram mais de 9,5 p.p. em dois anos. Tratou-se, de fato, de um ajuste expressivo, entretanto, os cortes de gastos não foram feitos de maneira uniforme.
Tabela 1 – Percentual de valores gastos com diferentes grupos de despesas (%)
Apesar dos principais valores tratarem-se do aumento do percentual gasto com pessoal e da diminuição de despesas com investimentos e inversões financeiras, cabem outras observações. Os juros e encargos da dívida aumentaram, 158% e as amortizações que haviam diminuído de 2013 para 2014, se expandiram também. Mesmo as despesas correntes, que encolheram proporcionalmente entre 2015 e 2016 são maiores que aquelas anteriores ao início do ajuste. Na verdade, entre 2014 e 2016, declinaram em termos gerais, saindo de R$ 3,114 bilhões para R$ 2,893 bilhões. Analisando os dados dessa forma, pode-se afirmar que o ajuste fiscal atingiu o objetivo geral das despesas correntes, mas representou um corte abrupto dos investimentos e inversões financeiras. Mesmo com todo o esforço, o resultado final foram despesas correntes proporcionalmente maiores!
Tabela 2 – Gastos do Espírito Santo por Função
Outra forma de avaliar a qualidade do gasto público é analisar como estão sendo empregados os recursos. Observa-se, nesse caso, que o vigoroso ajuste retirou recursos da saúde entre 2015 e 2016 e vem retirando recursos da educação desde 2014! Ou seja, mesmo com cortes de 7,51 p.p. das despesas não identificadas (agricultura, assistência social, ciência e tecnologia, cidadania, etc. que também são importantes) houve necessidade de cortar gastos de setores prioritários.
Mesmo que as elucubrações teóricas permitam dizer que os ajustes fiscais podem ser feitos sem tirarem recursos de questões essenciais, uma rápida análise sobre o Espírito Santo mostra que trata-se, na prática, de uma falácia. Até a segurança pública, setor cuja destinação de recursos apresentou elevação em todos os períodos está em crise. Outra bobagem é circunscrever as dificuldades por que passam as pessoas mal atendidas por um serviço precário às questões sociais. A solução dos idiotas, demitir servidores, representa apenas precarizar ainda mais os serviços prestados a população que já tem que conviver com doenças antes erradicadas e insegurança crônica. O ajuste fiscal criou uma insatisfação na segurança pública que gerou, segundo a Fecomércio-ES, R$ 90 milhões de prejuízos econômicos [5]. Isso sem se contabilizarem os custos com vacinas adicionais para doenças antes erradicadas como a febre amarela, prejuízos para infraestrutura e os impactos sociais das mais de 150 mortes no Estado apenas no início de 2017. Aparentemente espera-se que milagrosamente os investimentos no estado voltem como prêmio por um governo austero.
[1] http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-lisboa/2017/02/1856817-enquanto-rio-faz-proposta-que-amplia-a-crise-es-mantem-as-contas-em-dia.shtml
[2] http://oglobo.globo.com/opiniao/o-desmonte-do-espirito-santo-20966997
[3] https://transparencia.es.gov.br/DadosAbertos/BaseDeDados#Despesa
[4] Receitas = Receitas Correntes + Receitas de Capita – Deduções das receitas – Receitas correntes intraorçamentárias.
[5] http://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/2017/02/fecomercio-aponta-r-90-milhoes-em-prejuizos-para-lojistas-do-espirito-santo.html
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Dados técnicos sobre as finanças do ES
Essa matéria traz links para dois ofícios, os quais contêm dados interessantes sobre as finanças do ES (transparência pública, renúncia fiscal, Fundap):
http://www.mpc.es.gov.br/2017/02/mpc-cobra-informacoes-a-sefaz-sobre-beneficios-fiscais/
Haverá capitalismo no Brasil,
Haverá capitalismo no Brasil, com o Estado Anão dominado pelo capital financeiro ?
Não é ajuste fiscal o objetivo.
Ajuste fiscal é uma falácia, passamos anos com um superavit fiscal e forte crescimento, e também com um aumento dos investimentos do estado. Passamos por crises e sim surfamos no boom das commodities, mas não apenas surfamos, na verdade, aproveitamos o boom para içar milhões do patamar baixo em que se encontravam e fizemos o país crescer internamente e geopoliticamente.
De forma oportunista na primeira crise que nos alcança,interesses externos ligados ao capital financeiro se aproveita para realizar mais e mais lucros, enquanto o capital produtivo se encolhe se encolhe. Agora o governo passa a leiloar o ramo das commodities e a nossa agricultura e a nossa siderurgia e a nossa produção de petróleo, ou seja nossas maiores fontes de renda estão sendo um a um destruidos. Ou seja, o ajuste fiscal não é o objetivo, o objetivo é destruir a capacidade de investimento do estado, e a industria e com isto destruir qualquer possibilidade de desenvolvimento. E sem o estado o que podemos esperar de industriais, que só investem se tiverem assegurados seus lucros, e a que sempre viveu dos incentivos do estado . Eu pergunto o que isto tem a ver com ajuste fiscal?
O exemplo e os dados acima mostram claramente que o objetivo não é e nem nunca foi o ajuste fiscal.
Debate sobre o setor público
É muito óbvio que qualquer corte de gastos vai redundar em redução do investimento. Ninguém, a não ser doidos varridos, deixa de pagar contratos firmados (limpeza, conservação, água, luz) para fazer novos investimentos. Quando as contas apertam o jeito é manter o essencial. Os processos de contratação e destrato são demorados e por isso eles valem muito para serem desfeitos (mesmo as contratações de pessoal via concurso são demoradas e as substituições são problemáticas).
Só existem três tipos de pessoas que acham que o Estado consegue fazer ajustes recessivos deste tipo: i) os ignorantes (que não conhecem a realidade do setor público); ii) os idiotas; e iii) os oportunistas. O problema é que o debate só pode ocorrer com os primeiros…