Ex-integrantes do Cade alertam para ‘desvio de atuação’ do órgão

Em nota conjunta, ex-integrantes da autarquia criticam ordem do atual presidente para investigar institutos de pesquisa

Divulgação

Ex-integrantes do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) soltaram nota conjunta alertando para o risco de ‘desvio de atuação’ por investigação por cartel contra institutos de pesquisa de intenção de voto. Os ex-conselheiros do órgão questionam medida e defendem ‘proteger caráter técnico’. Leia a matéria de Letícia Paiva no Jota.

no Jota

Ex-conselheiros do Cade se manifestam contra risco de ‘desvio da atuação’ do órgão

por Letícia Paiva

Um grupo de 20 ex-integrantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) divulgou nota conjunta contra a instauração de uma investigação por cartel contra institutos de pesquisa de intenção de voto. Eles apontam risco de “desviar a atuação” do órgão, questionam atuação isolada da presidência e defendem “proteger caráter técnico”.

A Corregedoria-Geral Eleitoral e a Procuradoria-Geral Eleitoral investigam a possibilidade de prática de abusos de autoridade e de poder político, por eventual desvio de finalidade do Cade como órgão administrativo para favorecer a candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro (PL).

Após o primeiro turno das eleições, a imparcialidade de Ipec, Datafolha e Ipespe foi questionada pelo atual presidente do Cade, Alexandre Cordeiro Macedo. Ele determinou a abertura de uma investigação contra as empresas por cartel após os números apresentados pelos institutos na véspera da votação terem sido semelhantes.

No manifesto divulgado nesta quinta-feira (27/10), os ex-membros do Cade afirmam que não cabe à presidência do Cade determinar a instauração de inquérito administrativo ou representar perante a própria autarquia. O presidente faz parte do Tribunal do Cade, que julga as ações. “Aquele que julga não pode investigar”, resumem. 

Além disso, a hipótese de cartel baseada na diferença de intenção de votos entre Lula (PT) e Bolsonaro “jamais poderia ser concebida a partir de uma análise antitruste minimamente técnica”. Eles afirmam que a uniformização de resultados errados por apenas três institutos de pesquisa não representaria qualquer benefício a eles, mas prejuízos. 

A abertura da investigação contra os institutos já foi suspensa por ordem de Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele apontou não haver justa causa para o inquérito e não ser competência do Cade.

Assinam a carta: Afonso Arinos de Mello Franco, Ana Frazão, Arthur Badin, Arthur Barrionuevo, Calixto Salomão Filho, Celso Fernandes Campilongo, Cleveland Prates Teixeira, Daniel Goldberg, Diogo Rosenthal Coutinho, Elvino de Carvalho Mendonça, Fernando de Magalhães Furlan, Fernando de Oliveira Marques, Floriano de Azevedo Marques, Neide Teresinha Malard, Lucia Helena Salgado e Silva, Luiz Carlos Delorme Prado, Marcos A. Perez, Maria Paula Dallari Bucci, Olavo Chinaglia, Paulo Furquim de Azevedo, Paulo de Tarso Ribeiro, Roberto Pfeiffer, Ronaldo Porto Macedo Jr., Ruy Coutinho e Ruy Santacruz.

Procurado, o presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Leia o texto na íntegra:

Em defesa da independência e análise técnica pelo CADE

A presente carta, firmada por ex-conselheiros, acadêmicos, autoridades e advogados que atuam no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, tem por intuito proteger o caráter técnico da atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica-CADE, que, tradicionalmente o projetou como órgão de excelência internacional na apuração e repressão a infrações à ordem econômica.

No dia 13 de outubro foi expedido pela Presidência do CADE, o Ofício 8343/2022/GAB-PRES/PRES/CADE “determinando” à Superintendência-Geral do CADE a abertura de inquérito administrativo para a apuração de suposto cartel, por três institutos de pesquisa (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica – IPEC), Datafolha e Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas – IPESPE), consistente na uniformização dos resultados de pesquisa sobre estimativa de votos para candidatos à eleição presidencial do Brasil de 2022.

O único elemento apresentado como indício de conduta concertada pelo ofício foi a coincidência, apresentada nos resultados, quanto à diferença de 14%, entre os dois candidatos à presidência da República, mais votados no 1º turno. Tal elemento foi apontado como uniformização de prática direcionada a manipular o mercado e as eleições.

É consenso entre os signatários desta carta, em primeiro lugar, que não cabe à Presidência do CADE determinar a instauração de inquérito administrativo ou representar perante o próprio CADE, e que a hipótese de cartelização, baseada apenas naquele elemento, jamais poderia ser concebida, a partir de uma análise antitruste minimamente técnica, pelos seguintes motivos:

  1. Não há, dentre as competências do Presidente do CADE, previstas na Lei de Defesa da Concorrência-LDC a determinação de instauração de Inquérito à Superintendência Geral do CADE e fere o princípio do juiz natural (derivado da CF, art. 5º incisos XXXVII e LIII), válido para o processo administrativo sancionador, a representação, por membro do Tribunal do CADE, por infração à ordem econômica perante a Superintendência Geral do CADE (aquele que julga, não pode investigar). 
  2. A acusação de cartel pressupõe evidências mínimas de uniformização de condutas por agentes concorrentes em determinado mercado, quanto a variáveis mercadológicas relevantes, dentro de uma racionalidade econômica de dominação. A conduta apontada como concertada deve representar algum benefício aos agentes, seja em termos de maximização de lucros, seja em termos de perpetuação da posição dominante. A suposta uniformização concertada, por três institutos de pesquisa, de resultados de pesquisas estatísticas, apontada no Ofício, não satisfaz minimamente este teste, por indicar apenas o paralelismo sem qualquer fator que indique ser resultado de coordenação, por envolver apenas três agentes dentre muitos em um mercado com produto sob encomenda, por não ter racionalidade pois uma coordenação para errar previsão de pesquisa eleitoral traria prejuízo econômico aos supostos agentes.

Portanto, na visão dos signatários, não é da competência da Presidência do CADE requisitar a instauração de apuração de infração da ordem econômica perante a Superintendência do CADE, bem como foge das melhores práticas internacionais e dos parâmetros técnicos balizados pela legislação de defesa da concorrência iniciar uma investigação sem qualquer indício de ocorrência de infração da ordem econômica, o que traz o risco de desvirtuar a atuação do CADE, ao afastá-lo de sua efetiva atribuição: a prevenção e repressão a abusos de poder econômico.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Redação

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