Fingindo governar, Temer firmou sua presidência, por André Singer

Jornal GGN – Em sua coluna na Folha de S. Paulo, o articulista André Singer fala sobre o “milagre” que governo interino fez para se firmar. Para tanto, foi preciso unificar as classes dominantes e esvaziar a reação das dominadas. “Nada mais óbvio. Convém, no entanto, ver de que maneira o fez, pois há lições a tirar daí”.

“Em relação à economia, o ministro Henrique Meirelles teve a habilidade de não praticar nada, com a aparência de estar realizando tudo. Explico. O nó górdio consistia em aprofundar o ajuste fiscal sem com isso deprimir ainda mais uma economia que caminha para o terceiro ano de estagnação/recessão. Meirelles cortou o nó, atuando em dois tempos”.

No curto prazo, o ministro não cortou gastos, pelo contrário, promoveu uma elevação que alegrou o Congresso. Mas mexeu na raiz dos direitos previstos na Constituição e assim animou as expectativas para um longo de orçamento enxuto para projetos sociais.

Da Folha de S. Paulo

A velha magia

Por André Singer

Nada como a realidade efetiva para entender as coisas (Maquiavel). Três meses atrás escrevi que o governo interino precisaria de muita sorte para superar os óbices que o ameaçavam. Devo reconhecer que não teve fortuna especial, mas ainda assim caminha para firmar-se.

Como foi realizado o milagre? Simples: unificou as classes dominantes e esvaziou a reação das dominadas. Nada mais óbvio. Convém, no entanto, ver de que maneira o fez, pois há lições a tirar daí.

Em relação à economia, o ministro Henrique Meirelles teve a habilidade de não praticar nada, com a aparência de estar realizando tudo. Explico. O nó górdio consistia em aprofundar o ajuste fiscal sem com isso deprimir ainda mais uma economia que caminha para o terceiro ano de estagnação/recessão. Meirelles cortou o nó, atuando em dois tempos.

De imediato, não houve redução de despesas. Pelo contrário, abriu-se espaço para gastos extras, que contentaram o Congresso, setores do funcionalismo e governadores. Em compensação, se enviou ao Parlamento um plano de longo prazo que, se passar, será “a primeira mudança estrutural na questão da despesa pública desde a Constituição de 1988”, nas palavras do próprio Meirelles.

Isto é, ao não produzir novas tesouradas agora, deixa que os sinais tímidos de retomada do crescimento possam florescer. Com isso, molha o pavio da reação popular. Ao mesmo tempo promete ao capital aquilo com o que ele sonha há tempos: mudar (na prática) a Constituição, de modo que ela caiba em orçamento enxuto.

Os dois outros problemas foram parcialmente solucionados a partir da resolução do primeiro. Com o apoio da burguesia — o que se reflete de imediato na postura da grande mídia — foi desencadeada a operação “carga ao mar” do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), artífice do impeachment, mas insuportável para a opinião pública. A estreita ligação entre o referido parlamentar e o presidente interino, confirmada pelo encontro noturno em que se acertou a saída do primeiro, passou batido, como se natural fosse.

Por fim, mas não menos importante, as graves acusações da Lava Jato que assombravam Temer antes da posse deram em nada. Para completar, Sérgio Machado afirmou, na sua delação premiada, que, em 2012, Temer teria pedido propina de R$ 1,5 milhão para financiar a campanha de Gabriel Chalita, então candidato a prefeito de São Paulo pelo PMDB. Por que nada, até aqui, cola no vice em exercício? Porque tem o apoio derivado do motor em dois tempos ligado por Meirelles.

Redação

10 Comentários

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  1. É isso.
    Vamos aos detalhes de como é feito os “milagres”. Soube no dia que Cunha aceitou o processo de impedimento de Dilma que isso ocorreria. Sabe por que, porque não vivemos em um país sério.

    1. E existe país sério neste planeta?

      O texto do Singer é simplista mesmo, mas a explicação que dão para os problemas da nossa nação, tipo que a corrupção está no dna do brasileiro, ou que a nação não é seria, é de uma simplificação patética. Um giro pela História universal e análise das ações das ditas nações desenvolvidas(sic) desmonta esses argumentos precários. As misérias e grandezas do homem se adaptam a contextos, épocas e locais. A humanidade que é assim. Agora ressaltar que aqui a estupidez  é maior é reafirmar o complexo de inferioridade, de viralata do brasileiro( adianto que eu e milhões estamos fora disso). Não resolve nada. E sendo também simplista (está na moda), tampa o sol com a peneira. Vamos dar um basta nessas tolices e nos reafirmamos como homens, brasileiros e seguir com a vida. Vimos os problemas, é hora de buscar soluções!

      1. Bonfim.
        Infelizmente a resposta é simples mesmo. Não é de hoje que o Brasil é assim. As mesmas coisas aconteceram com Vargas, Jucelino e agora com Lula. O Brasil parou no século XIX. São os fatos a uma força de atração que sempre leva o país a lama. Não tem nada haver com viralatisse é reconhecer as deficiências do país. Não somos sérios, porque não respeitamos a constituição, não pensamos no país, no interesse da nação. O próprio conceito de nação ainda não é entendido pela grande maioria da população. Não á explicação para um país como o Brasil não ser independente econômico, militar e culturalmente. Sim vamos caminhar e evoluir, mas isso não vai ocorrer com condescendência. Não à país no mundo com a importância do Brasil (território, população, econômia) agindo como República das bananas. Mostre um único país da importância do Brasil que se enquadre no quesito República das bananas?

  2. Relembrando Joel.”O Papa

    Relembrando Joel.”O Papa Francisco é uma estrela solitária a brilhar no firmamento cinzento.Quem tiver dúvidas,leiam Avareza,do jornalista italiano Emiliano Fittipaldi.É de fazer corar frade de ferro-gusa.” 

  3. Coisas estranhas que acontecem ao acaso

    Não é fácil ser marxista. Como só existe luta de classes, não há instituições como uma grande mídia oligopolista que determina a agenda numa democracia de massas.

    Em virtude da inexistência desse ator, coisas acontecem ao acaso.

    “A estreita ligação entre o referido parlamentar e o presidente interino … passou batido, como se natural fosse.” Grifo meu.

    Ou seja, não foi algo premeditado pelos donos das grandes empresas privadas de comunicação. Como poderia ser, se esse ator (a grande mídia) nem existe (segundo a teoria empregada)?

    Reparem que o “comportamento da grande mídia” é determinado pelo capital (a grande burguesia). A “grande mídia” não tem dono e não é uma instituição com certa autonomia. Logo, ela não tem um comportamento contraditório – pelo fato de ser uma instituição que deveria ser plural e, do ponto de vista informativo, imparcial; mas que age como instrumeto político-partidário (segundo o interesses de seus donos). Tudo isso desaparece na grande luta que interessa: capital x trabalho. 

     

    “Por que nada, até aqui, cola no vice em exercício? Porque tem o apoio derivado do motor em dois tempos ligado por Meirelles.” Grifo meu.

    Não é o apoio de uma instituição que “não existe” (a grande mídia) que faz com que “nada cole” no vice, e sim o capital (que o Meirelles encarna) que não quer (que algo cole nele).

    Aqui só existe capital X trabalho. Tudo mais é fruto do acaso histórico.

    Uma coisa que eu não entendo é, se a história (dessa luta de classes) faz tudo por nós, porque precisamos nos preocupar em fazer alguma coisa? Deixa a história me levar… história leva eu.

    Calma, calma, calma. Nossa vontade não pode tudo, ok.

    Mas ou fazemos parte da história e temos uma margem de manobra (parcela de responsabilidade, e aí os diferentes atores sociais passam a existir dentro dessa luta maior capital x trabalho) ou somos conduzidos como autômatos. E aí, basta “curtir” a vida de trabalhador ou capitalista que a história se encarrega de fazer o resto.

    É assim? Se NÃO for, tem algo errado com essa teoria (como expressão de uma verdade predeterminada, infalível). 

    Se for tudo predeterminado, aí só tenho que lamentar de ter perdido meu tempo lendo essa análise e escrevendo essas mal traçadas linhas…

     

  4. Quando a corrupção favorece o Judiciário, boca de siri

    O Judiciário está a ser corrompido pelo Executivo com aumento de vencimentos incompatível com a situação econômica do país e com a capacidade econômica do Estado. A ganância dos membros do Judiciário [juízes, desembargadores e ministros] é infinita: são os funcionários públicos melhor remunerados (que recebem mais do que o dobro do limite superior de vencimentos dos funcionários públicos, ilegalidade em tese) e, mesmo assim, pleiteiam, e estão a conseguir, aumento de mais de 40%. Por que o Executivo dá este aumento absurdo ao Judiciário se não for para tornar o Judiciário conivente com o golpe?

    Ou o Judiciário está a extorquir a camarilha golpista incrustada no Executivo; ou o Executivo está subornando o Judiciário. Em qualquer dos casos, ambos, Executivo e Judiciário, são, institucionalmente, corruptos. Cabe, então, perguntar: onde está o Dr. Moro, cavaleiro chefe da cruzada anti-corrupção?

    1. O judiciário está bancando o perú..

      ….aceitando a  cachaça na véspera do natal…..

      Mal sabem, que a  batata deles, também está assando !!   Afinal, a  guilhotina  sempre foi  democrática !!!

  5. Muita certeza para pouca percepção conceitual e empírica

    Nas análises do André, o povo brasileiro é sempre encarado como espectador, não como sujeito. Não há a percepção de uma democracia de massas em formação constante, nem de um Estado do Bem Estar Social que estava se estruturando. Não há sociedade civil organizada, só a máquina partidária e os jogos de poder convencionais, para ele (penso que ele deve ter ficado preso em sua percepção fenomênica palaciana, quando foi porta voz do Lula). Aliás, foi ele quem criou um pseudo conceito que não explica nada, nem com viés sociológico, nem com viés econômico, o tal “lulismo” (como se estivesse inventando a roda, mas, em outros tempos, Ocatavio Ianni e Weffort chamavam isto de “populismo”). Seria interessante ele se dedicar com mais seriedade à leitura da obra de Florestan Fernandes e incorporar as análises de tantos cientistas sociais relevantes para a análise do processo histórico recente, entre eles Márcio Pochmann e Marilena Chauí. Além disso, uma releitura de Marx, escola de Frankfurt, Grasmsci e Lucáks não lhe fariam mal (além de estudar a obra de sociólogos não marxistas como Wright Mills, por exemplo).

    Ele não consegue transcender o fenômeno conjuntural nas aparências personalistas para detectar o que sempre foge ao figurino conceitual que ele emprega (aliás, é de se estranhar que, em meio a todo este processo histórico, ele ainda permaneça articulista da Folha de São Paulo; mas, talvez, aqui está uma das explicações de sua gaiola conceitual bem adequada ao mundo que desmoronou desde 2015: a sociedade brasileira não cabe mais nas análises de todos os articulistas da mídia oligopólica, inclusive o André): o movimento estrutural socioeconômico subjacente às aparências conjunturais (em sua tensão dialética com os personagens históricos que aparecerm nos jogos institucionais e palacianos), em sua correlação de forças internacionais que são muito mais dinâmicas que o jogo personalista do teatro político.

    Além disso, ele deve conferir ainda muito crédito ao pode absoluto da velha classe dominante, sem detectar novos atores atuantes nesta área, com seus veículos de comunidação decadentes (ainda com certo poder, mas em vias de desaparecimento inevitável). Há disputas hegemônicas em jogo que ele sequer percebe, porque está muito preso a um ponto de vista que está desmoronando (sem que ele perceba). Ou seja, o próprio suporte midiático que ele usa para escrever está desmoronando e ele nem percebe, porque não tem a visão mais acurada conceitualmente para penetrar para além da esfera dos fenômenos conjunturais e nem o tino analítico e coragem que o Nassif teve, ao cair fora do barco desta mesma mídia decadente anos antes e crir um próprio veículo de comunicação com a sociedade maior, veículo mais antenado com as novas forças que já estavam surgindo com vigor desde os início do século (o André não desembarcou do transatlântico afundando que é a Folha de São Paulo e escreve para um público leitor com paradigmas ultrapassados e que ficaram presos aos anos 1990).

    Ele não esclarece a instabilidade institucional e política em que vivemos e não consegue provar que Michel Temer está assumindo uma posição sólida como parece (tão sólida, quanto um cubo de gelo em uma praia no verão). Isto ocorre porque a movimentação popular, para além e para aquém das ruas é que estou falando (mas observando as sondagens estatísticas que estão detectando movimentos mais profundos do que a mera conjuntura e subjetividades de agentes politicos estrito senso) não é levada em consideração em suas análises. Como explicar que um governante com alta taxa de rejeição, só com o apoio de uma mídia decadente, em um universo em profunda transformação social, econômica e política irá conseguir chegar até o fim de um mandato não obtido pela legitimidade direta das urnas e em meio a um processo político parlamentar conjuntural que aponta para retiradas de direitos sociais, econômicos e políticos essenciais e estruturantes? Só se nestas análises, não entrarem as forças sociais e econômicas que estão muito para além do jogo parlamentar e palaciano….

    Não tenho tantas certezas diante do processo instável em que fomos mergulhados e não apostaria minhas fichas em uma fácil estabilização política, econômica e social em bases tão frágeis. Não estamos mais em períodos históricos como o do grito do Ipiranga, em 1822 (mesmo ali, houve convulsões sociais, políticas e econômicas posteriormente, como a Cabanagem e os Farrapos), nem no início da República Velha, em 1889. As massas surgiram, pelo menos desde 1930, de forma vigorosa como agentes políticos que não podem ser abastraídos de forma alguma. Ao contrário, penso que são um forte elemento difícil de ser contido pelas velhas classes dominantes já defasadas não só interna, mas internacionalmente diante do desmoronamento da hegemonia neo liberal desde 2008.

    Se o golpe se consolidar, nada indica que entraremos em um perío mais estável, com a perscpetiva de perda de direitos alcançados por amplas camadas populacionais que não podem ser comprimidas dentro de um conceito tão frágil quanto o do “lulismo”. Lula é um político muito mais sagaz do que este conceito pode sugerir, mas não age como caudilho diante de seguidores. A realidade é muito mais complexa e imprevisível do que este conceito pode perceber e explicar, porque implica em uma tecitura política e social de novas realidades que foram despertadas de estruturas soterradas da sociedade brasileira. Muito difícil acreditar que as massas de pardos, negros e pobres vá aceitar tão passivamente o jogo palaciano e parlamentar como sueger o André.

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