Manifestações, ódio e golpe: as crianças do Brasil estão aprendendo

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – “Salvem o Gui. Salvem nossos filhos”, publicou Rita Lisauskas, no Estadão sobre a criança que, ao invés de fazer desenhos do “Ben 10 ou Homem Aranha, retrata a Presidenta e o ex-Presidente da República com ferimentos no peito, sangrando, ao lado das frases ‘Morre Diuma’ (sic) e ‘Morre Lula'”. A colunista afirma que o Gui e as crianças “precisam de ajuda”. “E rápido”, completa.
 
Para a colunista, o passo seguinte a esse incentivo que partem dos pais ou das escolas é aprender “também que se pode fazer justiça com as próprias mãos quando ouve o pai dizer que ‘tem que matar esse bando de petistas!'”. Leia a coluna completa:
 
Por RITA LISAUSKAS
 
Deixe seu filho longe desse ódio todo
 
Do Estado de S. Paulo
 
Quando entro na escola do meu filho e vejo aquelas crianças todas brincando meu coração sempre enche de esperança. Não paro de sorrir para aquela gritaria fininha, e meus olhos nem piscam ao ver a alegria dos meninos e meninas correndo para cima e para baixo, absortos em suas próprias fantasias, brincadeiras e sonhos, sem ter a menor ideia das guerras rolando atrás da jabuticabeira linda colada ao muro da educação infantil.
 
Mas fiquei chocada, semana passada, ao ver que o ódio, esse sentimento comezinho, adulto e detestável, tinha sim pulado o muro e sentado no gira-gira do parquinho das crianças. Tinha invadido também a aula de artes, esse lugar sagrado onde nossos filhos desenham o céu, as nuvens e colam lantejoulas amarelas no sol, para que fique com o brilho igual ao de suas fantasias.
 
Ninguém deveria ter deixado isso acontecer. Pior do que assistir à invasão bárbara é comemorá-la. “Meu filho, meu maior orgulho. Gui se manifestando na aula de artes. Vamos para as ruas domingo, vamos lutar por um país digno para as nossas crianças”, escreveu um pai semana passada em seu Facebook, ao compartilhar, orgulhoso, um desenho de seu filho feito na escola. Não sei quem é esse pai, a pessoa que compartilhou na minha timeline teve o cuidado de não expor a identidade desse homem. Sabemos apenas que ele é o pai do Gui. Não conheço tampouco a professora do Gui e a escola do Gui mas, espero de todo o coração, que ambas tenham ficado chocadas a ponto de chamar essa família para conversar. Um menino que senta em sua mesinha, coloca um avental e, em vez de desenhar e pintar o Ben 10 ou Homem Aranha, retrata a Presidenta e o ex-Presidente da República com ferimentos no peito, sangrando, ao lado das frases “Morre Diuma” (sic) e “Morre Lula” precisa de ajuda. E rápido.
 
O Gui deve ser como todas as crianças. Gosta de super-heróis, adora um Lego. E muitas vezes, deve ser retirado de seu mundinho paralelo de brincadeiras para correr para a varanda e gritar uns palavrões horríveis, como “puta” e “vagabunda” enquanto seus pais batem panelas.  “Mas a mamãe e o papai não disseram que é feio falar palavrão?”, pensa. Pensa, mas não diz, porque nessa idade eles aprendem tudo o que a gente faz, como esponjas, quase sem questionar. Aos poucos o Gui está aprendendo também que se pode fazer justiça com as próprias mãos quando ouve o pai dizer que “tem que matar esse bando de petistas!” Também fica confuso quando a mãe xinga uma mulher que está de vestido vermelho na rua: “Mas vermelho não é só uma cor?”, pensa. “Mas se a mamãe está tão brava deve ser uma cor horrível”, conclui.
 
Salvem o Gui, salvem os nossos filhos. Não deixem que eles acreditem que desejar a morte de uma pessoa é normal. Não deixem que eles acreditem que xingar uma mulher de puta e vagabunda é aceitável. Que espancar alguém que veste vermelho é um comportamento admissível. Ele e os nossos filhos têm que aprender que todos podem lutar pelos seus ideais, mas dentro da lei. E que urrar, babar e matar é coisa de bicho, não de homo sapiens.
 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

17 Comentários

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  1. “Ninguém nasce odiando…

    “Ninguém nasce odiando… …para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas também podem ser ensinadas a amar”

    Nelson Mandela

  2. O ódio como sinal de “inteligencia” de bebês

    Dias atrás fiquei só observando um grupo de funcionários do Judiciário comentado o quanto o filho de 4 anos, de um deles, seria “inteligência”. Eis o sinal de alto QI do jênio(com j mesmo): é que o pimpolho adora dizer que odeia a Dilma…

  3. É de dar nó no estômago.

    É de dar nó no estômago. Nossa sociedade exposta e incitada diuturnamente vira massa de manobra, e não se dá conta com a clareza devida do desenrolar dos acontecimentos graves por que passa o país. Domada pela guerra midiática, por acomodação ou ignorância, a opinião pública nem se dá mais conta do ridículo e da leviandade dos seus atos. As diatribes hoje são regra não exceção. Eu acho que não só o menino, como seu pai e também a escola ou professor (a) precisam urgentemente de ajuda especializada.

  4. eu vi

    Av. Corifeu de Azevedo Marques, (fundos da USP), sexta feira última, em frente a EE prof. Clorinda Danti

    Tres crianças, +- 10 anos indo a pé para a escola. Um deles teve uma grande idéia, puxar um coro de fora Dilma.

    A cantoria prosperou e os guris seguiram felizes a cantar no máximo do volume que suas vozes infantis permitia.

    Me lembrou a “Juventude Nazista” onde filhos denunciavam os pais.

     

  5. O que tenho passado no trabalho

    *Originalmente compartilhado entre alguns amigos numa rede social, daí o sentido de apelo

    CODINOME: VERMELHO

    A exacerbada radicalização política tem posto muita gente em sobressalto, isso quando não desperta uma quimera de sentimentos negativos. Diante do quadro não convém calar, até em apoio àqueles que, antes de mim, quebraram o silêncio e puseram-se a contestar as indignidades que lhes são imputadas. Não farei aqui manifesto em favor de governo ou partido, mas um apelo ao respeito pela liberdade de pensamento, mormente quando esta não se adequa às correntes narrativas impostas pela maioria. Sei que passamos por um momento de sucessivos escândalos envolvendo a classe política brasileira, especialmente aqueles ligados ao partido detentor do poder central, mas convido à reflexão os leitores imunes a generalizações e que relutam em romper com parte tão indispensável do tecido social: a diversidade. O que me ocorreu difere pouco do que tem acontecido em salas e corredores desse Brasil que, outrora, já foi considerado o país da cordialidade.

    Era manhã de 29 de outubro de 2014, quarta-feira, três dias após o encerramento do pleito que reelegeu Dilma Rousseff ao seu segundo mandato na presidência da república. Já em meu posto de trabalho, fui abordado por um colega visivelmente consternado, reconhecidamente oposicionista, e a resposta que se seguiu à uma pergunta aparentemente simples e insuspeita tornar-se-ia senha para que, a partir de então, uma escalada de provocações, manifestações de desapreço e insultos fossem dirigidos a mim com desconfortável frequência. “ Em quem você votou? ”, indagou-me o sujeito. “ Votei na Dilma ”, declarei à época, com a espontaneidade de quem corresponde a um cumprimento.

    Sob a condição de único eleitor petista que integra um setor com cerca de vinte e cinco funcionários, meu compromisso com o voto de silêncio ganhava corpo à medida que o acúmulo de manchetes depreciativas contra o governo federal acirrava os ânimos. Expressões aviltantes no local de trabalho já não pareciam acidentais, pois, cientes da minha escolha e despreocupados com a minha presença, alguns colegas proferiam-nas com espantosa naturalidade. A tensão passara de pequenos choques ocasionais a trânsito ininterrupto entre fios desencapados. Nem o fato de parte majoritária dos incitadores possuir confortável situação financeira pareceu afastá-los de suas sanhas persecutórias, sustentadas basicamente por uma visão deveras parcial e apocalíptica dos acontecimentos. A situação ficou insustentável quando alguns já sequer poupavam a memória de minha falecida mãe, tomada como puta por línguas ferinas e indomáveis. Convém destacar que tais grosserias fluíam entre os sorrisos sarcásticos de uns, e o silêncio complacente de outros.

    “ É vitimismo! ”, dirão alguns, mas alerto que pouco tenho a ganhar colocando-me na posição de vítima. A partir do momento em que eu publicizar tais episódios (lembrando que só cheguei a tal ponto porque outras providências revelaram-se inócuas) talvez opte pela abertura de um processo administrativo desgastante, e que, provavelmente, ampliará o mal-estar de se conviver em meio a relações irreconciliáveis e imprevisíveis. Na melhor das hipóteses, receberei passe livre em eventual transferência para outra comarca, onde, por prevenção, minhas convicções políticas, ideológicas e religiosas serão mantidas na clandestinidade – lugar para onde, cada vez mais, empurram-se as “esquerdopatias” insepultas. Ademais, em tal circunstância, minha companheira abriria mão de sua função pública municipal e meus filhos afastar-se-iam de amigos e de colégios nos quais estão perfeitamente ambientados.

    Sei que muitos têm problemas consideravelmente mais graves que o meu, e compadeço-me, sobretudo, daqueles que ficaram desempregados em decorrência do atual cenário econômico. Mas se passarmos a relativizar dramas pessoais e suas consequências, melhor que declaremos o fim da empatia e das idiossincrasias que nos tornam humanos, demasiado humanos. Cabe lembrar que estou lotado em repartição do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde, em tese, deveriam prevalecer a ética, o decoro e o respeito mútuo, condutas absolutamente harmonizáveis com a alegria e o entusiasmo. Conquanto seja a amizade, em tempos de crise e de maniqueísmo rasteiro, uma ilusória aspiração a quem ousou posicionar-se do lado “errado ”.

     

  6. Grande jornalista

    Rita Lisaukas é uma grata surpresa de uma nova safra de jornalistas. Lembro-me de sua sua atuação discreta e objetiva como âncora do jornal da RedeTV, sem aquela carga excessiva de subjetivismo (oral, escrito e gestual) que tanto impregna os telejornais atualmente. Lembro-me de seu justo empreendimento em cobrar os salários atrasados dos donos da emissora, iniciativa essa que lhe custou o emprego.

    Parabéns à jornalista. Post de primeira !

  7. crianças

    amanhã estarão matando os pais, os amiguinhos e qualquer pessoa que atravessar seu caminho. Que legal né papai e mamãe?

  8. Em Curitiba, uma professora. . .

    Em Curitba, uma professora de cursinho de História  falou para alguns jovens  que eles estavam exagerando, pois vinham vestidos de preto nas aulas, em homenagem ao juiz Sérgio Moro, foi obrigada a pedir demissão, devido a ação violenta de alguns pais que procuraram a direçao da escola para reclamar de sua intromissão e péssima influência. Segundo meu filho que mora em Curitiba, esse seria o segundo caso de professores obrigados a se demitirem por manifestarem opinião contrária ao golpe. Isso é uma coisa inaceitável e muito preocupante.

     

  9. Só não concordo com a última

    Só não concordo com a última frase.

    Quer coisa mais típica do homo sapiens que “urrar, babar e matar”?

  10. Arquitetura da Destruição!!!

    Assistam este vídeo sobre a escalada Nazista.

    O Hitler usou as crianças para o empoderamento do Partido Nazista.

    Lembro bem que nas aulas de educação moral e cívica existia uma leve crítica ao sistema comunista e socialista. Mesmo estando numa ditadura militar deixavam ensinar sobre estes assuntos.

    Acho que o governo do PT fez isto também, está vago em minha cabeça…

  11. Só vimos paralelos desses

    Só vimos paralelos desses comportamentos lamentáveis na ficção, no 1984 de Orwell, quando até as crianças são ensinadas a odiar o inimigo eurasiano e denunciar todo aquele que pelo menos intente agir contra os desígnios do Partido; na Europa nazifascista, quando crianças cada vez mais novas eram cooptadas a abraçar a ideologia de Hitler e Mussolini; nas grandes religiões, que prezam pela doutrinação na mais tenra idade. A mente da criança tem estágios de desenvolvimento que precisam ser respeitados, se queremos que elas se desenvolvam em adultos saudáveis. Ela não tem os meios de se defender de alguma ideia que estejam tentando introjetar em sua mente, e são como esponjas, como disse a autora da carta. Os pais antipetistas têm todo o direito de se posicionarem politicamente como bem entenderem, mas não têm direito algum de tentar incutir seus posicionamentos nas cabeças de seus filhos. Quem pratica essa escrotice, de expor uma criança a uma ideia contra a qual ela não tem meios de se defender, desrespeitando a sua ainda incapacidade de escolher, deveria ser enquadrado como abusador infantil, e perder a guarda do filho.

  12. EU FUI VÍTIMA EM 1965

    1965. Primeiro ano ginasial do Instituto de Educação, colégio tradicionalíssimo do Rio de Janeiro (o das normalistas). Disseram que iam levar a nossa e outras turmas para um passeio. Fomos levadas para um quartel do Exército (nem sei onde, tinha 9 ou 10 anos) onde nos fizeram assistir a um longo (me pareceu) filme que narrava as atrocidades cometidas pelos perigosíssimos comunistas. Não lembro bem de detalhes, mas lembro sim que no filme havia crianças correndo e chorando muito. Depois nos deram um lanche e nos mandaram de volta po colégio. Aconteceu comigo. 

  13. ódio é irmão da burrice.

    Adolescentes sempre se revoltam contra os pais. Se estão ensinando ódio aos filhos correm o sério risco de serem vítimas do ódio dos filhos no futuro. Ensinam ódio, não vão receber amor. Enfim, o ódio sempre caminha junto com a burrice.

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