O mito da aposta nos ajustes radicais, por J. Bradford DeLong

“Em vez disso, eles parecem estar dobrando a aposta, com base na teoria de que quanto mais profunda a crise, mais bem sucedido será o impulso rumo a reformas estruturais. Tais reformas são necessárias para estimular o crescimento de longo prazo, essa é a teoria, e se esse crescimento não surgir rapidamente, é porque a necessidade de reformas era ainda maior do que a suposta inicialmente.” J. Bradford DeLong

Do Valor

Os defensores da depressão
 
por J. Bradford DeLong
 
Nos primeiros dias da crise econômica em curso, eu incluía uma frase, em minhas palestras, que às vezes era aplaudida, geralmente era recebida com risadas, e sempre dava às pessoas uma razão para otimismo. Tendo em vista a experiência da Europa e dos EUA na década de 1930, eu costumava dizer que as autoridades econômicas não cometeriam os mesmos erros em que seus antecessores incorreram durante a Grande Depressão. Dessa vez, cometeríamos novos, diferentes, e, esperávamos, erros menores. 
 
Infelizmente, essa previsão acabou por revelar­se infundada. As autoridades econômicas da zona do euro insistiram em repetir os erros da década de 1930; elas estão prestes a repeti­los de uma forma mais brutal, mais exagerada e ampla. Eu não imaginei que seria assim. 

 
Quando a crise da dívida grega irrompeu em 2010, pareceu­me que as lições da história eram tão evidentes que o caminho para uma resolução seria inequívoco. A lógica era clara. Se a Grécia não fosse um membro da zona do euro, sua melhor opção teria sido um default, reestruturação de sua dívida e desvalorização de sua moeda. Mas, como a União Europeia não quis que a Grécia deixasse a zona do euro (algo que teria sido um grande revés para a Europa enquanto projeto político), seria oferecida ao país suficientes ajuda, apoio, perdão da dívida e ajuda financeira para compensar quaisquer vantagens que o país pudesse vir a ter com sua saída da união monetária.
 
Hoje, os políticos europeus de centro-­esquerda não têm uma estratégia para mudar as regras, e nem coragem de rasgar o livro de regras. Como resultado, a dissenção é relegada a populistas como a francesa Marine Le Pen ou o italiano Beppe Grillo
 
Em vez disso, os credores da Grécia decidiram apertar os parafusos e, em consequência, a Grécia está provavelmente em muito pior condição, hoje, do que se tivesse abandonado o euro em 2010. A Islândia, atingida por uma crise financeira em 2008, é a evidência contrafactual. Enquanto a Grécia continua atolada em depressão, a Islândia -­ que não pertence à zona do euro ­- está essencialmente recuperada. 
É verdade, como argumentou o economista americano Barry Eichengreen em 2007, que considerações de ordem técnica, tornam uma saída da zona euro difícil, cara e perigosa. Mas esse é apenas um lado da questão. 
 
Usando a Islândia como padrão de comparação, o custo, para a Grécia, de não sair da zona do euro é equivalente a 75% do PIB de um ano -­ e continua crescendo. É difícil, para mim, acreditar que se a Grécia tivesse abandonado o euro em 2010, a derrocada econômica teria chegado a um quarto disso. Além disso, parece igualmente improvável que o impacto imediato de sair da zona euro seria, hoje, maior do que os custos de longo prazo de permanecer, dada a insistência dos credores por austeridade na Grécia. 
 
Essa insistência reflete o apego dos formuladores de políticas na União Europeia ­ especialmente na Alemanha ­ a um referencial conceptual que levou­os sistematicamente a subestimar a gravidade da situação e a recomendar políticas que tornam a situação pior.
 
Em maio de 2010, o PIB grego tinha caído 4% ano sobre ano. A União Europeia e o Banco Central Europeu previram que o primeiro programa de socorro rebaixaria o PIB grego em outros 3% abaixo dos níveis de 2010, antes que a economia começasse a se recuperar em 2012. 
 
Em março de 2012, no entanto, a realidade se impôs. Com PIB caminhando para 12% abaixo dos níveis de 2010, um segundo programa foi posto em prática. Até o fim do ano, o PIB havia caído para 17% abaixo dos níveis de 2010. O PIB da Grécia está agora 25% abaixo de seu nível em 2009. E embora as previsões de alguns analistas apontem para uma recuperação em 2016, não vejo como alguma análise dos fluxos de demanda possa justificar essa expectativa.
 
A principal razão pelas quais as previsões foram tão errôneas é que aqueles que as fizeram subestimaram cronicamente o impacto dos gastos do governo sobre a economia ­ especialmente quando as taxas de juros estão próximas de zero. E apesar disso, o evidente insucesso da austeridade em reativar a economia grega ou do resto da zona do euro não fez com que as autoridades econômicas repensassem sua abordagem. 
 
Em vez disso, eles parecem estar dobrando a aposta, com base na teoria de que quanto mais profunda a crise, mais bem sucedido será o impulso rumo a reformas estruturais. Tais reformas são necessárias para estimular o crescimento de longo prazo, essa é a teoria, e se esse crescimento não surgir rapidamente, é porque a necessidade de reformas era ainda maior do que a suposta inicialmente. 
 
Essa, infelizmente, é também a história da década de 1930. Como aponta o comentarista americano Matthew Yglesias, naquela época, os principais partidos europeus de centro-­esquerda reconheceram que o que estava sendo feito não estava funcionando, porém mesmo assim não conseguiram oferecer uma alternativa. “Coube a outros partidos com agendas menos meritórias -­ o de Hitler, por exemplo ­- intervir e dizer que, se as regras do jogo levavam a períodos prolongados de desemprego em massa, então as regras do jogo tinham de ser mudadas”. 
 
Hoje, acrescenta Yglesias, os políticos europeus de centro­esquerda similarmente “não têm uma estratégia para mudar as regras, e eles não têm a coragem de rasgar o livro de regras”. Como resultado, reina a austeridade e a dissenção é relegada a populistas como a francesa Marine Le Pen ou o italiano Beppe Grillo ­- cujas propostas econômicas parecem de eficácia ainda menos provável.
 
Seria de esperar que fôssemos capazes de aprender com o passado, e que a Grande Depressão tivesse sido importante na história da Europa a ponto de as autoridades econômicas não repetirem seus erros. No entanto, neste momento, é precisamente isso o que parece estar acontecendo. (Tradução de Sergio Blum) 
 
J. Bradford DeLong, ex-­sub-secretário­-adjunto do Departamento do Tesouro dos EUA, é professor de Economia da Universidade da Califórnia, campus de Berkeley, e pesquisador adjunto da Agência Nacional de Pesquisa Econômica. Copyright: Project Syndicate, 2015.
 
Redação

2 Comentários

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  1. Mudar as regras

    Pensando na nossa crise, dois parágrafos me pareceram pertinentes:

    “Tais reformas são necessárias para estimular o crescimento de longo prazo, essa é a teoria, e se esse crescimento não surgir rapidamente, é porque a necessidade de reformas era ainda maior do que a suposta inicialmente”. 

    Pensava-se que o ajuste fiscal permitiria a retomada do crescimento já no fim de 2015. Agora há previsões que teremos recessão também em 2016. Consequentemente, teríamos que aprofundar o ajuste.

     “Coube a outros partidos com agendas menos meritórias -­ o de Hitler, por exemplo ­- intervir e dizer que, se as regras do jogo levavam a períodos prolongados de desemprego em massa, então as regras do jogo tinham de ser mudadas”. 

    Mudar as regras do jogo significa que o esforço deve ser em direção do crescimento, e não na austeridade. Sem crescimento, não há como resolver o problema fiscal. 

  2. Muito cuidado…
    Azar da Grécia que não tem seu Hitler. Ops, pegou mal heim.
    Hitler fez sucesso econômico porque era nacionalista.
    Enquanto outros pensam o “sistema”, nacionalistas pensam no seu país. E foda-se o resto!

    Aqui no Brasil, gente como Hitler nunca existiu.
    Nacionalista e nazista são a mesma coisa por estas bandas.
    E o Brasil o país onde conceitos sem fundamento se solidificam.
    Povo erudito da nisso. Hehehe

    Então no local onde nacionalismo e nazismo sao a mesma coisa, nao surpreende que esteja cheio de gente na política para pensar pelo “sistema”.
    Já pelo Brasil, aí a conversa fica estranha. Sabe como é, meio nazista falar do seu país assim, querer que seu país, e com isso seu Povo, se desenvolva.
    Estranho… normal é nosso amigo Serra!

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