Para combater fake news é preciso entender a crise da democracia, por Luis Felipe Miguel

O problema é que a extrema-direita percebeu que a desinformação e a produção do pânico moral são suas melhores armas.

Para combater fake news é preciso entender a crise atual da democracia

por Luis Felipe Miguel

No jornal: governo quer impor obrigações para big techs reduzirem posts golpistas.

Mas tem como controlar a desinformação nas redes?

Trata-se de uma das questões mais desafiadoras. Por um lado, é urgente estancar o fluxo incessante de mentiras com que a extrema-direita desvirtua o debate público. Por outro, a liberdade de dissidência deve ser preservada. Não é possível que qualquer contestação ao sistema seja criminalizada.

A situação é complexa por dois motivos. Primeiro, a direita sabe o que está fazendo. Mente de forma deliberada, tem como estratégia o falseamento do debate. Não é um caso de erro ou divergência de boa fé.

Em segundo lugar, as plataformas são megacorporações que visam controlar o comportamento de seus usuários, com vistas ao lucro e à promoção de suas próprias agendas políticas. Ou seja: também não são parceiros de boa fé.

Estas empresas, além de tudo, estão fora do Brasil. Casos recentes, em que Telegram e Rumble se recusaram a cumprir determinações da Justiça brasileira para derrubar perfis de extremistas, indicam a gravidade do problema.

Se a gente parar para pensar um pouquinho, é espantoso que espaços tão centrais para a vida política e para muitos outros aspectos da sociabilidade contemporânea estejam sob controle de empresas privadas, que ditam suas regras e manipulam, quase a seu bel prazer, o comportamento dos usuários.

Quem, dentre nós, colocaria espontaneamente sua vida sob o controle do Zuckerberg ou do Elon Musk? É um pesadelo. E a capacidade de regulação pública ainda engatinha.

O problema é que a extrema-direita percebeu que a desinformação e a produção do pânico moral são suas melhores armas. Vai continuar investindo nisso, com toda a força.

Regular as redes é necessário. Mas é um pouco como enxugar gelo. E é um caminho cheio de armadilhas. Uma lembrança: em 2018, quando presidia o TSE, Fux disse que candidaturas que disseminassem fake news seriam cassadas. Não rolou, é claro, tanto que Bolsonaro se elegeu. Mas, na época, a declaração foi entendida como uma ameaça contra o PT, para que não chamasse o golpe de 2016 de “golpe”.

Uma solução duradoura depende de uma compreensão mais profunda da crise atual da democracia.

Por muito tempo, julgamos que um público pouco interessado e mal informado seria, ainda assim, capaz de chegar a decisões políticas razoáveis por meio do voto. No novo ambiente informacional, gerado pelas redes, e com o crescimento dos extremistas que sabem utilizá-lo, não é mais assim. Sem maiores oportunidades de educação política e de participação, não há mais possibilidade de democracia.

Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Luis Felipe Miguel

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