Povo e governo unidos para derrota do golpe na Turquia, por Jeferson Miola

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A insurgência popular e a liderança do governo derrotaram o golpe na Turquia

por Jeferson Miola

O filósofo e analista político Juan Domingo Sánchez Estop, que trabalha e vive em Bruxelas, oferece uma síntese muito interessante sobre o fracasso da tentativa do golpe de Estado na Turquia, cujo conteúdo está adiante traduzido para o português.

Juan Domingo expõe com poucas palavras como o golpe foi derrotado pelo povo insurgente que tomou as ruas. A insurgência popular, de outra parte, – e isso não está mencionado neste rápido relato dele – foi correspondida pela liderança exercida pelo Presidente Recep Tayyip Erdogan, quem soube dirigir com firmeza a resistência contra o golpe, e soube instruir com clareza o combate aos golpistas.

É evidente que os golpes no Brasil e na Turquia têm características e particularidades singularíssimas. Além disso, os golpistas de cada país têm suas especificidades próprias. Sem perder este critério de vista, porém, uma constatação se impõe: no enfrentamento do golpe jurídico-midiático-parlamentar no Brasil de 2016, não se soube extrair os ensinamentos da resistência democrática e da épica Campanha da Legalidade de 1961 conduzida pelo então governador gaúcho Leonel Brizola.

A corajosa resistência democrática turca não significa, automaticamente, alinhamento com o presidente e com o governo Erdogan; porque representa, antes disso, a defesa intransigente da democracia e das regras do jogo vigentes, mesmo que da débil e insuficiente democracia liberal-burguesa imposta.

Isso não é uma apologia da verdadeira democracia, a democracia socialista; mas simplesmente a defesa da democracia sem adjetivos, porque a democracia em si, mesmo que incompleta quando exclusivamente representativa do modelo liberal, é um valor mais substantivo que todos os regimes plutocráticos.

O golpe na Turquia confirma que a burguesia, talvez por ser uma classe que se torna dominante na base da violência e da opressão sobre outra classe, é autoritária; na ânsia de aprofundar a acumulação capitalista, é incapaz de respeitar até mesmo um mero arremedo de democracia.

As pessoas comuns, desarmadas e indignadas pelo enésimo intento de golpe de Estado, disseram basta a um exército autoritário, corrupto e intervencionista.

A gente normal saiu à rua defender a democracia – que na Turquia é de baixa intensidade – contra um poder baseado na pura violência. E o fez com seus corpos e com suas palavras, subindo nos tanques, conversando com os militares.

Emociona a imagem dos capacetes e fuzis abandonados por centenas de soldados numa ponte em Bósforo. Os soldados deixaram de ser soldados quando lhes mandaram disparar contra o povo, e se fundiram com esse mesmo povo na sua indignação e na sua valentia.

Isto nos permite chegar a três conclusões provisórias:

1) nenhum exército é invencível, pois ainda que um poder militar pretenda se impor através da violência, este poder é sempre uma relação: só existe quando logra ser obedecido. Se não logra, simplesmente não existe.

2) hoje, quando o poder fundamental é o financeiro – que dá golpes de Estado tão eficazes e dificilmente resistíveis, como o do verão passado na Grécia – resulta anacrônico e folclórico um golpe de Estado militar, com suas espadas, seus gritos, seus tanques etc.

3) temos de aprender a parar os golpes de Estado financeiros e temos de aprender a derrubar as ditaduras das finanças. Para isso, é preciso articular formas originais de desobediência e de solidariedade, construir as bases materiais da resistência”.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

15 Comentários

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  1. Um bom exemplo para ser

    Um bom exemplo para ser seguido no Brasil. O povo unido a presidenta afastada para derrubar os golpistas apoiados por uma parte da grande mídia, do judiciário, da procuradoria, do congresso. Porque atualmente não temos presidente, temos um interino golpista ocupando o poder com apoio dessa mídia golpista… Ganhar jogo sem jogar nunca será uma vitória…

  2.  
    Se você enxergou qualquer

     

    Se você enxergou qualquer semelhança com o Brasil saiba que seu delírio psicótico é passivel de tratamento com medicação pesada, feita em instituições especializadas.

  3. História do Oriente Médio, Inclusive Turquia.

    Primeira Guerra Mundial foi uma oportunidade de ouro para as potências europeias que tentaram com êxito explorar a debilidade do Império Otomano para impor seu próprio domínio imperial nessas regiões. Entretanto, no final do século XIX, os europeus tinham inventado o motor de combustão interna e, portanto, encontraram um novo uso para o petróleo, por isso o controle dessas regiões se tornou um objetivo geopolítico. Os britânicos viam os otomanos como o elo fraco da aliança inimiga, e se concentraram em colocá-los fora da guerra. Quando um ataque direto falhou em Gallipoli em 1915, eles se voltaram para fomentar uma revolução nos domínios otomanos, explorando a força do despertar do nacionalismo árabe. Os árabes tinham vivido mais ou menos felizes sob o domínio otomano durante 400 anos, até que os Jovens Turcos tentaram “turquificá-los” e alterar o sistema tradicional de governo. Os britânicos encontraram um aliado no Sharif Hussein, o governante hereditário de Meca (e que muçulmanos acreditavam ser um descendente da família do Profeta Maomé), que liderou uma Revolta Árabe contra o domínio otomano, tendo recebido a promessa de independência árabe em troca. Assim, durante a I Guerra Mundial teve papel proeminente o guerrilheiro Lawrence da Arábia, que lutou contra os turcos em prol da independência dos povos sob seu domínio, unindo forças com o xerife Hussein ibn Ali, o líder de Meca, que liderou a revolta muçulmana contra os Otomanos, sob a promessa de Lawrence para obter uma rápida independência. Mas secretamente, Inglaterra e França assinaram o Acordo Sykes-Picot, que criou duas esferas de influência, para cada uma dessas nações, e implicava na divisão dos domínios otomanos.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_Oriente_M%C3%A9dio

  4. A lição para tudo que não

    A lição para tudo que não seja direita do Brasil é simples: se por lá o governo tivesse sido “republicano” com a mídia e a oposição, teria sido derrubado.

  5. Há mais coisas entre o Oriente Islâmico e Ocidente “Católico”…

    …do que sonha nossa vã filosofia.

    Os cristãos da Europa Ocidental tinham encenado uma notável recuperação econômica e demográfica no século XI desde o nadir de suas fortunas no século VII. A fragmentação do Oriente Médio permitiu unirem forças, principalmente a InglaterraFrança e o emergente Sacro Império Romano para intervir militarmente na região. Em 1095, o Papa Urbano II, havendo respondido aos apelos do imperador bizantino, convocou a aristocracia europeia para reconquistar a Terra Santa para o cristianismo, e em 1099 os cavaleiros da Primeira Cruzada tomaram a cidade de Jerusalém. Os cruzados fundaram o Condado de Edessa, o Principado de Antioquia, o Condado de Trípoli e o Reino de Jerusalém. Ao longo dos anos, os turcos reconquistaram esses territórios inclusive Jerusalém, em 1187, com os exércitos do sultão Saladino. Os últimos bastiões cristãos na Terra Santa restringiram-se a uma estreita faixa de terra entre Acre e Sídon, até que por fim foram conquistados em 1291.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_Oriente_M%C3%A9dio

  6. De boas intenções o inferno está cheio.

    Da viagem de Bento XVI ao Líbano. 

    Concorde-se ou não com o autor da mensagem e com a entidade que representa, a presente entrevista faz parte da história.

    “Diria que a primavera árabe, em si, é uma coisa positiva…” – Bento XVI

    “…Temos organizações como os Cavaleiros do Santo Sepulcro cuja própria acção se limita à Terra Santa; ora tais organizações poderiam ajudar material, política e humanamente também nestes países. Diria, uma vez mais, gestos visíveis de solidariedade, jornadas de oração pública…”

    http://nsrainha.com.br/noticias/o-fundamentalismo-e-sempre-uma-falsifica…  

     

    Novamente estão transformando o mundo em inferno.

  7. Numa guerra a primeira vítima é a verdade, nenhum lado é santo.

    Papa desafia Turquia com nova referência ao genocídio dos armênios

    No ano passado, Francisco já tinha se referido ao massacre dos armênios como o primeiro genocídio do século XX. Pontífice visita Armênia.

    Edição do dia 25/06/2016

    25/06/2016 21p8 – Atualizado em 25/06/2016 21p3

    http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/06/papa-desafia-turquia-com-nova-referencia-ao-genocidio-dos-armenios.html

    O Papa desafiou a Turquia e fez uma nova referência ao genocídio dos armênios na Primeira Guerra Mundial. Foi na visita à Armênia.

    Uma viagem à memória, que o Papa Francisco definiu como fonte de paz e futuro, para que a humanidade não esqueça que, em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, de 1 milhão a 1,5 milhão de armênios foram mortos e deportados pelo Império Turco Otomano.

    A Turquia repudia o termo genocídio, justificando que o extermínio não foi planejado e que muitos armênios morreram de fome.

    No ano passado, o governo da Turquia chegou a convocar o embaixador de volta a Ankara, abrindo uma crise diplomática com o Vaticano porque o Papa Francisco tinha se referido ao massacre dos armênios como o primeiro genocídio do Século XX. Os discursos desta viagem não continham esta expressão, mas, na sexta-feira (24), o Papa Francisco decidiu mudar.

    De novo, Francisco falou em genocídio, desejando que massacres como este nunca mais aconteçam. Na tarde deste sábado (25), ele voltou ao tema em uma cerimônia que reuniu 50 mil pessoas na capital. 

    Desta vez, a Turquia ainda não se pronunciou. Primeiro país a se tornar cristão, a Armênia é uma nação que ainda vive à sombra da sua grande tragédia. Vinte e nove países reconheceram o genocídio, que teria sido praticado pelo temor dos turcos de que os armênios se aliassem com os russos.

  8. Do golpe militar ao golpe civil
    Sim, o golpe não vingou, não poderia ter vingado pois Erdogan foi eleito democraticamente. Mas a situação na Turquia é preocupante, pois o ditador Erdogan está dando um golpe civil para fortalecer a sua autocraciae exterminar seus inimigos.   . 2700 juízes foram exonerados, a divisão dos três poderes está no fim. 6000 pessoas presas. E ele quer introduzir a pena de morte. A união Europeia reagiu imediatamente: paìs  com pena de morte não entra para União. Ele está usando o golpe para introduzir todos os AI-5 que ele pretendia há muito tempo. Há inclusive teirias de que o golpe tenha sido encenado por ele justamente para se tornar o sultão absolutista. A mídia, que há 14 anos vem sendo massacrada e amordaçada por Erdogan com inúmeros jornalistas perseguidos, foi quem salvou Erdogan do golpe: CNN Türk, NTV e outras deramA Erdogan todos os canais para ele mobilizar seu povo que saiu äs ruas contra o golpe. Se ele agora vai reconhecer o valor de uma imprensa livre??
     

  9. Obsessão com repetição

    É verdadeiramente impressionante essa obsessão que vocês têm em traçar analogias dos acontecimentos do presente com fatos traumáticos do passado, como os golpes de 1964 e 1961, como se a História se repetisse sempre ipsis litteris. Primeiro, querem por querem que o afastamento de Dilma Rousseff tenha sido um golpe de estado; depois traçam um paralelo entre esse suposto golpe e o de 1964, e para coroar, acham que há alguma analogia com essa confusão na Turquia que ninguém ainda sabe direito o que é!

    Ocorre que aqui não há tanques nas ruas nem ninguém protestando. Os paralelos estão todos em suas cabeças. Como ensimam os psicólogos, o trauma paralisa o tempo e faz você viver no passado.

  10. AKP

       Apesar de religioso, pouco comparavel a outros partidos, o AKP de Errdogan/Gull é de ideologia economica fortemente liberal, politicamente de centro-direita, mas com células que pela ótica ocidental podem serem comparadas a extrema-direita, tipo uma “ditadura”.

       Erdogan e o AKP não são burros, nunca foram, e este papo que a esquerda tanto gosta, que o “povo” impediu o golpe, trata-se de uma comprensão de quem vê a politica turca de longe, baseada em conceitos ocidentais, que nem conhecem as “milicias” e “células” combativas do AKP, espalhadas por toda a Turquia, as quais detonaram, foram a linha de frente de resistência civil ao golpe.

        O AKP controla um poder que décadas encontrou-se marginalizado na Turquia, o das Mesquitas, as quais Erdogan “cintou” ao eliminar clérigos a ele opostos.

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