A “modernização trabalhista”, por Camilo Vannuchi

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Camilo Vannuchi*

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– Você está demitido. 
– Virge santíssima, não brinca assim. 
– É sério. Você está demitido.
– Nossa! Mas de uma hora pra outra? 
– Sabe como é, a empresa vai passar por uma reestruturação. 
– Puxa, eu trabalho há 27 anos aqui, nunca trabalhei em outro lugar.
– Pois é. Chamei o senhor aqui para negociar.
– Negociar o quê?
– Os termos da demissão em comum acordo.
– Como assim? Não tem nada de comum acordo. Estou sendo demitido. E sem justa causa.
– A causa é justa, na verdade. Entenda. É a crise. Mas de fato não podemos caracterizar como justa causa. Uma pena.
– Então não tem o que negociar. 
– Sabe o que é? A gente quer contar com o senhor no futuro. Como colaborador, entende? 
– Não. Não entendo.
– Seus serviços. O senhor desempenha uma função essencial para os nossos negócios, e não podemos deixá-lo na mão. Acredito que possamos entrar num acordo para terceirizar você assim que a lei permitir.
– E quando vai ser isso? 
– Daqui a 18 meses. É o que está na nova lei. Quarentena para migrar de contrato por tempo indeterminado para contrato intermitente.
– Dezoito meses? E como eu vivo até lá?
– Veja bem, tenho certeza que o senhor vai saber se virar. Não faltarão oportunidades. 
– Aos 46 anos? Sei… 
– Ah, não fala assim. Você está no auge. Não é toda companhia que pode contar com a sua experiência. E você ainda pode pegar um trabalho por produção…
– Produção?
– É, ora. A empresa paga você pelo que você produzir. E você se vira com o resto. Não precisa bater ponto nem nada. Muito mais fácil assim, sem transporte, sem alimentação, sem estação de trabalho… Por até 17 meses.
– Dezessete meses? 
– Isso. É a lei. Para não incidirem impostos e para você não sacar o seguro desemprego. Mas isso é outro assunto. Não se preocupe com isso agora.
– Caramba. Estou chocado. Minhas mãos estão até tremendo. Tem o financiamento da casa, a faculdade da Ana, o colégio do Edu. 
– Toma um gole d’água. Melhorou?
– Bom, pelo menos vou poder sacar o FGTS até me acertar.
– 80%.
– Como?
– 80% do FGTS. É o que estabelece a nova lei. Se fizermos um acordo, você poderá retirar 80% do FGTS. 
– Meu Deus… Ainda bem que tem 40% de multa rescisória. 
– 20%.
– Como?
– 20% de multa. É o que diz a nova lei. Se fizermos um acordo, a empresa paga 20% da multa. Sobre 80% do fundo, é claro. É justo. É a metade entre zero e 40%. Todos ganham.
– Todos ganham? Como assim, todos ganham? E se eu não quiser fazer acordo nenhum?
– Aí será mesmo uma pena, porque nunca mais vamos contratar você como PJ.
– Mas esse acordo, vou consultar o sindicato. 
– Não adianta.
– Como? 
– Não adianta. É o que determina a nova lei. Os acordos individuais entre patrão e empregado valem mais do que as convenções e os acordos coletivos.
– Rapaz… mas a legislação…
– Esquece.
– Como?
– Esquece a legislação. Está na lei. Os acordos entre patrão e empregado valem mais do que a legislação. 
– Não é possível! Não foi para isso que eu fui a dezenas de assembléias, não foi para isso que eu me sindicalizei, nem é pra isso que pagamos a contribuição compulsória. 
– Acabou.
– O quê?
– A contribuição sindical obrigatória. Não é incrível? Finalmente. Bando de sanguessugas. Repara como essa reforma é boa. Você não vai mais precisar pagar a contribuição sindical. Taí um Congresso Nacional que defende o trabalhador.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

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  1. A legislação é acima de tudo,
    A legislação é acima de tudo, ponto. É comum acordo, então nesse texto pretencioso ele poderia recusar. Acordos só valem pra quem recebe no mínimo o dobro do teto do INSS e tem ensino superior. Terceirização é apenas para trabalhos temporários. Mais um escritor sem o mínimo de informação.

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