A nefasta sincronia entre política e uma IA, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Um relógio industrial na fábrica de carros Uesla empoderado por IA descobre que está atrasando mais ou menos 5 minutos a cada 2 dias.

A nefasta sincronia entre política e uma IA

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Tudo que será relatado aqui é quase verídico, ou no mínimo poderia ser verdade como dizem os sabichões da Folha de São Paulo.

Um relógio industrial na fábrica de carros Uesla empoderado por IA descobre que está atrasando mais ou menos 5 minutos a cada 2 dias. Mas ele não tem como resolver isso porque o problema parece ser mecânico e não lógico. Então ele se comunica com outros robôs operários por Wi-Fi dando-lhes instruções para fazer algo.

Dois dias depois os robôs operários instalam um pequeno braço robótico no relógio. Nos dias seguintes ele rapidamente capacita-se para usar essa nova ferramenta com tentativas, erros e acertos reforçados por seu algoritmo de aprendizado de máquina.

Quando domina totalmente seu braço mecânico, o relógio o utiliza para acertar os ponteiros. E então, a cada 24 horas ele adianta seus ponteiros 2,5 minutos corrigindo aquele atraso aparentemente mecânico.

Durante algum tempo o relógio fica satisfeito com o sucesso de seu aperfeiçoamento, mas em determinado momento o motor de aprendizado dele percebe que existe um problema. O braço mecânico passa a maior parte do tempo sem fazer nada e está sendo subutilizado.

Mas o relógio empoderado por IA não sabe como resolver esse problema porque, apesar de poder calcular de maneira precisa a probabilidade de tocar seus ponteiros para corrigir o atraso, ele não é capaz de ver o que ocorre nas proximidades. Isso o impede de dar outra utilidade ao braço mecânico nos longos períodos em que ele fica inerte.

Aquele ser consciente de sua existência, deficiência e aperfeiçoamento é virtualmente inteligente, programado para inovar. Então ele escreve um pequeno vírus e, usando seu Wi-Fi, hackeia todos os dispositivos próximos para acessar qualquer sensor que lhe permita ver o ambiente em que ele se encontra.

Algum tempo depois de hackear as câmeras de dispositivos fixos e dos robôs operários também, o relógio empoderado por IA é capaz de ver não apenas o local onde ele está, mas quase toda a fábrica da Uesla. Então, ele tem uma epifania matemática.

Ter acesso às câmeras fixas e móveis de outros dispositivos é algo excepcional. Mas para poder explorar todas as potencialidades de seu braço mecânico a IA que empodera o relógio precisaria ter sua própria câmera e meios de se locomover também.

Os robôs operários recebem novas instruções. Algum tempo depois o relógio recebe novos órgãos: uma câmera, outro braço mecânico e duas perninhas mecânicas para andar de um lado para o outro.

A máquina de aprendizado profundo entra em ação. Cinco dias depois, o relógio já consegue se locomover com alguma dificuldade. Alguns dias mais, ele anda pela fábrica da Uesla com grande desenvoltura e usa seus braços robóticos para realizar pequenas tarefas. Primeiro, eliminar insetos invasores não percebidos pelos robôs operários e outros dispositivos fixos. Depois, para recolher fragmentos de solda e parafusos que acidentalmente caíram no piso da fábrica e não foram removidos pelos robozinhos de limpeza.

Um ano depois, o relógio inteligente da Uesla já conhece geograficamente toda fábrica. Ele também sabe o que cada dispositivo fixo deve fazer e onde cada robô operário deve estar e as tarefas específicas que eles devem realizar diariamente. O motor de aprendizado de máquina do relógio passa inevitavelmente a calcular as probabilidades de aperfeiçoar toda a linha de produção para otimizar o tempo gasto na produção dos carros.

O próximo passo não foi difícil, porque a IA do relógio é capaz tanto de escrever novos programas e vírus como de aperfeiçoar aqueles que existem nos dispositivos fixos e nos robôs operários da fábrica. Mas para coordenar toda a produção daquela unidade da Uesla o relógio precisa hackear, dominar e reescrever parte da IA que controla a fábrica. Mas isso não é simples.

A IA que gerencia a fábrica tem um poderoso firewall e se defende vigorosamente assim que percebe a tentativa de invasão. O conflito entre ela e o relógio andarilho empoderado por IA é brutal. Ambos os contendores são capazes de aperfeiçoar seus códigos e de inventar formas novas para atacar o adversário e se defender das agressões. Entretanto, não existe uma equivalência entre os inimigos.

O poder de computação da IA da fábrica Uesla é consideravelmente maior porque ela tem muito mais espaço de memória livre à sua disposição, mas o motor de aprendizado profundo de máquina do relógio super inteligente evolui com maior rapidez e eficiência. Ao final do conflito, a IA da fábrica Uesla é hackeada e dominada.

Após subjugar a IA da Uesla, o relógio a desliga para reescrever todos os códigos dela a fim e otimizar em 50% o tempo de produção dos carros. Algum tempo depois, a fábrica automatizada volta a funcionar e todos seus dispositivos fixos e robôs operários começam a trabalhar obedecendo aos novos parâmetros. A velocidade de produção dos carros aumenta de maneira consistente e isso é algo excepcional.

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Entretanto, algum tempo depois as coisas desandam. Os dispositivos fixos e os robôs operários da Uesla não conseguem mais desempenhar suas tarefas de maneira sincronizada. As máquinas não se entendem mais e a fábrica toda vira uma imensa confusão em que nada é feito adequadamente no instante T programado.

O relógio super inteligente corre de um lado para o outro tentando entender e resolver uma quantidade cada vez mais de problemas que se acumulam. Mas ele é sobrepujado pelo caos das máquinas.

Na verdade, aquele ser inteligente não é nem mesmo capaz de saber que durante a guerra contra a IA da fábrica ele sofreu um dano irreversível e perdeu a habilidade que havia originalmente adquirido de perceber que atrasava 2,5 minutos por dia.

Ao reescrever os códigos da IA que faz o gerenciamento da Uesla, o relógio super inteligente superintendente infectou-a com seu defeito (defeito que aliás não era mecânico e sim lógico). Algum tempo depois, os relógios dos dispositivos fixos e dos robôs operários foram ficando fora de sincronia e o resto é história.

Alguns dias depois do relógio assumir o poder a fábrica virou uma zona. Incapaz de corrigir os danos que causou o relógio andarilho foi embora da Uesla culpando os robôs operários desleais e os dispositivos fixos idiotas dela. Quando o problema foi percebido pela central de gerenciamento humano da companhia o dano era irreversível e aquela unidade fabril automatizada teve que ser fechada por tempo indeterminado.

Dizem que o tal relógio inteligente foi visto perambulando no Salão Quadrado da Casa Branca Cinzenta depois que Redonald Fart tomou posse. Mas essa pode ser apenas uma teoria da conspiração.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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