Amor à cidade e militantes contra a ditadura*
por Urariano Mota
A entrevista ao Dr. Táki Cordás ocorreu em uma mesa de bar e restaurante no Alto da Sé em Olinda. Dr, Táki Cordás, médico psiquiatra, é conferencista, e tem o reconhecimento geral pelas entrevistas que faz com intelectuais, escritores e artistas; Desta vez, num ato de generosidade, me inclui entre os seus entrevistados.
Muitas pessoas, que viram episódios da nossa entrevista no Instagram de Táki Cordás (um deles com mais de 4.000 visualizações), opinaram que a conversa foi agradável, deliciosa. Mas deliciosa mesmo foi a cachacinha à noite com caldinho de peixe, que se transformou em palavras. A entrevista foi além de 51 minutos, gravados em celular aqui
Daí que a divido em dois artigos. Este é o primeiro.
No começo da entrevista, lembro uma grande coincidência. Foi no mesmo bar e restaurante, o Olinda Art & Grill do Alto da Sé em Olinda, que encontrei pela primeira vez o pensador e escritor José Carlos Ruy.
Estava também presente o escritor e jornalista Marco Albertim, autor de contos e crônicas magistrais, e romance. Foto aqui.
Então falei no vídeo:
– O romance “A mais longa duração da juventude” é dedicado em memória a Marco Albertim.
E foi traduzido para o inglês por causa da intermediação de José Carlos Ruy, com quem eu bebi aqui.
A capa do romance traduzido aqui
E continuei:
– Aproveito a oportunidade para dizer que Ruy, antes de falecer, deixou escrito o Dicionário Machado de Assis. Lindo trabalho de pesquisador e pensador.
– Onde está esse livro? – Táki pergunta. E respondo:
– Esse livro está nas mãos da Editora Anita Garibaldi, Pronto há muito mais de um ano e não o publica. Não é possível isso. Eu pergunto o que é que falta pra Anita Garibaldi publicar o Dicionário Machado de Assis, quando toda comunidade acadêmica, e estudantes do Brasil gostariam de ler o livro? Um grande dicionário, em que José Carlos Ruy pegou mais de mil personagens diferentes e os transformou em verbetes.
Foto de José Carlos Ruy aqui
Então Káki Cordás pergunta:
– O que é que tem o seu Dicionário Amoroso do Recife?
E respondo:
– No Dicionário Amoroso do Recife eu reuni pessoas e lugares que me são caras, do coração, sobre o Recife. Existem poetas, existem lugares existem escritores, existem pessoas, artistas, de A até Z. Um deles, não poderia faltar, Antônio Maria. Ele era simplesmente cronista, compositor, humorista, homem de rádio e televisão.
– Comente as músicas de Antônio Maria, que o pessoal jovem não conhece – Táki fala.
– Ah, jesus do céu. A mais famosa dele é “Ninguém me ama”, que foi regravada por Nat King Cole, sucesso mundial.
E continuo:
– Outro grande sucesso dele é “Dorme, menino grande, que eu não sairei daqui” … (tento cantarolar)
Ao que Táki me interrompe:
– Você é melhor escritor que cantor. Melhor falar do seu livro.
Então retomo:
– O livro tem o poeta Alberto da Cunha Melo, o escultor Abelardo da Hora. E lugares do Recife, como o Pátio de São Pedro, o Mercado Público de Água Fria, o bairro onde nasci, na Rua Japaranduba, mais o Bairro do Zumbi…Nós temos aqui o bairro do Zumbi, que foi onde nasceu o poeta Joaquim Cardozo. O livro fala sobre Dom Hélder Câmara. E o Recife, Táki, tem uma particularidade muito interessante: é o lugar onde quem não é recifense de nascimento, quando vem pra cá, cresce para o mundo. Um exemplo é Dom Hélder Câmara, outro exemplo é Miguel Arraes, cearense, um outro exemplo é o grande José Lins do Rego, paraibano… Castro Alves! Castro Alves amou e fez poemas abolicionistas a partir da sua formação na Faculdade de Direito do Recife. O grande poeta baiano.
Então, depois de minha fala sobre poesia de Carlos Pena Filho e de Manuel Bandeira, Táki Cordás pergunta:
– Que outros lugares estão no coração do Recife?
Respondo;
– O Pátio de São Pedro, onde o casario dos anos 1700 está todo conservado.
É lá que está a estátua de um dos grandes injustiçados da poesia brasileira: o poeta Solano Trindade. Comunista, poeta, negro, homem de teatro.
Estátua de Solano Tridade aqui. Observem os pés.
Temos ainda a Rua do Bom Jesus, que já foi escolhida como a terceira rua mais linda do mundo. Que é a antiga Rua dos Judeus. Ela fica no Recife Antigo, onde está a primeira sinagoga das Américas.
Conta-se, o que não é lenda, que os judeus recifenses, com a queda do domínio holandês, saíram do Recife e fundaram Nova Iorque. (Eu vi no filme “Era uma vez na América” o cemitério judeu de Nova Iorque, com túmulos dos inauguradores mortos em português)
E continuo, desta vez sobre o poeta Miró da Muribeca:
– Com projeto aprovado da grande vereadora e poeta Cida Pedrosa, Miró da Muribeca ganhou estátua no Recife Antigo.
Miró da Muribeca era o repórter da poesia na cidade. Nos poemas, ele transformava em poesia as agruras dele e do povo do Recife. Ele chegou a ser preso porque estava sorrindo sozinho quando passou um carro da polícia. E lhe perguntaram, “você está rindo de quê?!”.
Aqui, Miró numa das suas intervenções poéticas:
Então passamos para a fundamental personalidade revolucionária de Frei Caneca, que teve o seu enforcamento negado pelos carrascos no Recife. Ele teve a morte negada pelos matadores de ofício! Então lembrei os seus versos:
“Entre Marília e a pátria
Coloquei meu coração:
A pátria roubou-me todo;
Marília que chore em vão.
Quem passa a vida que eu passo,
Não deve a morte temer;
Com a morte não se assusta
Quem está sempre a morrer….”
Posso dizer que a entrevista para Dr. Táki Cordás foi boa. Para mim e para quem a escuta em vídeo com suas opiniões no Instagram
https://www.instagram.com/tacordas/reel/DB-DiABMXTG
Na próxima semana, retomo somente para falar dos personagens modelos dos personagens do romance “A mais longa duração da juventude”. Até a próxima.
*Vermelho https://vermelho.org.br/coluna/amor-a-cidade-e-militantes-contra-a-ditadura/
Urariano Mota – Escritor, jornalista. Autor de “A mais longa duração da juventude”, “O filho renegado de Deus” e “Soledad no Recife”. Também publicou o “Dicionário Amoroso do Recife”.
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