Elogio do fracasso, por Homero Fonseca

O sucesso é uma droga psicotrópica e seu culto intensivo na atualidade obedece à hegemonia de ideias que consagram o individualismo e o darwinismo social.

Elogio do fracasso

por Homero Fonseca

Durante as olimpíadas, recordes são quebrados, marcas impressionantes são estabelecidas, ocorrem desempenhos formidáveis e ergue-se um coro de vozes estridentes a exaltar os exemplos de superação. A cada quatro anos, repete-se a ladainha, engrossada pelas competições anuais de categorias esportivas, da natação ao salto triplo, do judô ao xadrez, do pingue-pongue ao pentatlo.

Os vencedores ganham dinheiro e fama (ou só fama, dependendo da modalidade). São entrevistados pela mídia e postam suas histórias nas redes sociais: tudo igual. O esforço inaudito, os empecilhos gigantescos, a persistência, a fé, a meritocracia (os anabolizantes são omitidos).

Um só blá-blá-blá, onde se mudam, a cada ocasião, apenas os nomes e os números. Graças à tecnologia, novos métodos e alimentos e fármacos cientificamente testados, as marcas avançam sempre. Mas a dinâmica é a mesma. E, por aí, tudo é redundância.

Mesmo o caso de Gabriela Andersen, que virou celebridade nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, ao conseguir concluir a maratona toda estropiada, apenas reforça a persistência, um dos valores monotonamente enaltecidos.

Tirando o caráter quase sempre edificante e xaroposo desses depoimentos (lições de autoajuda para sedentários que fazem catarse ao se identificarem no terreno simbólico com esses recordistas), as vitórias são notícias interessantes, como tudo que foge à rotina. Todos admiramos os grandes atletas e artistas, incluindo os circenses, entre outras causas porque nos projetamos neles. É uma ilusão confortadora.

O sucesso é uma droga psicotrópica e seu culto intensivo na atualidade obedece à hegemonia de ideias que consagram o individualismo e o darwinismo social e que se estendem a todos os domínios da vida, em especial o econômico.

Mais interessante é a história dos que nunca sobem ao pódio, obviamente em quantidades muito superiores aos vencedores. Parafraseando Tolstói, cada vencedor tem a mesma história, mas os fracassados têm motivações e trajetórias diferentes. O que faz alguém sem a menor chance participar de uma disputa? O que pensam os que chegam em último lugar? Como são iludidos os que não têm condições, mas são convencidos de que importante é haver oportunidades? Poucos se interessam em contar essas histórias. E elas podem ser emocionantes, dramáticas, comoventes, singelas, impressionantes. São sobretudo diversificadas em contraposição à mesmice dos triunfos.

Os vencedores têm sempre algo de robô. Os vencidos são demasiadamente humanos.

Viva o fracasso! Salve os derrotados! Ave vida!

Homero Fonseca é pernambucano, escritor e jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco. Foi editor da revista Continente Multicultural, diretor de redação da Folha de Pernambuco, editor chefe do Diario de Pernambuco e repórter do Jornal do Commercio. Foi também professor de Teoria da Comunicação e recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Atualmente, dedica-se à literatura e mantém um blog em que aborda assuntos culturais.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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