Um texto para existir precisa caber em quem lê
por Maíra Vasconcelos
Ouça a crônica 111126_004
O que não se pode provar é a costura do todo. Como se durante o café, às seis horas da manhã, quisesse pegar no ar o que é ficção, o que não é ficção, e ao unir os pontos formaria um texto. Como se costurasse. Como se ficção e não-ficção estivessem apenas à espera da palavra escrita para possuírem, enfim, vida. Algo assim como o comentário de uma leitora que li hoje nos jornais.
Eu, Elizabeth, gostaria de comentar sobre as casas onde moram as pessoas que esse jornal tanto publica, como sendo vítimas disso ou daquilo. Mas quero falar é sobre as casas. Porque desgraça demais não pode ser chamada de casa. Essas casas caídas aos pedaços estão mais expostas do que nunca. O nosso corpo também está mais exposto do que nunca. Ok, não pior do que nas guerras e etc. Mas sem casa apropriada, pior. Tem casa que definitivamente não aguenta nem temporal, quem dirá coisas piores. O jornal deveria fazer uma reportagem sobre isso. Agradeço a atenção.
Parece-me tão pertinente o que Elizabeth diz no jornal. Mesmo sem saber se a indignação e o pensar de Elizabeth estão também em outros leitores. E para algo existir precisa estar em relação com o outro. Como nós mesmos. Como um texto para existir precisa caber em quem lê. Como se o texto precisasse ser feito também para fora dele mesmo. No seu interno o retrato das mãos que trabalham.
O que não se pode provar é a costura do todo. Se tudo nesse texto é comprovável demais: as casas desmilinguidas, alguém que se preocupa com as casas alheias e não somente com o próprio jardim, no caso, Elizabeth, e eu-no-texto que traço os elementos como pontos de uma costura a se realizar. O que não se pode provar é a costura do todo. É o entrelaçar incapturável, isso que joga o texto, talvez, no ponto da invenção esperada.
E ao ver a escrita como costura, lembro-me do que li em Gabriela Llansol. Ela realmente escreveu como quem costura, e sabe, melhor do que eu e Elizabeth, juntas, que até inseto e água o desejo quer costurar.
Com um dedo sobre a linha, prendo também os olhos ao tecido; verifico que vejo um extenso panorama, meus olhos fixos no castanho aveludado parecem voltar-se para todos os lados; soergo a agulha do feltro, o movimento parece-me semelhante ao da escrita, embora inverso.
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Essa entende do escrito…
que coisa mais linda de colocação e a relação com a costura
“como um texto para existir precisa caber em quem lê”
Realmente, sem destacar a fragilidade das casas, e uma casa é o que mais nos protege, grande parte do que é escrito nos jornais não passa de um muito de nada que, acrescento por experiência própria, serve apenas para excitar ainda mais o tormento dessa gente como Elizabeth