Uma pausa para o dia internacional da mulher, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Hoje, em número, mulheres e homens equiparam-se na produção científica da matéria. É bom que seja assim.

Uma pausa para o dia internacional da mulher

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Se sou economista hoje, devo a Maria José Villaça (1926 – 2016), livre docente da Universidade de São Paulo, cujo aniversário seria amanhã. Embora não fosse nossa parente de sangue, era-o por afinidade extrema. Foi minha madrinha de formatura e foi justamente com ela que aprendi que o bom senso vale mais do que qualquer escola do pensamento econômico. Na verdade, quando Zezé Villaça – como era conhecida pelos alunos, incluindo Delfim Neto, a chamavam – e Helena Fanganiello (1921 – 2013) se formaram na Universidade de São Paulo, não havia um curso de Economia, só de Ciências Sociais. Para ambas, Economia só se tornou especialidade nos anos 1950, quando resolveram partir para o doutorado. Nos anos 1980, Helena Fanganiello foi minha professora de História Econômica no mestrado e foi através delas que vim a conhecer Alice Cana-Brava. Essas mulheres abriram o caminho para tantas outras, até que uma delas, Zélia Cardoso de melo, chegasse ao Ministério da Fazenda, um feito para o gênero, independentemente do quão polêmico possa ter sido seu desempenho no cargo. Feito batido pela economista Dilma Rousseff que, indo mais longe, chegou à presidência.

Mas não nos podemos furtar a citar Maria da Conceição Tavares, portuguesa de nascença e brasileira por opção, que tanto contribuiu para a formação de nosso pensamento. Em âmbito internacional, no fim do século XIX, já contávamos com expoentes como Rosa Luxemburgo (1841 – 1919), economista polonesa, que se tivesse nascido hoje, seria russa, mas que adotou a cidadania alemã, depois de ter obtido o doutorado na Suíça. Acabou assassinada, junto com seu companheiro, em 1919 por milicianos que, ao mesmo tempo, repudiavam o Tratado de Versailles e o comunismo.

Ainda na primeira metade do século XX, Joan Violet Robinson (1903 – 1983) fazia fama ao descrever as distorções de mercado pelo lado da demanda, com os conceitos de oligopsônio (muitos ofertantes para poucos compradores) e monopsônio (muitos ofertantes para um só comprador, geralmente, o Estado). Como  pós-keynesiana, estudou a Revolução cultural na China e tornou-se uma grande frasista. São dela as Frases: “Fui economista por quarenta anos e tenho dúvidas de ter ganho meu dinheiro honestamente” e “Os que não são comunistas aos dezoito anos não têm coração; os que continuam comunistas depois dos trinta, não têm cérebro”. Esta última frase foi deturpada por pseudo-filósofos olavistas, que substituíam “cérebro” por “caráter”.

Mas não foram todas as mulheres brilhantes do ramo que ficaram famosas como economistas. Algumas sequer tiveram seus nomes divulgados. Uma delas foi a esposa de Alfred Marshall, Mary Paley Marshall, ex-aluna dele, que participou de pelo menos um de seus livros e que, a boca pequena, foi tida com a organizadora da obra do economista a quem Keynes chamou de o “monstro da Economia”, tamanha foi sua contribuição científica. Pouco antes, entre Alemanha, Bélgica, França e, finalmente, na Inglaterra, a esposa e as três filhas de Karl Marx participavam da construção do que viria a ser a obra mais lida depois da Bíblia. Jenny Von Westfalia chegou a vender os sapatos para que o marido continuasse a escrever; Jenny, a filha mais velha entre os sobreviventes, secretariava o pai e era tida como a preferida. Leonor, a caçula, juntamente com Engels, organizou e publicou os três volumes póstumos de “O Capital”. Laura, a filha do meio, traduziu a obra do pai para o francês, sendo responsável por grande parte do sucesso comercial da obra. Com tamanha contribuição, mesmo sem diploma, não há como não imaginar que essas quatro mulheres não tenham sido economistas.

Hoje, em número, mulheres e homens equiparam-se na produção científica da matéria. É bom que seja assim. A distância entre Economia filosofia é muito pequena e todo o conhecimento parte do que os seres humanos são, pensam e esperam para si e seus semelhantes. Agradeçamos todos a essas e tantas outras mulheres que se dedicaram a entender a vida material da humanidade.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador