Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Uma tenta(ção)tiva mais, por Rui Daher

Cético, penso-me nos primeiros estágios dos símios na fileira de Neandertal, quem sabe, um dia, homo sapiens e ereto por completo.

Uma tenta(ção)tiva mais, por Rui Daher

Há seis meses convalesço de um acidente caseiro que me levou próximo à paraplegia. Ganhei uma compressão (estenose) da medula na coluna cervical.

Não tem sido bom. Independente da restrita mobilidade, a suspeita da não voltar ao normal (o velho ou o novo), a imagem de um ofegante anão corcunda andando por aí, e a intrusão de benéficos batalhões de médicos e fisioterapeutas (diários), a dizerem “o quanto você melhorou de lá para cá”.

Somam-se os leigos, familiares e amigos, a marcharem ao meu lado, desconfiados de uma nova molecagem e queda. Lembram carcereiros a regular meus passos, posturas, mãos e dedos descontrolados. Também eles dizem que estou evoluindo.

Cético, penso-me nos primeiros estágios dos símios na fileira de Neandertal, quem sabe, um dia, homo sapiens e ereto por completo.

Enfim, certeza é – tomografias, ressonâncias e ódios políticos – que o cérebro em nada foi afetado. E por que a rarefação dos textos? Simples falta de paciência em pensar e agir da forma que os leitores merecem. Durante o período foi impossível evitar um esgar bobão e avistar nos jornais manchetes (letras garrafais) e telas de televisão.

Nas últimas, as piores torturas: viagens a locais paradisíacos a que não posso chegar (escalar cânions, navegar em mares mediterrâneos, concursos de churrascos de norte-americanos balofos, receitas culinárias fantásticas, pior, um etilismo desbragado a quem está punido por abstinência criminosa).

Mas, mesmo do pior, alguma boa lição se tira. Não irei perder espaço com as excrecências da TV Globo. Anotem aí: o estridente “The Voice Brasil”; o patético “Vai que Rola”; as 13 novelas ou séries diárias.

Se bem me lembro a única e última novela que assisti direto foi “Irmãos Coragem” (Janete Clair, 1970/71). Na época, filho único, expunha minha coragem no movimento estudantil contra a ditadura militar. Verdade que os irmãos me inspiravam à luta.

Aconteceu que nesses seis meses, bundão no sofá, fugindo de um passado que me fazia feliz e de um futuro esperançoso, acabei acompanhando boa parte de “Império” e, agora, alguns capítulos de “Um lugar ao sol”.

Valeu! Pude experimentar a evolução (como em tudo) do maravilhoso trabalho literário e audiovisual brasileiro. Produções luxuosas, figurinos e trilhas sonoras bem escolhidos, atores e atrizes seis e meio na arte de interpretar e dez quando expõem suas belezas na tela.

Então está gostando? Não, diria o carrasco crítico que, ainda na adolescência se apaixonou pela literatura através das chamadas ficções policiais.

Precisávamos percorrer quase todas as páginas do livro, voltar e reler algumas delas, reinterpretar, desentranhar a história e “chegar no mordomo da vez”. Ou não.

Se depois, transformadas em teatro ou cinema, bem roteirizados e dirigidos, propiciavam o mesmo exercício mental.

Falo de Agatha Christie, Dashel Hemmet, Ellery Queen, John Dickinson Carr, Conan Doyle, Elmore Leonard, para ficar apenas em alguns que escreveram na língua inglesa.

No que aqui assisti (já consegui fugir – estou melhorando mesmo) descobri, podem aferir, as tramas só andam mediante escutas por trás de portas fechadas ou entreabertas. Como estamos em avançada era tecnológica, descuidadas mensagens em celulares também valem.

Com isso substitui-se qualquer exercício literário ou cênico, descobrem-se gênios que ficam ricos, mordomos da obviedade, grupos pobres divertidos e ricos maus e carrancudos.

Oh, Conselho Consultivo do “Dominó de Botequim” poupe-me dessa intrusão demoníaca neste anão corcunda tão esperançoso.

Sugestão de leitura: “Uma história da leitura”, do argentino Alberto Manguel (Cia. Das Letras, ed. de bolso, 2021)

Inté!

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

1 Comentário

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  1. Breve e excelente recuperação. Estamos torcendo!!! Quanto à lembrança de Irmãos Coragem, um dos grandes feitos da RGT (Posseiros lutando contra as Elites Estabelecidas, os “Caiados”” donos de Goiás. Novela transmitida durante o Governo Militar (1970). Pobres contra a Cleptocracia da República Nova. E dizem que havia censura?). É uma Aula de História, muito melhor e mais abrangente que o Revisionismo Histórico Emburrecedor propagado pelas Escolas Brasileiras através de MEC do Ditador Esquerdopata-Fascista e Paulo Freire. Vejam o que era o Brasil, seu Interior, a Mineração produzida por Brasileiros e combatida pela Cleptocracia (Grileiros, Garimpeiros destruindo a Natureza. Tarcísio Meira/João Coragem. Parece familiar com dias atuais? Mas agora os papéis não foram invertidos na Redemocracia?!!) Não é que agora a Cleptocracia é defendida por ONG’s Nacionais e Internacionais? E o Brasileiro tentando se defender e sobreviver se tornou o Criminoso? Não é que sob Governos Socialistas AntiCapitalistas Redemocráticos, Caiado’s saem vencedores?!!!! Mudaram os lados dos Protagonistas, mas o Povo Brasileiro continua perdendo, enquanto a Bandidolatria ainda prospera? Vejam o Brasil sendo colonizado por seu Povo, apenas agora. Os anos de 1970 foram “ontem”. Não estamos falando de Bandeirantes nos secs. XVII ou XVIII. Estamos falando de Novela da RGT transmitindo o Brasil sendo construído. Outra Realidade Nacional que deveria ser apresentada na Mídia, Imprensa e Escolas era Amaral Netto e Globo Rural. Mostra a verdade brasileira a partir dos dos anos de 1970 com a Colonização maciça sendo construída por Paulistas, Paranaenses e Gaúchos. A “Vida Fácil” e “todo apoio (?)” que Brasileiros tiveram para levar a Agricultura e Pecuária para MT, MS, GO, TO, PI, MA, BA, MG, RR, RO, PA,…O Brasil de verdade pode ser visto por excelentes trabalhos realizados por RGT: Irmãos Coragem, Amaral Netto, Globo Rural. Um pouco de poeira, lama e suor na fantasia que Brasileiros acham que conhecem. abs.

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