A relação entre o pensamento de Oliveira Viana e Sarney

Comentário ao post “Sobre a obra de Oliveira Viana

Para que os pesquisadores, no futuro, não imaginem que a saudação a OLIVEIRA VIANNA neste portal tenha sido acolhida sem a contra-posição crítica que merece, assim como que deixou herança intelectual que ainda nos afeta, profundamente. Sempre que se falar dos artífices ideológicos do racismo é preciso que se faça uma relação entre o que pensava e desejava OLIVEIRA VIANNA e o que pensa  e deseja em 2012 o presidente do Congresso Nacional, Senador JOSÉ SARNEY.

Embora a matéria de fundo – o racismo de VIANNA – seja bem conhecida dos estudiosos da cultura ideológicA do racismo no Brasil, é sempre bom que as essas bases ideológicas sejam revisitadas para evidenciar o quanto estavam equivocadas. Embora tal pensamento permeasse a toda a intelectualidade, os mais populares intelectuais formuladores das teorias racistas que resultaram na sistemática discriminação dos pretos e pardos até nossos dias foram OLIVEIRA VIANNA, NINA RODRIGUES, SILVIO ROMEIRO, EUCLIDES DA CUNHA, MONTEIRO LOBATO para quem, a miscigenação significava ´degeneração´ da raça.

Entrementes, tais ideólogos, de prestígios respeitáveis em sua época, não conseguiram impor ao Brasil a classificação estatal e a outorga de direitos raciais como tem feito o Senador SARNEY em pleno século 21 – com êxito – e inesperados apoios de pseudos ´progressistas´.

Com sentido invertido, porém, com a mesma base da presumida desigualdade racial, o senador SARNEY – nascido em 1930 – bebeu na água desse autores e continua produzindo iniquidades raciais para o Brasil com sua intransigente defesa e patrocínio de leis de segregação racial – cotas raciais – que tem sido implantada no Brasil desde os anos 1990.

SARNEY se vangloria da autoria do primeiro projeto de lei de cotas raciais – em 1997 – e depois passou a utilizar de interpostas pessoas como a Deputada NICE LOBÃO-PFL/MA, do então deputado e atual Senador PAULO PAIM-PT, da jovem suplente de Senadora ANA RITA-PT que foram os condutores das leis raciais visando consagrar os ideais racistas do século 19 e início do século 20.

Na academia, felizmente, a partir de 1920 surge a nova geração de pesquisadores que aprofundando o conhecimento da nossa realidade social abandonaram essa concepção racista e passaram a reconhecer a miscigenação como uma característica positiva, e se alinham à condenação das teses raciais até então vigentes. Dessa geração SERGIO BUARQUE DE HOLANDA e GILBERTO FREYRE foram suas principais estrelas com a interlocução consistentes com ROGER BASTIDE edificaram novas bases do conhecimento antropológico e sociológico.

SERGIO, em 1936 ´Raízes do Brasil´,  e não FREYRE como a maioria pensa, e repete, foi o primeiro a afirmar categoricamente que não tínhamos no conceito social das massas apego à perigosa prisão de pertencimento racial, uma condição imutável. O ´ser nacional´ dizia SERGIO, é lívre e mutável. A maioria do povo não está presa a um sentimento de pertencer à raça. Como maior mérito disso é que estamos despojados desse valioso e intangível patrimônio: a superioridade racial.

Já a obra de Gilberto Freyre foi inovadora para a época. O fato é que Freyre não adota a hierarquia racial e tampouco atribuir os problemas no Brasil causados pelos humanos de cor  já significava a grande quebra de paradigma. A partir deste momento que as teorias racialistas dos problemas ´do povo´ vão deixar de prevalecer a favor de teorias culturais ou sociais. O objetivo de Gilberto nas pesquisas para a obra está bem resumido numa citação do prefácio: “ensaio de sociologia genética e de história social pretendendo fixar e às vezes interpretar alguns dos aspectos mais significativos da formação da família brasileira” (p.27).

Outro aspecto diferencial da obra de Gilberto Freyre é a diversidade de fontes históricas nas quais se baseou. Diferente de Nina Rodrigues, Oliveira Vianna e até Von Martius, FREYRE busca informações sobre a vida das pessoas no passado em romances, inventários, cartas de sesmarias, testamentos, relatos de viajantes, enfim uma gama variada de possibilidades que o permitiu de descrever a vida da época em detalhes minuciosos. Trata da história da Casa Grande e da Senzala como a história social do Brasil, o que não deixa de ser verdade. Com esses dois elementos ele fala da política, religião, economia, cultura, miscigenação, enfim, todos os fatores que nos fazem ser como somos hoje.

Ou seja, as obras de SERGIO, GILBERTO e BASTIDE, abandonaram a fixação na ´degenerada raça  mestiça´ conforme a antiga elite intelectual – até MONTEIRO LOBATO – e conduziram a próxima geração de antropólogos e sociólogos para pensarem seus estudos a partir desse paradigma: a sociedade brasileira com uma visão mais sociológica da história, e não racialista, como era a predominante até 1930.

FLORESTAN FERNANDES, OTAVIO IANNI, CLOVIS MOURA, DARCI RIBEIRO, MARIA EMÍLIA VIOTTI, FERNANDO HENRIQUE, passam a tratar do sistema econômico de exploração da monocultura latifundiária escravagista como razão principal das características  e dos problemas do país, e ressaltam, desnudando com uma leitura, digamos marxista da história, o que fora constatado por FREYRE e HOLANDA: que os personagens da época colonial escravagista (o senhor de engenho, e o escravo) foram substituídos pelos latifundiários, donos de fábricas e usinas e de outro lado os colonos, trabalhadores rurais, ´bóias-frias´, campesinos e operários formando o proletariado.

Tais estudiosos nos legaram a realidade que nossa geração enfrenta: o nome do sistema de exploração mudou mas o sistema ainda é o mesmo. Com isso, ganha relevância a máxima consagrada por Steve BIKO, o jovem revolucionário da África do Sul nos anos 1970: racismo e capitalismo são as duas faces da mesma moeda. A moeda da opressão.

Por essa razão, o combate ao capitalismo selvagem e ao racismo baseado na ´crença´ da classificação e hierarquia racial significam o combate à opressão. O conhecimento histórico e da elaboração intelectual dessa história do racismo no Brasil precisa ser conhecida.

Isso é o que justamente isso que nos interessa conhecer em OLIVEIRA VIANNA, sem desmerecer seu valor intelectual – assim como ARISTÓTELES – responsável pela herança racista que tanto infelicitou a humanidade através dos tempos, assim como, em ´RAízes do Brasil´ ou em “Casa Grande e Senzala”, obras de escopo atual que trata de assuntos do passado histórico do Brasil, a formação da sociedade patriarcal e patrimonialista, consolidada em bases econômicas e bases raciais, que influenciou o país não apenas do ponto de vista da estrutura político-econômica, mas no quadro das mentalidades coletivas e demográficas. As nossas desigualdades sociais, escandalosas, remontam àquela consideração racial defeituosa.

Nesse contexto, o ativismo necessário contra a racialização do Brasil tão desejada pelos projetos de leis de iniciativa do Senador JOSÉ SARNEY e que tem sido acolhido em políticas públicas do Brasil. Tais políticas racialistas estão nas antigas convicções do Senador maranhense, um homem antigo, de cultura antiga, que ainda possui a herança cultural de OLIVEIRA VIANNA. O racialismo estatal nada mais é do que renovar as teorias de VIANNA. O senador SARNEY acredita piamente na existência de ´raças´ com sua implícita hierarquia e, com sua aptidão a políticas paternalistas, – até lhe concedo o benefício da dúvida e da boa-fé paternalista – ele entende como uma necessidade o amparo à ´raça negra´ aquela que VIANNA e SARNEY consideram a ´raça inferior´.

A desigualdade social que vitima os afro-maranhenses – o mais baixo IDH dentre todos os afro-brasileiros – é prova disso: quanto mais se acredita em raças, crê-se na hierarquia racial e as políticas públicas refletem também a hierarquia racial no descaso.

Portanto, o que farão as leis de segregação de direitos em marcha no parlamento brasileiro, sob inspiraçao de SARNEY, se destinam a nos outorgar a identidade racial que, segundo SERGIO BUARQUE e todos os estudos diz que não a temos, através de outras centenas de leis de segregação na ordem jurídica doravante.

Aliás, a produção de direitos raciais o mais amplo possível, sonegando a universalidade das políticas públicas republicanas, é a verdadeira inspiração do Senador SARNEY – patrocinador das leis – e que se auto-proclama o maior defensor da ´raça negra´ por ter apresentado em 1997, o primeiro projeto de lei de segregação racial. Isso vem confesso da sua profunda crença em ´raças´ humanas, neste corrente 2012, em discurso celebrando a abolição da escravatura: ” Eu fiz, concebi a Fundação Cultural Palmares, que justamente tinha a função de promover a ascensão da raça negra no país, por todos os instrumentos disponíveis que o Estado pode realizar. Depois, completando essa ação, apresentei o primeiro projeto no Brasil e deflagrei o problema das cotas da raça negra. O projeto foi incluído na pauta do debate nacional também por mim, justamente na etapa de promoção da raça negra, com exemplo dos Estados Unidos, que realmente só puderam avançar lá quando estabeleceram um regime de cotas, obrigando a sociedade a aceitar uma participação dos negros compulsória de todos os setores da vida pública daquele país.”.” (grifei) –http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/158/jose-sarney-e-a-questao-racial-228131-1.asp

Esse amparo desejado por SARNEY – consistente na segregação de direitos raciais – que traz o estigma da inferioridade presumida afirmada pelo estado, através de um tratamento desigual para conferir privilégios raciais, produzirá efeitos colaterais perversos, principalmente a redução da auto-estima dos beneficiários, violando sua dignidade humana, porém, condizentes com a cultura defeituosa da doutrina de OLIVEIRA VIANNA: ” O autor dizia que, poderia até existir negros com capacidades intelectuais altas, mas isso ocorreria em quantidades reduzidas em relação à capacidade do homem branco. Ao se deter neste ponto de vista, concluiu que os brancos, por terem níveis superiores, concentrarse-iam normalmente nas camadas sociais mais altas e conseqüentemente formariam a elite dirigente.”

Luis Nassif

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