O Centenário da Semana de Arte Moderna (I), por Walnice Nogueira Galvão

Pesquisas, instigadas pelo Centenário da Semana, continuam a surgir.

Acervo Tarsila do Amaral

O Centenário da Semana de Arte Moderna (I)

por Walnice Nogueira Galvão

Levou cem anos, um século inteiro, mas temos agora uma realização para celebrar: o resgate, execução e gravação da música da Semana de Arte Moderna em 1922. Mais uma iniciativa de altíssimo nível que devemos ao Sesc, o box com 4 CDs intitula-se Toda Semana: Música e literatura na Semana de Arte Moderna. O livreto do box traz poemas e conferências da Semana, bem como novos estudos.

Comandam o projeto três especialistas: a musicóloga do Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB) Flávia Camargo Toni, Claudia Toni e Camila Fresca. Fazer o levantamento, convocar e ensaiar os músicos, proceder à gravação: a tarefa não é pequena…

Villa-Lobos foi mesmo o compositor mais tocado na Semana, com cerca de 20 obras. Também funcionou como maestro, enfrentando com galhardia as vaias e apupos que saudaram tanta modernidade.  Entre os instrumentistas,  ressaltam os desempenhos dos pianistas Lucília Villa-Lobos, Frutuoso Vianna, Ernani Braga e da grande Guiomar Novaes.

Os naipes que agora executaram a música foram compostos por profissionais reputados. O maestro  e violinista Claudio Cruz tem longo tirocínio como spalla da Osesp. A seu lado apresenta-se o jovem pianista Christian Budu, que vem acumulando prêmios: fica a cargo de ambos o fulcro do projeto. Destaque para Antonio Meneses, um  dos maiores violoncelistas da atualidade, e Mônica Salmaso, voz de afinação impecável. O livreto   traz o elenco dos instrumentistas e cantores.

A realização está à altura de empreitadas sofisticadas como aquelas que se fazem em Paris a propósito de Marcel Proust, onde é possível  comprar CDs ou ir a um concerto só de músicas dos 8 volumes de Em busca do tempo perdido. Sem deixar de incluir as canções clássicas do amigo Reinaldo Hahn, de grande popularidade à época: até hoje soa nos teatros sua célebre Si mes vers avaient des ailes, sobre  poema de Victor Hugo. Os proustianos abrem a discussão sobre uma certa frase melódica, “la petite phrase” da sonata de Vinteuil, atribuída a um compositor fictício: seria da autoria de César Franck, Saint-Saëns ou Gabriel Fauré? O próprio autor revelou que era de Saint-Saëns, mas os estudiosos duvidam de sua revelação… Ou pode ser uma exposição de pintura reunindo os retratos de Proust e de seus amigos, como Robert de Montesquiou (cuja magistral efígie, devida aos pinceis de Whistler, fica na Frick Collection de Nova York), Anna de Noailles, os vários Greffühle (modelo dos Guermantes), Boni de Castellane  etc., e mais as paisagens evocadas (Illiers-Combray, Trouville etc.). Ou ainda os trajes da condessa de Greffühle, a mais elegante de seu tempo, objeto de mostra há poucos anos no Palais Galliera.

A moda tem sido estudada por aqui também. Um livro recém-lançado guarda igualmente forte relação com Paris, destino inevitável à época: O guarda-roupa modernista – O casal Tarsila e Oswald e a moda, da autoria de Carolina Casarin. Já muito citada foi a referência de Oswald a Tarsila: “… caipirinha vestida por Poiret…”. Pesquisando nos arquivos dos costureiros em Paris, a autora encontrou documentação relativa a mais de vinte toaletes de Tarsila, assinadas por Jean Patou e por Paul Poiret. A própria capa que ela enverga no mais famoso de seus autorretratos (Manteau rouge, de 1923), em que a tela é avassalada por enorme mancha escarlate, é da autoria de Jean Patou.

Entre muitas outras revelações, o livro faz o levantamento de uma curiosidade: os vestidos de Poiret tinham  nomes. Aprendemos os nomes daqueles comprados por Tarsila:  Mandalieu, Lampion, Mosqué, Riga, Esmeralda, Street… Ficamos sabendo que Poiret não figurava entre os costureiros mais avançados, como Chanel, cujas roupas eram mais flexíveis e desvencilhavam a silhueta feminina. Ao contrário, as suas eram mais pomposas e ornamentadas, com influência oriental, sendo portanto menos de vanguarda e mais de ostentação.  

Pesquisas, instigadas pelo Centenário da Semana, continuam a surgir. Praticamente uma novidade a cada semana, o que é ótimo. Que mais venham…

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

1 Comentário

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  1. Walnice, em minha opinião a mais perfeita tradução da madeleine proustiana se encontra na estrutura temática cíclica inaugurada por César Franck, onde as ideias musicais perpassam e desafiam a estrutura Da sonata Clássica que prevalesce desde Mozart no Ocidente, com movimentos organizados segundo princípios da Suite de danças. Com Cesar Franck , talvez sob influência de Wagner, o tema da sonata clássica adauire foros de leitmotiv , emergindo em diferentes pontos da textura quadripartite da sonata romantica como memória temática e sua corrosão no tempo ( ver sonata para violino e piano de Cesar Franck)

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