Um pequeno inventário da gente e das coisas II, por Sérgio Medeiros

A melhor forma de acreditar no coletivo é repensá-lo não como erro, mas como fadiga; o que nos movia precisa de uma injeção de apreensão da realidade

Photo by Sam Balye on Unsplash

Por Sérgio Medeiros

Os coletivos políticos, navegar é preciso*

Um pequeno inventário (…) das gentes e das coisas…

“É certo, ficamos velhos e nesse caminho ao invés de agregarmos, perdemos muito de nossa humanidade, nem todos os monstros ficaram para trás, pode ter chegado o tempo de novamente voltarmos aos parques, de termos novamente voz ativa, proporcionarmos sorrisos a quem as circunstâncias impõem perdas, em suma, reunir forças para buscar sonhos, não no sentido piegas e pasteurizado da palavra, mas na concretude da vida de todos, simples sonhos… sonhos de nossa juventude nas conversas em mesas de bar, em que mudávamos o mundo.

É justamente isto, é esta vida latente que reclama em todo nosso ser, em nosso sangue, em nosso suor e em nossa angustia e que, talvez, baste apenas um convite para trazê-la novamente para sentar em nossas cadeiras, e aí, com certeza, ela pegará a nossa mão e nos levará aos cantos mais insuspeitos da cidade, e veremos novamente as pessoas, sentiremos de outra forma o calor, ouviremos com outros ouvidos os sons, compartilharemos os infortúnios e nossas mentes e corações irão bater num compasso diferente, enlouquecidamente humano. https://jornalggn.com.br/cronica/as-conversas-em-mesas-de-bar-nas-quais-mudavamos-o-mundo/?fbclid=IwAR06TlW5Od2ZLMIGXNYSHllOWpC7RVoXzywVPjtISOqm1_81bg133jy5KH0

A melhor forma de acreditar no coletivo é repensá-lo,  não como erro, mas como fadiga. O que nos movia e a nossa juventude, precisa de nova injeção, não de ânimo mas, de apreensão da realidade.

Antes, todos sabiam o que queriam e era prazeroso lutar por isso. Todos lutavam, e as pessoas em nome de quem lutávamos reconheciam isso e nos davam força.

Agora  precisamos reconquistar nosso espaço e nossa credibilidade, por isso é muito mais difícil. Antes éramos jovens, mas não é o tempo ou a falta de saúde, somente, o que nos prende, tem os hábitos, a família, os filhos, o nosso atual modo de vida, em sua maioria,  somos classe média e vivemos como tais, mas a nossa zona de influência foi reduzida.

No entanto, friso, quando falo nesse repensar, isso nada tem a ver com as modas de refundação, porque nós não precisamos nos refundar,  as nossas intenções nem os nossos atos foram em vão e foram construtivos,  o que precisamos é fazer uma releitura de modo que nosso discurso novamente alcance e mude esta correlação de forças que tem potencial de destruir tudo que fizemos ate hoje.

Ainda temos força e temos alma, mas isso não pode nos impedir de refletir.

Neste momento,  primeiro é acreditar que podemos deter esta avalanche,  segundo,  planejar como fazer, quando os meios usuais já não tem o mesmo efeito, terceiro, sentir que este é um momento crucial na história, não apenas nossa, mas  de todas as pessoas, e nunca foi tão necessário parar para pensar e trazê-las para junto de nós, queiramos ou não, nosso destino será comum.

Ainda acredito no coletivo e sinto minha alma pulsar forte, estou em busca de um caminho e na busca de ser melhor do que sou, não sei onde vou chegar, mas a força que me move ainda é forte.

Sei, não perdemos a capacidade de sonhar. O problema, hoje, não é apenas “observar com atenção a vida real, e confrontá-la  com o que nós sonhamos” (não no sentido descartável do sentimentalismo infantil e barato),   mas, entender isso como algo que nos movia, e de alguma forma, move, não como realidade, mas como intenção inconclusa.

Adaptamos nossos sonhos a nossas vidas e buscamos a melhor coisa da vida, ser feliz, e tivemos toda a matéria para isso, gente alegre, amigos,  amor, família, filhos, luta, solidariedade, esforço,  trabalho.

Mas a vida (esta das pessoas desvalidas, pobres, crianças, exploradas), que nos importava, e muito, ficou mais distante, a política, que nos movia, virou um instrumento que justifica nossa atuação, e a nós mesmos, enquanto gente, humanos, solidários.

Entretanto, algo perdeu-se no caminho, e, sinto muito, mas concretamente na vida real, não há mais esta coisa viva que chamávamos coletivo, como capaz de impulsionar esforços, de fazer vibrar as pessoas, de emocionar a nós mesmos, agora, muitas vezes, nem mesmo existe emoção real nos discursos, eles refletem posições ardentemente definidas, perderam a alma.

E, nós, precisamos recuperar a nossa..

Não, não se trata de  andar em círculos,  de viver uma adolescência tardia (no sentido de apreensão da realidade) e de aderir a acordos pretensamente coletivos.

É que, nos ensinaram que esta é a forma de fazer política (como te moves, por que e quando te moves e do jeito que fazes as coisas).- mas, isso em absoluto é política … é modo de vida não adaptado ao tempo das coisas (que destroem a vida tal como a pensamos) -aliás  nem mesmo adaptado ao nosso tempo, por isso a angustia, não vamos encontrar respostas.

Não nos disseram que quando isso não mais é capaz de mudar a realidade, não é a realidade que é falha,  é que a zona de conforto fala mais forte e isso soa como impossibilidade ou impotência.

Quando falamos, que talvez tenhamos que novamente discutir Estado, sentimos que talvez já tenha passado o tempo, e é verdade, mas, não pensem que é caça as bruxas, não, não é, é apenas uma forma de repensar as coisas, perdidas no tempo. Sim, é complicado, mais até que nossas vidas, só que é preciso sair deste círculo vicioso, esta vontade de potencia, de luta, de rebeldia, só tem sentido se a crítica do trabalho, já realizado, for  para tecer o novo espaço, e, nisso, temos uma infinidade de coisas mais para re(conhecer), totalmente explicáveis e explicitáveis, basta estarmos abertos para propor, discutir, entender e assim apreender a nova realidade, sem isso, o coletivo, será apenas uma forma de nos justificarmos perante nós mesmos.

*Navegar é preciso – Fernando Pessoa

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Sergio Medeiros

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