
Olhar Estrangeiro sobre a Economia Brasileira
por Fernando Nogueira da Costa
O Seminário realizado no BNDES sobre Estratégias de Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI, em 20 e 21 de março de 2023, valeu para registrar: o social-desenvolvimentismo voltou!
O jornalismo econômico brasileiro e seus exclusivos economistas neoliberais devem estar ressentidos por isso acontecer depois do longo boicote aos economistas social-desenvolvimentistas. Ocorreu desde o golpismo midático contra a Presidenta Dilma, reeleita em 2014, minha ex-aluna no doutorado do IE-UNICAMP.
Semanalmente, até hoje, colunista-editor do Valor massacra a chamada por ele de Nova Matriz Macroeconômica (NMM). Ela é condenada como fonte de todos os males posteriores. No limite, devido ao “efeito bola-de-neve”, até mesmo pela emergência do neofascismo tupiniquim, liderado por um populista de extrema-direita!
Esse rótulo NMM foi apregoado pelo ministro Guido Mantega para autopromoção de sua marca na política econômica brasileira, distinta do eterno tripé macroeconômico (superávit fiscal – câmbio flexível – meta de inflação), originário de economistas neoliberais midiáticos. Na mudança do governo Lula para o da Dilma, constatou-se a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) estar com tendência para cair até 30% do PIB.
Avaliou-se poder então alterar o regime tributário, concedendo desoneração fiscal para setores sem contrapartida de aumento do investimento. Serviu só para abrir espaço nos orçamentos empresariais ao maior Custo Unitário do Trabalho (CUT).
No sentido trabalhista, a NMM foi bem-sucedida ao alcançar a menor taxa de desemprego registrada pela PNADC. No sentido capitalista, o aumento disparatado da taxa de juro básica de 7,25% para 14,25% levou ao processo de desalavancagem financeira das empresas endividadas e à consequente Grande Depressão.
Não à toa, no segundo dia do Seminário do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques, doutora pela EPGE-FGV e ex-presidente do BNDES, durante o governo golpista temeroso, publicou o artigo de opinião em destaque no principal jornal econômico do Brasil (Valor, 21/03/23). Em título típico da aliança do neoliberalismo com o populismo de direita – Taxas de Juros Subsidiadas e o Pequeno Tomador de Crédito –, ela recicla velhas ideias neoliberais contra o crédito direcionado pelos bancos públicos federais.
No primeiro parágrafo já as expõe. “Taxas de juros subsidiadas beneficiam um estrato dos tomadores de crédito. Aqueles que, em geral, têm acesso a outras fontes de financiamento, a taxas de mercado. Efeito perverso do crédito subsidiado é que, quanto maior o saldo de operações subsidiadas em relação ao estoque total de crédito, menor a potência da política monetária – pela simples razão de que uma parcela relevante do crédito se torna insensível ao nível da Selic. Portanto, quando é preciso aumentá-la para conter surtos inflacionários, o aumento terá que ser maior do que se o saldo de crédito subsidiado fosse menor ou inexistente.
Em termos bem diretos, crédito subsidiado para alguns significa taxa de juros mais altas para a maioria da população, especialmente os pequenos e médios tomadores de crédito. Outra distorção é que tais subsídios não são transparentes, pois não constam do orçamento da União, onde deveriam estar contabilizadas todas as despesas financiadas com nossos impostos.”
O leigo em Economia, sem contraponto crítico em um debate plural, poderá se enganar como aconteceu com o Presidente Lula ao considerar os livros de Economia uniformes e não discordantes entre si. A hipótese é Tico-e-Teco, ou seja, uma gangorra capaz de até uma criança visualizar: quando sobe a taxa de juro básica deveriam se elevar todas as taxas de juro de empréstimos, senão não a política monetária não provoca o controle da demanda agregada e a recessão, supostamente, para a queda da taxa de inflação.
A hipótese é simplória e tecnicamente equivocada: não se deve combater quebra de oferta, ou seja, inflação de custos com um controle monetário geral. Provocará uma Grande Depressão e uma estagdesigualdade (estagnação e concentração de riqueza), como aqui aconteceu de 2015 a 2022, apenas para manter a taxa de inflação inercial. Esta flutua em torno de 6% aa, em todos esses anos, exceto em 2015 e 2021.
Além de ser um erro essa Selic disparatada, o crédito direcionado com juros subsidiados é concedido por bancos públicos federais com funding adequado para isso: FAT, FGTS, FCO etc. Não existe neles e nem nos bancos privados essa pressuposta compensação entre o crédito subsidiado barato e o crédito comercial caro. O custo de captação do funding é apenas ⅓ (32%) do Índice de Custo do Crédito (ICC) segundo o Banco Central.
Humildemente, essa arrogante “dona-da-verdade” deveria ter assistido as duas sessões do Seminário do BNDES para aprender. Se não respeita as ideias dos economistas social-desenvolvimentistas, poderia pelo menos escutar elas expressas em inglês por Joseph Stiglitz (Nobel de Economia), James Galbraith (filho do John Kenneth Galbraith e consultor na China), Jeffrey Sachs (renomado autor de Macroeconomia e consultor da transição URSS-Rússia), Mariana Mazzucato (autora de vários livros sobre o Estado Empreendedor) e Jayati Ghosh (renomada estudiosa da Economia Internacional).
É bom salientar: os economistas brasileiros participantes não ficaram de jeito nenhum em inferioridade frente aos estrangeiros. Mas o “olhar de fora” sobre a economia brasileira é relevante para todos aqui saírem da obtusa defesa da tese de “mais do mesmo”, recorrente desde os primórdios da Era Neoliberal nos anos 90.
Estabeleceu-se um consenso entre todos os participantes do Seminário: o tripé austeridade fiscal-taxa de juro disparatada-moeda nacional apreciada levou ao retrocesso no desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Entre os anos 30s e 70s, fase da indústria nascente, a economia brasileira tinha obtido o maior crescimento na economia mundial, tal como ocorreu com a chinesa de 1980 a 2020.
Stiglitz diagnosticou: manter a taxa de juros elevada é contra produtivo e não funciona para coibir a inflação. As principais pressões hoje vêm de questões ligadas à oferta, como preços de petróleo, alimentos e desorganização da cadeia produtiva global.
“A taxa de juros de vocês é realmente chocante. A taxa Selic nominal de 13,75% aa e 8% de juros reais matam qualquer economia. O impressionante é o Brasil ter sobrevivido a essa pena de morte”, disse. “A pergunta é: onde estaria o Brasil hoje se tivesse uma política monetária mais razoável? Estaria com crescimento econômico muito maior.” Atrairia capital estrangeiro para investimento direto na indústria brasileira!
Quanto ao histórico de regime de alta inflação como guia para a condução da política monetária atual, o Nobel de Economia ironizou essa eterna precaução. “Isso foi há muito tempo: 3 décadas atrás. Por quanto tempo vai se falar aqui da hiperinflação? Em mil anos, vocês vão dizer ‘temos uma história de memória inflacionária’?!”
Os casos da Argentina e Venezuela não justificam essa preocupação com a inflação. Uma é dolarizada, outra é desarranjada. Mas o arranjo daqui com austeridade fiscal e uma taxa de juro disparatada, para apreciação da moeda nacional, só concentra renda e riqueza, principalmente, nos 66 mil grupos econômicos familiares do Private Banking.
James Galbraith comparou: quanto à relação entre o governo e o Banco Central, nos Estados Unidos não foi concedida plena independência como parece ser aqui. A altíssima taxa de juro brasileira é disparatada na economia mundial. Ela concentra a riqueza, aumenta a desigualdade social, eleva os encargos financeiros do governo e diminui o emprego. A baixa taxa de investimento no Brasil leva à carência da infraestrutura necessária para o desenvolvimento.
Jayati Ghosh criticou a obsessão brasileira em obter superávit primário. Não há razão econômica para isso em país sem endividamento público externo e acordo com FMI. É masoquismo?! É baixa, relativamente ao resto do mundo, a relação débito público / PIB no Brasil: para a reduzir ainda mais o modo correto é via crescimento do PIB!
Obter superávit primário, para redução da dívida pública / PIB, não deveria ser o problema número 1 do Brasil. Na verdade, é mera justificativa para a manutenção da elevadíssima taxa de juro, benéfica para os rentistas e prejudicial aos investidores.
A taxação no Brasil está entre as mais regressivas do mundo. Não tributa os ricos (0,1% ou 66 mil famílias do Private Banking), cuja maior parte da renda é isenta, e os oferece os maiores juros reais do mundo!
Políticas sociais ativas são necessárias, mas não serão suficientes para retomada do crescimento. Só os investimentos públicos provocam crowding in da iniciativa privada.
André Lara Resende resumiu as principais ideias consensuais entre os convidados: as taxas de juro altíssimas são injustificáveis e prejudiciais ao crescimento econômico. O Banco Central não pode ficar à parte em uma estratégia de retomada do crescimento. Se não houver política social ativa, não haverá combate à desigualdade social. A economia brasileira está em situação financeira relativamente propícia a esse projeto estratégico de desenvolvimento, apesar do retrocesso provocado pelo neoliberalismo.
O Brasil poderá ser um exemplo para o resto do mundo se for bem-sucedido ao focar na retomada do crescimento com inclusão social. Mostrará um governo progressista ser a salvação para muitas Nações em más condições econômico-financeiras.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].

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