Pesquisa da UFMG é reportagem de capa da Nature

Artigo que ganhou capa na Nature atesta capacidade do instrumento, que rendeu nove patentes e já pode ter sua tecnologia transferida para a indústria

Pesquisa da UFMG é reportagem de capa da Nature

Do site da UFMG

Nanoscópio da UFMG possibilita compreender estrutura que torna grafeno supercondutor

Artigo que ganhou capa na Nature atesta capacidade do instrumento, que rendeu nove patentes e já pode ter sua tecnologia transferida para a indústria

Chamada principal da capa da Nature (com imagem de Cassiano Rabelo) é para artigo do grupo da UFMG

Sob determinada condição, o grafeno, uma das formas cristalinas do carbono, transforma-se em um supercondutor, material que conduz eletricidade sem qualquer resistência. A observação empírica do fenômeno foi revelada em 2018 por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos.

Artigo publicado nesta quarta-feira (17 de fevereiro) na revista Nature, com destaque de capa, demonstra que o nanoscópio, equipamento óptico que revela imagens na escala do nanômetro (medida 1 bilhão de vezes menor que o metro), ajuda a extrair informações como as estruturas vibracional e eletrônica do grafeno, o que é importante para entender as propriedades desse material, incluindo a supercondutividade. O nanoscópio foi concebido por pesquisadores de diversas áreas da UFMG, e a tecnologia está pronta para ser transferida para a indústria. A fase atual é de construção de protótipo pré-comercial do equipamento.

“A descoberta que descrevemos nesse artigo atesta a importância do papel que o nanoscópio terá para a pesquisa em diversos campos”, afirma o professor Ado Jorio, líder do grupo cujo trabalho foi avalizado pela Nature. “A transferência da tecnologia renderá frutos para a ciência, em escala global, para a UFMG e para o Brasil”, ele ressalta.

Uma folha de grafeno é composta da repetição de hexágonos formados por átomos de carbono. Quando duas folhas se superpõem e há rotação de um grau nessa superposição, o movimento cria uma configuração que eventualmente gera forte correlação de elétrons e supercondutividade. Essa foi a revelação experimental do grupo do MIT, que permanece incompreendida. “Uma instabilidade é criada quando a rotação é inferior a 1 grau. O conjunto tende, então, a retornar para a condição de equilíbrio (sem rotação), em uma reconstrução que forma regiões triangulares reveladas pelo nanoscópio. É possível, então, elucidar as propriedades físicas que podem levar à compreensão das correlações fortes e da supercondutividade do grafeno”, explica Ado Jorio.

A descoberta descrita no artigo está inserida no novo campo da twistrônica (twistronics, em inglês), no qual se emprega a tecnologia de girar, de forma precisa, uma camada de um material bidimensional sobre a outra. Segundo o primeiro autor do artigo, Andreij Gadelha, os materiais bidimensionais formam uma família de materiais ultrafinos da nanotecnologia (poucos átomos de espessura) que têm no grafeno seu representante mais conhecido. “Ao variar o ângulo entre as camadas, é possível modificar intimamente suas propriedades, gerando fenômenos físicos exóticos. Desta forma, a twistrônica traz inúmeras possibilidades de manipulação da matéria”, diz Andreij, que é doutor em física pela UFMG.

Energia do visível

Ado Jorio destaca que nenhum outro equipamento é capaz de elucidar, como o nanoscópio, uma estrutura cristalográfica com tal nível de detalhe. Microscópios eletrônicos e equipamentos de raios-x possibilitam enxergar a estrutura cristalográfica dos materiais, mas não extrair informações funcionais sobre essa estrutura. Segundo Ado, é esse tipo de informação, obtida com o nanoscópio, que determina as propriedades dos materiais (térmica, óptica, de condutividade eletrônica, entre outras). “Os microscópios eletrônicos e os difratômetros de raios-x são muito energéticos, o que inviabiliza a extração das informações no nível de que precisamos”, explica o professor do Departamento de Física do ICEx. “Não é possível elucidar diferenças de energias pequenas com uma sonda (elétron ou fóton de raio-x) que tem energia muito alta. O nanoscópio lida com a energia do visível. Assim, podemos ambicionar entender os materiais para fazer engenharia com suas propriedades, tornando-os supercondutores, por exemplo.”

O nanoscópio, prossegue Ado Jorio, ilumina a amostra com um microscópio óptico usual. O foco da luz tem o tamanho de um círculo de 1 micrômetro de diâmetro (1 micrômetro equivale a mil nanômetros). “O que o nanoscópio faz é inserir uma nanoantena, que tem uma ponta com diâmetro de 10 nanômetros, dentro desse foco de 1 micrômetro e escanear essa ponta. A imagem com resolução nanométrica é formada por esse processo de escaneamento da nanoantena, que localiza o campo eletromagnético da luz em seu ápice”, afirma o professor.

No procedimento descrito no artigo publicado pela Nature, os pesquisadores utilizam o nanoscópio para elucidar a estrutura atômica, vibracional e eletrônica das chamadas bicamadas de grafeno de baixos ângulos, incluindo aquelas que apresentam a supercondutividade. A antena é escaneada na superfície da amostra de grafeno.

De acordo com Ado Jorio, é ilimitado o potencial das aplicações do nanoscópio, em áreas como química, biologia, física, engenharia e medicina. “Mudar do microscópio para o nanoscópio é como mudar do olho nu para o microscópio, um ganho de resolução de mil vezes”, ilustra o cientista.

Nove patentes

Na UFMG, o processo que culminou na criação do nanoscópio uniu pesquisadores dos programas de pós-graduação em Física, Engenharia Elétrica, Ciência da Computação e Inovação Tecnológica, além de profissionais da Matemática Computacional, Química, Engenharia Mecânica, Engenharia de Produção e Arquitetura. A primeira tese que tratou do assunto foi amplamente premiada.

Nove patentes relacionadas ao equipamento foram depositadas pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG no Brasil, e duas delas também na China, na Europa e nos Estados Unidos. O Inmetro, que participou do desenvolvimento do nanoscópio, é cotitular de cinco patentes. Outro parceiro é a InventVision, spinoff da UFMG abrigada no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec).

Ado Jorio lembra que a história do financiamento das pesquisas começa em meados dos anos 2000, com programas como as Redes de Pesquisa, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Mais tarde, entrou no circuito a Embrapii (Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), que apoia o movimento de tecnologias dos laboratórios para o mercado. A transformação do protótipo laboratorial em protótipo comercial do nanoscópio conta com o trabalho das unidades Embrapii DCC/UFMG e Senai-Cimatec e cofinanciamento da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge).

“O artigo que publicamos agora é emblemático e eloquente ao atestar o valor da interdisciplinaridade e a efetividade do investimento contínuo público em ciência. Depois de 15 anos, o projeto atingiu maturidade para abrir as portas do mercado internacional e gerar recursos, empregos e desenvolvimento socioeconômico para o Brasil”, enfatiza Ado Jorio.

Além de professores, pesquisadores e pós-graduandos da UFMG, o artigo também é assinado por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, do Inmetro, do National Institute for Materials Science (Japão), do Jonsson Rowland Science Center (EUA) e da Université de Louvain (Bélgica).

Artigo:Localization of lattice dynamics in low-angle twisted bilayer graphene 

Autores: Andreij C. Gadelha, Douglas A.A. Ohlberg, Cassiano Rabelo, Eliel G.S. Neto, Thiago L. Vasconcelos, João L. Campos, Jessica S. Lemos, Vinícius Ornelas, Daniel Miranda, Rafael Nadas, Fabiano C. Santana, Kenji Watanabe, Takashi Taniguchi, Benoit van Troeye, Michael Lamparski, Vincent Meunier, Viet-Hung Nguyen, Dawid Paszko, Jean-Christophe Charlier, Leonardo C. Campos, Luiz G. Cançado, Gilberto Medeiros-Ribeiro, Ado Jorio

Publicação: Nature, em 17 de fevereiro de 2021

Luis Nassif

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