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Regulação Financeira como instrumento ao enfrentamento da crise climática, ambiental e social, por Fernanda Feil e Carmem Feijo

A transição envolve uma reconfiguração abrangente dos sistemas de produção, padrões de consumo e estratégias de investimento

Reprodução Internet via Jornal da Cidade GV

Riscos e Incertezas – Regulação Financeira como instrumento ao enfrentamento da crise climática, ambiental e social

por Fernanda Feil e Carmem Feijo

A crise climática deixou de ser um problema do futuro e já tem causado efeitos imediatos, especialmente refletidos no aumento e intensidade de eventos climáticos extremos. Na verdade, a crise é mais do que climática, ela é tripla – é uma crise climática, ambiental e social.

Nos últimos anos, furacões inesperadamente severos, ondas de calor e incêndios florestais têm afetado milhões de pessoas. A perda da biodiversidade é severa – as ameaças aos ecossistemas estão relacionadas principalmente à atividade humana, como o desmatamento ou a poluição.

 Os efeitos são intensos e velozes – e alguns biomas estão próximos de seus tipping points, ou pontos de não retorno. As consequências da superação desses pontos não serão graduais, nem mesmo previsíveis, e se manifestarão de diferentes formas em cada região, setor econômico e sociedade.

O enfrentamento dessa tripla crise requer uma transição verde sustentável – definida como a mudança de uma economia intensiva em emissões de gases de efeito estufa para uma economia de baixa intensidade de emissões, minimizando a perda de biodiversidade e desigualdades sociais. Trata-se de uma mudança transformadora na estrutura econômica em direção a uma economia mais sustentável. Esta transição é caracterizada pela redução da heterogeneidade estrutural nos processos de produção e absorção de mão de obra e pelo aumento da densidade produtiva com eficiência no uso de recursos não renováveis. Visa alcançar uma redução significativa nas desigualdades econômicas, territoriais, setoriais e sociais. A transição envolve uma reconfiguração abrangente dos sistemas de produção, padrões de consumo e estratégias de investimento para se alinhar com princípios ambientalmente sustentáveis e socialmente inclusivos. Implica em se afastar de atividades intensivas em recursos e altamente carbonizadas em direção a processos mais limpos, verdes e eficientes em termos de uso dos recursos. O objetivo é fomentar uma economia onde o crescimento e o desenvolvimento sejam desvinculados de danos climáticos, ambientais e sociais e onde os benefícios desse crescimento sejam mais uniformemente distribuídos entre diferentes regiões, setores e grupos sociais. Isso envolve reduzir as disparidades entre regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas, garantir acesso equitativo a recursos e oportunidades e promover um crescimento inclusivo que beneficie todos os segmentos da sociedade. Assim, a transição verde sustentável não é apenas uma agenda ambiental ou econômica, mas uma abordagem holística que integra sustentabilidade ecológica com equidade social, fomentando uma economia resiliente, inclusiva e capaz de atender às necessidades atuais e futuras de sua população.

Alcançar essa transição coloca o sistema financeiro no centro da discussão. Estima-se que, até 2050, será necessário um investimento anual entre US$ 3,5 trilhões e US$ 4,5 trilhões.

Isso porque o sistema financeiro, formado por instituições financeiras, mercados financeiros e agentes reguladores, são criadores e direcionadores de recursos que podem financiar investimentos capazes de ocasionar mudanças estruturais para o enfrentamento dos efeitos da tripla crise climática e para o estímulo à transição verde sustentável.

A tripla crise está se tornando cada vez mais uma preocupação fundamental para instituições financeiras e reguladores em todo o mundo. Diante dessa emergência, bancos centrais e supervisores financeiros estão intensificando seus esforços para explorar formas de proteger o sistema financeiro contra os riscos climáticos.

Entende-se que reformas econômicas e financeiras severas serão fundamentais para catalisar uma transição verde sustentável. A tripla crise provoca riscos inerentes à estabilidade do sistema financeiro, pois representa uma mudança significativa na expectativa de retorno impactando a composição dos ativos econômicos nos portfólios dos agentes econômicos. A materialização de tais riscos ainda é incipiente e suas consequências ainda são desconhecidas. Neste sentido, tais riscos precisam ser integrados ao arcabouço regulatório, implicando uma ruptura epistemológica na abordagem da gestão de risco.

A crescente conscientização da gravidade do contexto tem gerado reações importantes. Na agenda dos bancos centrais e autoridades reguladoras, fortemente atrelada ao mandato de combate à inflação e da busca pela estabilidade financeira, discussões e avanços têm sido feitos para a compreensão dos riscos e sua incorporação aos arcabouços regulatórios, na normatização de estímulos à inclusão da questão ambiental nas decisões das instituições e na formatação de instrumentos nos mercados de capitais. Coloca-se, ainda mesmo que de forma generalizada, a incorporação de instrumentos verdes na implementação da política monetária. E, ainda de forma mais incipiente, a normatização de mecanismos que estimulem e induzam o direcionamento de recursos para o financiamento de segmentos verdes.

Mas ressalta-se que a perspectiva ainda predominante foca na necessidade de geração de informação e para a mensuração dos riscos climáticos, ambientais e sociais como fundamentos para ação. A ênfase em transparência, análise de cenários e testes de estresse sugere que esses métodos são capazes de fornecer avaliações quantitativas seguras dos riscos associados. Em geral, a função da autoridade monetária é vista como a de um líder cuja influência pode incitar as instituições financeiras a aprimorarem de forma voluntária suas práticas de gestão de riscos climáticos e ambientais, incentivando uma realocação de capital para atividades comerciais mais sustentáveis.

Esta visão parte da premissa de que os mercados financeiros são eficientes para melhor alocar recursos e que o papel do Estado, portanto dos reguladores, é corrigir eventuais falhas de mercado.

Esta perspectiva é influenciada pelo arcabouço neoclássico, que internaliza a temática ambiental como uma extensão da teoria microeconômica do bem-estar, na qual variáveis ambientais se inserem no modelo de equilíbrio de mercado.

No entanto, o tamanho da crise, a necessidade de seu enfrentamento da forma rápida e abrupta, necessita de novos formas de intervenção. Necessita de um sistema financeiro funcional para a transição climática, o que implica incorporar no processo de escolha a incerteza (como distinta de risco).

Portanto, não é à toa que a regulação, de uma forma mais ampla, é central no enfrentamento da crise climática, ambiental e social: mas não apenas com um papel reativo, que implica a incorporação dos riscos climáticos, físicos e de transição, mas sim, com um papel ativo, que trata não somente do estímulo, mas da indução de mecanismos de financiamento de posições (investimentos) sustentáveis, porém com elevada incerteza sobre riscos e retornos, que contribuam para a transição verde sustentável. A regulação e a gestão de liquidez pelo banco central devem atuar como instrumentos de políticas públicas, inseridos em um contexto mais amplo, no centro da política para a transição verde sustentável.

Fernanda Feil – Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia do Programa de Pós-graduação (PPGE) da UFF e pesquisadora do Finde/UFF

Carmem Feijo- Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

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